Ana Catarina Pinheiro
MGF
Hospital da Luz

Fungos da pele (Pitiríase Versicolor): o que deve saber

8 de Maio 2024

1. O que é a Pitiríase versicolor e quais os seus sintomas característicos?

A Pitiríase Versicolor (PV) é uma patologia cutânea, não contagiosa, formada por máculas arredondadas hipopigmentadas, hiperpigmentadas ou eritematosas cobertas por delicadas escamas translúcidas. A doença é frequentemente assintomática, embora alguns pacientes possam relatar prurido ligeiro.

A PV não é uma infeção do género Malassezia furfur (anteriormente conhecido como Pityrosporum). A Malassezia furfur é um fungo dimórfico lipídico-dependente que é um componente da flora normal da pele. A transformação de Malassezia furfur de células de levedura para uma forma micelial ou hifal patogénica está associada ao desenvolvimento de doença clínica.

As razões para o desenvolvimento da PV são provavelmente multifatoriais, envolvendo fatores exógenos e endógenos.

A distribuição da PV na superfície corporal pode refletir as necessidades nutricionais da levedura. A Malassezia furfur é lipídico-dependente e a maior produção de sebo pelas glândulas sebáceas cutâneas na parte superior do corpo pode contribuir para o predomínio da PV no tronco e extremidades superiores proximais. Esta teoria também pode explicar a ocorrência menos frequente desta dermatose em crianças e adultos mais velhos, nos quais a produção de sebo é menor. O envolvimento facial é incomum e ocorre principalmente em crianças. O termo ‘versicolor’ refere-se às cores variáveis das lesões cutâneas que podem ocorrer nesta dermatose.

A doença ocorre em todo o mundo, mas é mais prevalente em regiões tropicais húmidas e quentes. A PV tende a ser mais ativa no Verão.

2. Por é que é comummente chamada de “fungo da praia?

A PV é comummente chamada de “fungo da praia” porque é mais comum em climas quentes e húmidos, onde as pessoas frequentemente usam roupas de banho, passam tempo ao ar livre e transpiram mais.

Estas condições, favorecem a proliferação da Malassezia furfur e a exposição ao sol pode tornar os sintomas (máculas hipopigmentadas) mais evidentes.

A associação da PV com praias e ambientes tropicais ou subtropicais é bastante comum, contudo, é importante notar que a infeção não é exclusiva de ambientes de praia e pode ocorrer em qualquer lugar onde as condições de humidade e temperatura permitam o desenvolvimento do fungo na pele.

3. Quais são os fatores de risco associados ao desenvolvimento da Pitiríase versicolor?

Na sua fase de levedura, Malassezia furfur encontra-se como comensal na pele seborreica e nos folículos pilosos; para desenvolver PV é necessária uma transformação à fase micelial (patogénica). Para que esta mudança se realize é preciso que se reúnam condições favoráveis: fatores predisponentes exógenos e endógenos. Entre os endógenos, estão a predisposição genética, pele seborreica, hiperidrose, desnutrição, gravidez, diabetes mellitus, doença de Cushing, infeção por Helicobacter pylori, infeções crónicas e estados de imunossupressão. Entre os fatores exógenos estão o calor, a exposição solar, a humidade excessiva, atividades desportivas, uso de roupas de alto conteúdo de fibras sintéticas, aplicação de bronzeadores, uso de anticoncepcionais orais, uso de corticosteroides tópicos ou sistémicos.

4. Como se processa o diagnóstico de Pitiríase versicolor e qual é o papel do exame clínico e de testes laboratoriais?

A PV clássica raramente requer qualquer investigação além do exame clínico. Em quadros mais desafiantes e atípicos, o exame com lâmpada de Wood, dermatoscopia, dermatoscopia de fluorescência induzida por luz ultravioleta e exame microscópico direto com hidróxido de potássio (KOH) podem ser úteis.

O diagnóstico de PV é geralmente clínico, baseado nas características clássicas da dermatose identificadas no exame físico (múltiplas máculas hipopigmentadas ou hiperpigmentadas, coalescentes centralmente, arredondadas, finamente descamativas localizadas na parte superior do tronco ou extremidades proximais).

Embora o diagnóstico possa ser fortemente suspeitado com base no exame físico, apresentações atípicas de PV podem ser mais desafiantes e necessitarem de exames complementares.

A dermatoscopia e o exame com lâmpada de Wood podem apresentar características sugestivas de PV, mas não confirmam o diagnóstico. Os achados dermatoscópicos frequentes parecem ser pigmentação não uniforme dentro das lesões, escamas finas e hiperpigmentação ou hipopigmentação perilesional. O exame com lâmpada de Wood revela fluorescência amareloouro, verde-amarelado ou laranja-cobre, embora algumas lesões não apresentem fluorescência.

