Doente avaliado deitado em maca, vígil. Orientado na pessoa e no espaço. Desorientado no tempo.
Hoje somos chamados a avaliar um caso em particular. Sabe que se chama Serviço Nacional de Saúde, prefere que o tratem por SNS, mas Sistema não, por favor. Sabe que está no hospital, que conhece bem, como se fosse a sua casa. Diz ter 45 anos. Desorientado no tempo, confirmo, pois, na verdade, são 44, mas ele lá tem os seus motivos para não precisar quantos anos tem ou em que ano estamos, afinal noutros tempos nascia-se, mas só quando as condições favoráveis estavam reunidas é que se formalizava o registo. É curioso como dedicamos bastante tempo a avaliar o grau de orientação dos doentes, quando muitas vezes nos perguntamos a nós próprios a quantas andamos, em que dia estamos, quem é o atual ministro da Saúde? Talvez por ser reconfortante percebermos que não somos os únicos a duvidar e, por vezes, a falhar, e numa tentativa de orientar quem nos ouve (nós próprios também) informamos: É dia 2 de abril de 2024, tomou posse hoje o novo governo de direita, senhor SNS. Segue-se um silêncio, de reflexão ou apenas cumpridor, enquanto a manga do esfigmomanómetro insufla para objetivar uma sistólica baixinha como é habitual e que usa como desculpa para a sua falta de forças.
Hemodinamicamente estável. Subfebril
Aparentemente desconfortável. O registo ficou incompleto por falha no sistema, mas o dia prossegue e hoje podemos discutir o caso do SNS com a restante equipa. Por capricho da impressora do serviço, sempre muito temperamental, as notas a apresentar foram passadas à mão: “E se reforçássemos o SNS, fortalecendo a reforma em curso e valorizando as carreiras profissionais? Podíamos ouvir todos os intervenientes, desde profissionais a utentes, num diálogo que se concretize numa solução participada e, por isso, motivadora. E se apostássemos na promoção da saúde e prevenção da doença, assumindo a Saúde Pública e os Cuidados de Saúde Primários como pilares basilares? Podíamos reforçar competências e recursos para uma resposta de proximidade e mais humana. E se investíssemos na saúde mental da população, mas também dos profissionais de saúde? Podíamos apostar na promoção da saúde mental, combater o estigma e garantir o acesso ao tratamento especializado das doenças mentais para todas as pessoas.” O meme faz-se sozinho. Não tivemos pessoas a voar pela janela porque a reunião estava a acontecer na arrecadação disponibilizada para esse fim, onde estas não existem, mas podemos imaginar o que acontece à personagem que na discussão de um problema traz para cima da mesa ideias de mudança e progresso. O computador reinicia e completa-se o registo.
Mantém cuidados. Alta para breve
Já vai longo o dia, mas antes que termine é necessário reforçar, mais uma vez, a nossa orientação temporal. Relembrar que 2 de abril de 2024 é também o dia em que assinalámos 48 anos da aprovação da Constituição da República Portuguesa que consagra a defesa do direito à proteção da Saúde através de um Serviço Nacional de Saúde universal e geral que temos de assegurar. No entanto, perante o estado de vulnerabilidade do nosso doente, mais do que o habitual discurso de simplesmente cuidar é urgente afastar este rumo de degradação e de forma ativa afirmar o SNS como direito e liberdade. Por tudo isto, relembrar que estamos em abril, com o dia 7,dia Mundial da Saúde, do direito à Saúde das pessoas, de todas as pessoas e o dia 25, dia da Liberdade e de defender e reforçar esta conquista de 50 anos de Democracia. Por tudo isto relembrar que somos abril. E agora sim, orientados, podemos afirmar que, em Portugal, a Liberdade e o Direito à Saúde têm de ser possíveis. É no SNS que se concretizam todos os dias.
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