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Um Dia Mundial da Saúde sem festa!

04/06/2024
Rui Cernadas
Médico de Família

Sejamos claros para dizer ao que vimos.

Uma oportunidade falhada pode ser de novo tentada, mas nunca se recupera de uma tentativa precipitada e mal calculada.

Refiro-me obviamente à pressa com que um governo demissionário meteu o SNS em Unidades Locais de Saúde (ULS), sem prévia preparação dos recursos e das populações, sem envolvimento dos profissionais e das parcerias, sem contas feitas e sem respostas articuladas. A opção foi a da suposta criação da ULS como fórmula revolucionária ou milagrosa, esquecendo que uma máxima generalizada nada mais é do que inútil e, quiçá neste caso, assassina do modelo pretendido.

A municipalização da Saúde e espartilhamento do SNS coloca em causa o acesso aos Cuidados de Saúde Primários (CSP) e imporá um enorme peso financeiro aos municípios, sendo realçada por essa ideia bacoca de nomeação de vogais executivos designados pelas autarquias associadas.

E porém o processo de transferência de competências na área da Saúde para as autarquias e entidades intermunicipais, definido pelo Decreto-Lei n.º 23/2019, determinava a transferência, até 31 de março de 2022, de responsabilidades alargadas no que diz respeito à construção, gestão, manutenção e conservação das infraestruturas, serviços de apoio logístico e de uma parte dos recursos humanos (assistentes operacionais).

Mas os Municípios maioritariamente foram rejeitando tais competências, percebendo a desresponsabilização da Administração Central e do Ministério da Saúde de um conjunto de competências centrais para a prestação de cuidados.

E porque sou contra este modelo na perspectiva nacional e universal para o SNS?

Porque tenho fundadas razões para pensar como serão diferentes e heterogéneas, talvez desadequadas, as ULS que integrem centros hospitalares universitários, ou áreas de um ou dois concelhos, ou de 10, 12 ou mais concelhos, ou ULS com anos de experiência e outras ora implementadas em áreas de desertificação e envelhecimento demográfico marcado!

Porque isto representa o risco real de perda de qualidade na prestação de cuidados, porque acentua a definição de políticas de saúde inconsistentes, facilita a desagregação ou a segmentação do planeamento em saúde e padroniza a assimetria de cuidados.

Com uma agravante pecaminosa, a de que os cidadãos se tornem reféns da (in)capacidade e vontade política e técnica dos municípios para a negociação dos orçamentos necessários, para os investimentos em instalações e equipamentos ou sua manutenção e, ainda para o recrutamento e a gestão dos recursos humanos indispensáveis à garantia de prestação da assistência clínica necessária. Fica assim comprometida a universalidade e a equidade no acesso à saúde, prevista na Constituição.

O tema escolhido para o Dia Mundial da Saúde de 2024 é “A minha saúde, o meu direito”. 

Será um lembrete de que a saúde é um direito humano fundamental e deve ser protegida e promovida por todos, sem exceção. Em Portugal sem médico de família são cerca de 2 milhões.

Os problemas do SNS não vêm da falta de médicos, de enfermeiros, de farmacêuticos ou outros profissionais da saúde. Nunca houve tantos profissionais como há hoje, acrescidos de dezenas de jovens Portugueses licenciados por escolas de saúde estrangeiras.

A questão no SNS é a de uma produtividade muito baixa!

E baixou não por falta de esforço ou pelas horas de trabalho. 

Os efeitos qualitativos do envelhecimento da população são nítidos e os consumos anuais per capita de cuidados de saúde crescem. No entanto, os impactos quantitativos são paradoxais: com o envelhecimento da população a tendência seria para termos cada vez menos nascimentos, mas é na área das maternidades e da pediatria que temos visto os grandes problemas na oferta de cuidados de saúde!

Os problemas de gestão são de natureza diversa. Pelo enquadramento político do sistema de saúde público. Gestores com pouca capacidade de mudança e enfeudados pela falta de autonomia que lhes é imposta pelos Ministérios da Saúde e das Finanças. Incentivados a pactuar com situações disfuncionais, interesses locais e objectivos partidários.

Com a política orçamental seguida desde 2015, houve uma forte redução no investimento público, quer em termos orçamentais quer por via das cativações. Tudo começou a faltar no SNS: macas, ambulâncias, medicamentos, helicópteros, computadores, equipamentos, consumíveis, informação, motivação, energia e liderança.

Os gastos com prestação de serviços são ineficientes e não resolveram os problemas das urgências e outros, estrangulando a montante e a jusante respostas, como as dos cuidados continuados incapazes de aliviar a onda dos chamados internamentos sociais.

Não há razões para festa!

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