Se necessário, pode ser realizado um teste de preparação de hidróxido de potássio (KOH). Os achados da preparação de KOH na PV são considerados diagnósticos. A preparação demonstra hifas curtas e células de levedura num padrão que é frequentemente descrito como “espaguete e almôndegas”.

Na grande maioria dos casos de PV, a biópsia de pele permanece desnecessária e não desempenha um papel na prática diária além de descartar qualquer diagnóstico diferencial.

5. Quais são as opções de tratamento disponíveis para a Pitiríase versicolor e como é que os doentes podem escolher a melhor abordagem para o seu caso específico?

A terapia tópica é o tratamento de escolha. A terapia oral é geralmente reservada para cenários em que a aplicação adequada da terapia tópica não é viável (por exemplo, doença extensa ou capacidade limitada do paciente para administrar tratamento tópico) e para doença refratária ou recorrente. Antifúngicos azólicos tópicos (bifonazol, clotrimazol, cetoconazol, miconazol e econazol), terbinafina tópica e sulfuro de selénio tópico são as opções terapêuticas iniciais preferidas, pois são habitualmente bem toleradas e possuem mais dados para apoiar a eficácia do tratamento. A seleção de um agente específico é geralmente baseada na disponibilidade do tratamento e na preferência do paciente (por exemplo, preferência por um veículo específico [por exemplo, champô versus creme], duração do tratamento ou custo). A piritiona de zinco tópica é uma alternativa razoável. Outras intervenções tópicas como o ciclopirox tópico também podem ser eficazes.

Ao tomar duche pela manhã o doente deve usar como gel de banho, um champô de cetoconazol, sulfuro de selénio a 2,5%, ou de piritiona de zinco a 1%, deixando-os atuar 5-10 minutos antes de enxugar com água sobre a pele de todo o tronco, pescoço, braços e coxas, embora a extensão seja limitada. Este ciclo aplica-se todos os dias, durante 2 a 4 semanas. Posteriormente, recomenda-se aplicar o tratamento 1-2 vezes ao mês para evitar recidivas ou em 3 dias consecutivos por mês. À noite, o doente aplica um antifúngico tópico em creme ou solução. A duração do tratamento deve ser de 2 a 4 semanas. Outra opção é aplicar o champô sobre a pele deixando atuar toda a noite e retirar de manhã.

É importante ressaltar que toda terapia tópica deve atingir também o couro cabeludo, principal reservatório do fungo.

As vantagens do tratamento tópico são a ausência de efeitos secundários e o menor custo económico. Os inconvenientes são o odor desagradável de alguns produtos, o tempo de aplicação e a dificuldade da aplicação em determinadas zonas. Associa-se a uma maior taxa de reincidência.

Quando o tratamento tópico é ineficaz, as opções incluem mudar para uma terapia tópica diferente ou prosseguir para terapia antifúngica oral.

Relativamente ao tratamento sistémico, os fármacos mais empregues são os antifúngicos azólicos (cetoconazol, fluconazol, itraconazol). A seleção entre estas opções terapêuticas é baseada na preferência do regime, nas comorbidades do paciente e na consideração das interações medicamentosas. Em contraste com a terbinafina tópica, a terbinafina oral não é considerada eficaz.

A vantagem do tratamento sistémico é a comodidade. O inconveniente principal é a hepatotoxicidade. A hepatoxicidade pode aparecer aos 2-3 dias de tratamento, mas é mais frequente com o uso prolongado. Deve monitorizar-se a função hepática periodicamente durante os tratamentos longos, com mais de 1 mês. O itraconazol tem menos efeitos secundários hepáticos e menor interação com outros medicamentos. Em geral, o risco de efeitos adversos em tratamentos curtos é mínimo.

Outros efeitos secundários mais leves são náuseas, vómitos, dor abdominal, diarreia e reações cutâneas.

Se existir prurido, deve prescrever-se um anti-histamínico. A persistência de lesões hipopigmentadas após a realização do tratamento correto não indica a falha do mesmo. Tratam-se de lesões residuais que demorarão 2 ou 3 meses a desparecer.

6. Quão comuns são as recidivas da Pitiríase versicolor após o tratamento e quais são as estratégias para as prevenir?

A taxa de recorrência é alta (até 80%), com maior morbidade observada entre os indivíduos com história familiar positiva de PV. Este facto pode ser explicado pela natureza comensal de Malassezia spp. Em climas temperados, a PV reaparece frequentemente durante os meses mais quentes do ano. Em geral, com o tratamento tópico, verifica-se um maior índice de recaídas do que com o oral.

