Desde o século XIX que a generalidade dos Estados assumiu a responsabilidade política e social pela proteção da saúde coletiva. Portugal foi pioneiro na organização de uma rede de serviços estribada nas autoridades de saúde (“delegados de saúde”).
Quanto ao SNS, criado em 1979 pela Assembleia da República, temos assistido a um terramoto organizacional. Não se trata de uma disrupção benigna, concorrendo para um novo equilíbrio sistémico, mas antes da sua desconstrução, orgânica e funcional.
Para matar à sede um organismo vivo, não é preciso privá-lo em absoluto de água; basta não lha dar em quantidade suficiente… Desta forma, ficam os perpetradores libertos da culpa aparente, perante uma opinião pública escrutinadora, mas nem sempre suficientemente exaustiva na sua avaliação.
Sendo a parente indigente da Medicina e dos cuidados de saúde, a Saúde Pública foi particularmente impactada pelo ímpeto destrutivo que assolou o SNS. É certo que de uma forma nem sempre percecionável, mas nem por isso menos lesiva.
Reconhece-se, no entanto, que a integração, ainda que improvisada, das unidades de saúde pública (serviços de âmbito local) nas unidades locais de saúde (ULS), configura uma oportunidade de desenvolvimento orgânico e funcional para aquelas – desde logo, pelo facto do modelo organizacional das ULS possibilitar a sua equidistância relativamente aos cuidados primários e hospitalares.
Mas a verdade é que o desconhecimento quanto ao destino vital dos serviços de âmbito regional (departamentos de saúde pública) augura o pior. Lamentavelmente, o “modus operandi” da alegada reforma em curso do SNS tem sido caraterizado pela opacidade e pelo improviso…
Os departamentos de saúde pública encontram-se apensos aos organismos agónicos que são as administrações regionais de saúde continentais. Além da inevitável orfandade institucional, é sobre eles próprios sussurrada uma sentença de morte…
Poderão os decisores políticos contrapor com o rejuvenescimento do serviço de saúde pública de âmbito nacional (Direção-Geral da Saúde). Mas renovar não é sinónimo de expurgar os mais experientes. E não nos devemos esquecer que a liderança efetiva de um serviço central pressupõe o seu reconhecimento por parte dos níveis organizacionais inferiores.
Assumir os (muitos) sucessos e os (inevitáveis) reveses de um processo com duzentos anos de história, é não só salutar, como desejável. Acresce a obrigação deontológica de honrar os que nos antecederam na profissão médica.
Destruir as fundações de um edifício é ditar a sua implosão. Numa organização, estas correspondem a todos os que a integraram. Todos, sem exceção, independentemente das suas características individuais ou dos recursos então disponíveis.
A evolução é desejável, mas a continuidade é necessária. Não obstante o rumo preocupante que se vislumbra, não quero perder a esperança de que este seja
corrigido. Desejo-o, ardentemente, em prol da promoção da saúde da população portuguesa!
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