A síndrome de Goldenhar é uma doença congénita rara que afeta o desenvolvimento fetal precoce. Esta síndrome inclui malformações de gravidade variável, que afetam diferentes partes da face. As suas causas e modos de transmissão eram até agora pouco conhecidos. Há dias, uma colaboração internacional liderada pela Universidade de Genebra (UNIGE) e pela Universidade de Beihang, na China, anunciou ter descoberto que as variantes patogénicas do gene FOXI3 – responsável pelo desenvolvimento da orelha – são responsáveis por uma forma deste distúrbio do desenvolvimento. Os cientistas conseguiram também identificar os modos de transmissão da doença quando este gene específico está envolvido. Os resultados deste estudo foram publicados na última edição da revista Nature Communications.
Descrita pela primeira vez em 1952, na Universidade de Genebra (UNIGE), pelo oftalmologista Maurice Goldenhar (1924-2001), a síndrome de Goldenhar ou displasia óculo-aurículo-vertebral é uma doença congénita rara que apresenta assimetria facial, malformações dos sistemas auditivo e ocular e anomalias da coluna vertebral, por vezes associadas a atraso mental. A sua expressão e gravidade variam muito consoante o indivíduo e pensa-se que afeta aproximadamente um em cada 3.500 a 5.600 nascimentos.
Esta síndrome é causada por mutações que surgem durante o desenvolvimento fetal. O modo de transmissão e os mecanismos moleculares envolvidos são ainda pouco conhecidos pelo que a primeira questão que os cientistas colocaram foi se estas mutações ocorrem espontaneamente ou existe uma forma hereditária da doença? Do trabalho de investigação foi possível identificar um gene – FOXI3 – cujas variantes patogénicas estão envolvidas numa das formas da doença.
Um gene que constrói a orelha
O FOXI3 está envolvido de forma crítica no desenvolvimento do ouvido. É um gene arquiteto: produz uma proteína que atua como um fator de transcrição. Por outras palavras, controla a expressão de outros genes para iniciar a construção do ouvido”, explica Stylianos Antonarakis, professor emérito da Faculdade de Medicina da UNIGE e coautor do último estudo, que foi financiado pela ChildCare Foundation de Genebra.
Para determinar o papel do FOXI3, os cientistas utilizaram os perfis genéticos de uma família paquistanesa altamente consanguínea envolvida num projeto de investigação mais vasto sobre doenças raras. Nesta família, dois irmãos têm a síndrome mas não os seus pais, nem os outros quatro irmãos. Ambos os doentes têm mutações patogénicas em ambas as cópias do gene FOXI3, enquanto vários outros membros desta família, que não têm a síndrome de Goldenhar, têm uma mutação em apenas uma cópia do gene.
Esta primeira análise permitiu-nos confirmar que as mutações patogénicas em ambas as cópias do gene FOXI3, cada uma herdada de um progenitor, são necessárias para o desenvolvimento de uma forma da doença”, explica Stylianos Antonarakis. É a chamada hereditariedade autossómica recessiva.
Responsável por uma forma da doença
Para descobrir se as variantes patogénicas do FOXI3 e a sua herança autossómica recessiva estão sistematicamente envolvidas, os investigadores analisaram também os perfis genéticos de 670 doentes não aparentados na Europa e na China. Foram identificadas dezoito variantes patogénicas no gene FOXI3 em vinte e um pacientes. O FOXI3 é, portanto, apenas um dos genes que podem causar a doença, precisamente a forma específica observada nos nossos doentes paquistaneses”, explica Ke Mao, investigador da Universidade de Beihang e coautor do estudo, juntamente com Christelle Borel, investigadora principal associada do Departamento de Medicina Genética e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina da UNIGE, e Muhammad Ansar, investigador principal e assistente de ensino do mesmo departamento e chefe do grupo de investigação “Eye Genetics” do hospital oftalmológico Jules-Gonin.
Outra descoberta que deixou os investigadores perplexos foi o facto de o modo de hereditariedade, em muitos outros casos, ser aparentemente autossómico dominante. Neste caso, só é necessário que uma das duas cópias do gene seja portadora da mutação para que a doença ocorra. Ao estudar cuidadosamente o genoma em torno do gene FOXI3, os cientistas resolveram este mistério. Existe uma variante funcional e frequente, mas específica, de uma cópia do gene FOXI3 que, em combinação com uma mutação grave na outra cópia do gene FOXI3, também causa a doença.
Os cientistas criaram ainda animais de laboratório com mutações no gene FOXI3 para validar os resultados obtidos em famílias humanas. Estes ratinhos apresentaram deformações faciais equivalentes às características humanas”, acrescenta o Professor Yong-Biao Zhang da Universidade de Beihang, coautor principal do estudo. Estes resultados fornecem elementos cruciais para a compreensão desta síndrome e explicam em parte a grande heterogeneidade da doença. Abrem também o caminho para o estudo de outros genes que podem estar envolvidos na doença, mas também no desenvolvimento saudável de certas partes do rosto, cujos mecanismos são ainda mal compreendidos.
Versão integral do comunicado: https://www.unige.ch/communication/communiques/en/2023/un-gene-lorigine-de-graves-malformations-du-visage-identifie
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