Todos os artigos em: SNS - Sim é possivel

Minha saúde, o meu direito

04/08/2024
Mário André Macedo Enfermeiro Especialista em Saúde Infantil e Pediátrica

Minha saúde, o meu direito. É o lema escolhido pela Organização Mundial de Saúde para ilustrar o dia mundial de saúde de 2024. Numa altura em que o acesso aos cuidados de saúde encontra-se, um pouco por todo o mundo, ameaçado, o lema para este ano não poderia ter sido mais acertado.

Todos têm direito a ter acesso a cuidados de saúde de qualidade. Para isso, os sistemas de saúde têm de ser construídos segundo critérios de equidade e solidariedade. Não há outra forma de garantir o acesso universal aos cuidados de saúde.

A poluição e as alterações climáticas são um problema do presente, não do futuro. São uma das maiores causas de mortalidade e morbilidade. Como sempre, são as zonas mais pobres e desfavorecidas que mais sofrem o efeito da poluição e o consequente aumento das desigualdades em saúde. As alterações climáticas condicionam o acesso aos cuidados. Lutar pelo direito à saúde significa, necessariamente, defender políticas que promovam a sustentabilidade ambiental.

Apenas 140, dos 195 países, reconhecem que a saúde é um direito fundamental. São ainda menos os que passam das palavras aos atos, deixando 4.5 mil milhões de pessoas sem acesso a cuidados de saúde básicos. O ciclo de pobreza doença nunca será quebrado sem um sólido compromisso na defesa e promoção da saúde.

O direito à saúde também se intersecciona com outro problema muito sentido em Portugal: a habitação. Como defender o acesso equitativo a cuidados de saúde se a habitação não oferece o mínimo de condições? Se é demasiada fria ou quente, se é demasiado húmida ou se vivem demasiadas pessoas num pequeno espaço? Querer uma habitação digna para todos também é contribuir para a melhoria do estado de saúde da população.

Cerca de 12% dos portugueses encontram-se em situação de insegurança alimentar moderada a severa. Ou seja, mais de um em cada dez portugueses nunca terá condições para garantir o direito à saúde. Um corpo sem alimentação adequada, nunca será um corpo saudável. E sem sequer abordar as escolhas alimentares. Podemos comer o suficiente em termos calóricos, mas com escolhas erradas, promovidas por políticas erradas que cedem aos determinantes comerciais da saúde, também não teremos saúde. Enquanto houver pessoas com insegurança alimentar, o acesso à saúde nunca será pleno.

Minha saúde, o meu direito. Impossível sem segurança no trabalho, sem boas condições laborais, sem leis que equilibrem o desequilíbrio de forças sempre presente nos locais de trabalho. Mas mesmo com leis adequadas, de nada servem se a regulação continuar, como até agora, inexistente.

Os determinantes políticos da saúde fazem-se sentir em várias dimensões das nossas vidas. Em Portugal, uma das mais intensas é na taxa de atividade física. Segundo o Eurostat, Portugal é segundo país europeu onde os adultos menos andam a pé ou de bicicleta e dos que menos praticam exercício físico de forma regular. Não deveria ser surpreendente. Quando todo o planeamento urbano é centrado no carro, é natural que as pessoas sigam o incentivo que os seus decisores políticos criam. Sem coragem para romper com este ciclo, continuaremos na causa da Europa por longos anos.

O que é preciso para que “a minha saúde, o meu direito” seja realmente atingido? Mais e melhor democracia. É nos países democráticos que existe melhor saúde. É nas democracias que as pessoas têm maior agência e maior escrutínio. É a democracia, com todas as suas imperfeições, que cria os incentivos para que os políticos respondam às necessidades de saúde da população. Quando hoje muitos prometem o autoritarismo como resposta para todos os problemas, imaginários ou reais, é importante lembrar que sem democracia não há saúde para todos.

Falei de saúde sem nunca ter falado de profissões, hospitais ou doenças. Porque para ter saúde é preciso muito mais que o moderno equipamento de imagem, ou o domínio da mais recente técnica cirúrgica. É preciso uma verdadeira aposta na promoção da saúde e uma abordagem centrada nos determinantes sociais da saúde, com foco na equidade.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Dadores de órgãos aumentaram 17,9% em 2023

Portugal registou um total de 375 dadores de órgãos em 2023, um crescimento de 17,9% em comparação com o ano anterior, anunciou hoje o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST).

Ajutec vai garantir três dias de formação

A AJUTEC, reconhecida como uma das principais feiras de saúde, produtos de apoio e acessibilidade, está de volta à Exponor com o objetivo de “construir uma sociedade mais inclusiva e tecnologicamente avançada.” Até ao momento com 50 expositores confirmados, a feira procura impulsionar e promover empresas com soluções inovadoras nas seguintes áreas: Healthcare, Fisioterapia, Geriatria e Produtos de Apoio.

OMS lança iniciativa SPECS 2030

A Organização Mundial de Saúde (OMS) acaba de lançar a iniciativa SPECS 2030, inserida na Global SPECS Network que tem como principal objetivo unir uma rede global de participantes para atingir a meta global do erro refrativo para 2030, que consiste no aumento de 40% na cobertura efetiva desta patologia.

Os enfermeiros (também) são cientistas

Lara Cunha: Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica; Research Fellow na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

49% das deslocações forçadas no mundo ocorrem em África

Conflitos, alterações climáticas, pobreza extrema e insegurança alimentar fazem disparar deslocações forçadas no continente africano e irão obrigar mais de 65 milhões de pessoas a fugir das suas casas até ao final de 2024. Subfinanciamento surge como principal ameaça à ajuda humanitária.

Share This
Verified by MonsterInsights