Catarina Peixinho
Médica Ginecologia/Obstetra
Hospital Pedro Hispano/ULSM

Microbiota Vaginal

5 de Março 2024

A microbiota vaginal integra a comunidade de microrganismos que naturalmente residem na vagina. Estes incluem uma variedade de bactérias, fungos e outros microorganismos que desempenham um papel importante na saúde vaginal. Em entrevista exclusiva ao Healthnews, a Dra. Catarina Peixinho, ginecologista do Hospital Pedro Hispano, da ULS Matosinhos, aborda a estratégia de promoção de um equilíbrio saudável da microbiota vaginal através do uso de probióticos, microorganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, podem conferir benefícios à saúde do hospedeiro. Já em relação à saúde vaginal, os probióticos podem ajudar a manter o equilíbrio saudável da microbiota vaginal, prevenir infeções, reduzir odores desagradáveis e até mesmo aliviar sintomas de infeções bacterianas ou fúngicas.

HealthNews (HN) – Qual o papel que desempenha a microbiota vaginal em mecanismos fisiológicos humanos? Como é composta a microbiota vaginal?

Dra. Catarina Peixinho (CP) – A microbiota vaginal, ou flora vaginal, consiste em centenas de bactérias (a espécie bacteriana dominante é o Lactobacillus spp) e em menor número, fungos (Candida), que habitam a vagina. A composição da microbiota vaginal varia segundo a idade, mudando radicalmente desde a infância, idade adulta até à menopausa. Esta é influenciada por múltiplos fatores, intitulando-se como uma comunidade dinâmica. Dessa forma, está sujeita à influência de fatores onde se incluem a origem étnica, hormonas sexuais (nomeadamente durante a menstruação e gravidez), a contraceção hormonal, o comportamento sexual, higiene íntima, dieta, tabagismo e a genética. Paralelamente, a flora vaginal é influenciada pela sua localização, isto é, a proximidade entre a vagina e o ânus, sendo que as bactérias do ânus podem colonizar a vagina provocando alterações patológicas.

 HN – O que é a disbiose e como se pode prevenir?

CP – Quando a composição da microbiota vaginal se encontra desequilibrada, temos aquilo a que chamamos “disbiose”. A disbiose vaginal ocorre quando os Lactobacillus perdem a sua predominância, favorecendo a proliferação de microrganismos oportunistas, manifestando-se por corrimento vaginal, comichão (prurido) e ardor, mau odor, mas também pode ser assintomática. Os principais fatores responsáveis pela disbiose da microbiota vaginal são:

  • alterações hormonais (por exemplo, a menopausa associada à queda de estrogénios e por sua vez de Lactobacillus, afetando a flora vaginal)
  • stress
  • higiene excessiva (uso de sabonetes íntimos, irrigações/ duches vaginais)
  • terapêutica com antibióticos
  • doenças que afetam a imunidade
  • tabagismo
  • álcool
  • má alimentação, com uma dieta rica em gorduras, carboidratos refinados.

Uma disbiose vaginal é associada a:

  • vaginose bacteriana
    • verificando-se uma diminuição significativa de Lactobacillus produtores de ácido lático e sobrecrescimento de outras bactérias patogénicas, como Gardnerella spp , Atopobium spp., Prevotella spp. e Mobiluncus spp.
  • Candidíase
    • o desenvolvimento de candidíase vulvovaginal é geralmente atribuído a um desequilíbrio entre a colonização vaginal e o ambiente do hospedeiro por alterações fisiológicas ou não fisiológicas
  • Maior risco de parto prematuro

É essencial cuidar da microbiota vaginal. A higiene íntima diária é crucial para prevenir a disbiose. A lavagem externa da vulva com um gel íntimo adequado ajuda a reduzir a acumulação indesejada de secreções vaginais, suor, urina e contaminantes fecais. Para melhorar a microbiota vaginal existem substâncias como os probióticos que ajudam a reduzir ou corrigir de forma segura os desequilíbrios da mesma, podendo ser administrados através da vagina ou por via oral. Ajudam a reequilibrar a flora vaginal, a atenuar os sintomas e a reduzir o risco de recorrência de várias infeções vaginais.

HN – Como se processa a colonização bacteriana e subsequente infeção? A adesão à mucosa vaginal é um parâmetro relevante?

CP – Como referi previamente, a flora vaginal é influenciada pela sua geografia, isto é, pela proximidade com o ânus favorecendo a entrada de bactérias para a vagina e dessa forma, o surgimento de infeção vaginal. Também os Lactobacillus presentes ajudam a manter um ambiente vaginal saudável através da acidificação do pH vaginal (pH vaginal 3.8 – 4.5), inadequado para muitos microrganismos patogénicos. Contribuem para proteção da microbiota vaginal através da competição com microrganismos patogénicos e libertação de substâncias antibacterianas, bloqueando a sua propagação e dessa forma, impedem que esses se instalem na vagina. Portanto, a microbiota vaginal funciona como uma barreira, tornando difícil aos agentes patogénicos implantarem-se nas paredes vaginais. Quando os Lactobacillus se encontram em desequilíbrio, estas barreiras são ultrapassadas e facilmente surge uma infeção vaginal.

HN – Qual o papel das substâncias antimicrobianas na imunomodulação? O que são e qual a função dos biossurfactantes?

CP – Os Lactobacillus inibem também o crescimento de outras espécies de microrganismos através da produção de peptídeos antimicrobianos, com função bactericida e bacteriostática. Estas substâncias desempenham um papel importante para a exclusão competitiva ou inibição da invasão por outras bactérias.

Adicionalmente, existe ainda produção de surfactantes, que são outro grupo de proteínas com ação antimicrobiana. Essas proteínas dificultam a adesão bacteriana. Os surfactantes não são produzidos exclusivamente por microrganismos pertencentes à microbiota vaginal, mas também pela mucosa vaginal, que para além de contribuir para a diminuição da adesão bacteriana, constitui um componente integral da imunidade vaginal.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Fundador da Joaquim Chaves Saúde morre aos 94 anos

O farmacêutico Joaquim Chaves, fundador da Joaquim Chaves Saúde, morreu hoje aos 94 anos, anunciou o grupo, afirmando que foi “referência incontornável na área da saúde” em Portugal.

Portugal registou 120 novos casos de VIH em 2023

Portugal registou 924 novos casos de infeção por VIH em 2023, mais 120 do que no ano anterior, com o diagnóstico a ocorrer maioritariamente em homens, indica o relatório “Infeção por VIH em Portugal 2024” divulgado hoje.

Sónia Dias: “Ciência da Implementação pode ser catalisador para adoção de políticas baseadas em evidências”

Numa entrevista exclusiva ao Healthnews, Sónia Dias, Diretora da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa (ENSP NOVA), destaca a criação do Knowledge Center em Ciência da Implementação e o lançamento da Rede Portuguesa de Ciência da Implementação como iniciativas estratégicas para “encontrar soluções concretas, promover as melhores práticas e capacitar profissionais e organizações para lidarem com os desafios complexos da saúde”

Share This