Chegados a 2024, importa olhar para trás e contabilizar o deve e o haver que transitou de ano. No fundo qual o saldo que transitou para este novo ano que agora começa.
Comecemos pela tão propalada “Porta de Entrada do SNS”; os Cuidados de Saúde Primários (CSP). Pesem as inúmeras declarações de compromisso com o desenvolvimento deste nível essencial de cuidados que deveria assegurar o acesso da maioria dos cidadãos a cuidados de saúde, a verdade é que pouco se alcançou para que a entrada por esta “porta” fosse uma realidade universal. Bem pelo contrário: temos hoje mais de 1,7 milhões de utentes sem médico de família atribuído (o maior número de sempre). E não se vislumbram soluções que permitam resolver ou mesmo mitigar o problema. É certo que se fala muito do potencial da transformação de todas as unidades dos CSP em USF de modelo B (modelo em que a remuneração é sensível ao desempenho). O problema é que mesmo com essa transformação (que olhando para o terreno se sabe à partida que não poderá ser universal, a menos que se altere a legislação que regula este inovador modelo) o número de utentes a que será possível dar médico não atinge nem de perto o atual montante dos que não o têm. E aqui, importa também dizer que dos quase meia centena de indicadores de desempenho que permitem aos médicos e outros profissionais de saúde receberem mais de três mil euros acima do que receberiam se não estivessem neste modelo (no caso dos médicos), 20% respeitam a indicadores financeiros, que impõem aos clínicos muita moderação na prescrição de meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica e medicamentos. Se gastarem mais do que estiver contratualizado, não passam da cepa torta em termos remuneratórios. O que naturalmente poderá suscitar questões éticas.
Nos cuidados secundários, o que herdámos de 2023 é conhecido de todos, difundido que é diariamente nas notícias. As urgências encontram-se à beira do colapso, diz quem lá trabalha. Uma versão diferente da comunicada pela Direção executiva do SNS, é certo, mas não há como renegar a realidade. O número de serviços sem quórum para escala é assustador e abrange várias valências, da Obstetrícia à Medicina Interna. E nas que ainda conseguem manter-se em funcionamento, os tempos de espera para atendimento chegam a superar as 20 horas. A triagem de Manchester tem, hoje, um efeito meramente indicativo. Doentes com pulseiras laranja, que deveriam ser vistas por um médico no espaço de 10 minutos, chegam a ter de esperar mais de duas horas. A solução encontrada foi a de recusar atendimento a quem recorre aos serviços sem referenciação, o que para além de colocar em causa princípios fundamentais em sede de universalidade e equidade, esbarra com a falta de alternativas nos CSP, que não conseguem organizar-se em termos de horários para respaldar o espetro horário das urgências hospitalares.
Ainda em sede de cuidados secundários, agrava-se a situações dos casos de internamentos sociais. Não há retaguarda que consiga libertar camas nestas condições minando-se deste modo a capacidade de resposta a novos casos urgentes. A implementação de uma rede efetiva de cuidados continuados integrados continua por realizar.
Poderia continuar este exercício de deve e de haver não fosse ele uma missão quase impossível, pelo menos no âmbito de um editorial. Por exemplo, dissertar sobre as vagas de especialidade que continuam por preencher; das consultas externas cujo prazo de realização ultrapassa muitas vezes a esperança de vida dos doentes visados; da falta de um programa inteligível de literacia em saúde; da insatisfação do universo profissional que povoa o SNS.
Quedo-me, no entanto, por aqui, pois importa, neste recomeço de translação, acreditar que se há-de encontrar solução para dirimir muitos dos problemas que ano após ano se repetem naquele que é um dos pilares fundacionais da Democracia.
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