De acordo com alguns autores, a terapia profilática pode ser uma opção para pacientes que apresentam recorrências frequentes de PV. A profilaxia prolongada com agentes tópicos (sulfato de selénio ou cetoconazol) deve ser considerada em casos recorrentes, especialmente durante especialmente durante as estações quentes. A terapia profilática antifúngica oral (itraconazol) é uma abordagem alternativa para pacientes nos quais a terapia tópica não é eficaz ou viável.

7. A exposição solar desempenha algum papel na Pitiríase versicolor? Existem medidas específicas que os pacientes devem tomar em relação à exposição ao sol durante o tratamento?

As lesões hipopigmentadas características da PV podem tornar-se mais aparentes após a exposição ao sol e, portanto, são mais visíveis durante os meses de verão.

Embora as razões para a variação pigmentar na PV não sejam confirmadas, algumas teorias foram propostas até à data. Pacientes com PV hipopigmentada frequentemente notam que a dermatose é mais evidente durante o Verão, quando as áreas afetadas não ficam bronzeadas após a exposição ao sol. Os efeitos inibitórios ou prejudiciais aos melanócitos pelo ácido azelaico (um ácido dicarboxílico produzido pela Malassezia furfur) podem desempenhar um papel no desenvolvimento da hipopigmentação. Assim, as lesões despigmentadas desenvolvem-se aparentemente através da inibição enzimática da atividade da tirosinase dos melanócitos pelo ácido azelaico produzido pelo microrganismo. Os efeitos da despigmentação enzimática tendem a ser mais visíveis nos fotótipos mais escuros. Como consequência, material semelhante a lipídios acumula-se no estrato córneo da pele, atuando como protetor solar físico e protegendo da luz ultravioleta, aumentando ainda mais a hipopigmentação.

Lesões hiperpigmentadas e eritematosas podem ser consequência de uma reação inflamatória à levedura.

Apesar da evidência da hipopigmentação aumentar após a exposição solar os doentes com PV podem apanhar sol.

8. Como é que a Pitiríase versicolor afeta a qualidade de vida dos pacientes e quais são os aspetos psicossociais que podem ser impactados por esta condição?

Apesar da sua natureza benigna, a PV pode causar sofrimento emocional, constrangimento e estigmatização social, especialmente se ocorrer em áreas expostas do corpo. O medo do contágio, a aparência desagradável (especialmente na pele escura ou bronzeada) e a natureza recorrente e crónica da doença contribuem para uma menor qualidade de vida.

9. Há alguma relação entre a Pitiríase versicolor e outras condições de pele, como dermatite seborreica ou psoríase?

A dermatite seborreica é uma dermatose crónica muito comum que afeta áreas ricas em glândulas sebáceas, como o couro cabeludo, face, região torácica e dorsal. Ainda que a sua etiologia permaneça imprecisa, pensa-se que possa estar associada a uma resposta inflamatória anormal à presença do fungo Malassezia spp. na pele. Estudos indicam que a Pitiríase Versicolor e a dermatite seborreica compartilham semelhanças na microbiota fúngica da pele, particularmente em relação à prevalência e à quantidade de Malassezia furfur presentes. Além disso, ambas as condições estão associadas a fatores predisponentes semelhantes, como clima quente e húmido, predisposição genética e desequilíbrio hormonal. Embora a dermatite seborreica e a PV sejam clinicamente distintas, algumas vezes podem ocorrer simultaneamente no mesmo paciente, sugerindo uma sobreposição na patogénese e na resposta imune da pele.

Por sua vez, a Psoríase é uma doença autoimune caracterizada por uma resposta inflamatória crónica na pele, resultando em espessamento e descamação da mesma. A sua etiologia exata ainda não é totalmente compreendida, mas fatores genéticos, imunológicos e ambientais desempenham um papel importante. Estudos indicam que o fungo Malassezia spp. pode desempenhar um papel na exacerbação da psoríase ao induzir uma resposta imune inflamatória cutânea, caracterizada pela produção de citocinas pró-inflamatórias e ativação de células imunes, que podem contribuir para o desenvolvimento ou agravamento da Psoríase em pessoas predispostas. Embora a relação entre Malassezia spp. e Psoríase ainda seja objeto de pesquisa e debate, há evidências emergentes sugerindo uma interação entre o fungo e o sistema imunológico da pele, o que pode desempenhar um papel na patogénese da psoríase.

10. Existe alguma pesquisa ou novas abordagens terapêuticas promissoras para o tratamento da Pitiríase versicolor?

Atualmente existem em estudo algumas abordagens alternativas promissoras como terapêutica na PV. Um número limitado de estudos relatou o tratamento bem-sucedido da PV com o Laser Excimer de 308 nm, fototerapia ultravioleta (UV)-B de banda estreita, terapia fotodinâmica com ácido 5-aminolevulínico e terapia fotodinâmica com azul de metileno.

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