49% das deslocações forçadas no mundo ocorrem em África

21 de Maio 2024

Conflitos, alterações climáticas, pobreza extrema e insegurança alimentar fazem disparar deslocações forçadas no continente africano e irão obrigar mais de 65 milhões de pessoas a fugir das suas casas até ao final de 2024. Subfinanciamento surge como principal ameaça à ajuda humanitária.

Até ao final de 2024, estima-se que mais de 65 milhões de pessoas oriundas de todas as regiões de África sejam forçadas a fugir em busca de proteção e assistência humanitária. Um número que representa quase metade (49%) do total de pessoas deslocadas no mundo. “É uma situação sem precedentes e que se agrava de dia para dia! Os muitos conflitos e situações de violência armada que eclodiram ao longo da última década no continente e o crescente impacto das alterações climáticas obrigaram todas estas pessoas e as suas famílias a deixar tudo para trás”, reflete Joana Feliciano, Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR, parceiro nacional da Agência da ONU para os Refugiados.

Só na região do Leste e do Corno de África, o ACNUR prevê que, até ao final de 2024, venham a ser acolhidas 23,6 milhões de pessoas deslocadas à força e apátridas, principalmente devido aos conflitos no Sudão, Etiópia, Somália e República Democrática do Congo e às cheias e secas provocadas pelas alterações climáticas que afetaram estes territórios. “Do Sahel ao Corno de África, sem esquecer as regiões do Centro e Sul do continente, tanto as pessoas deslocadas como as comunidades de acolhimento vivem numa situação limite. Novos conflitos, uma maior competição pelos recursos devido aos efeitos das alterações climáticas, a pobreza e a inflação estão a fazer escalar as necessidades humanitárias”, alerta Joana.

Na África Austral, as complexas situações de emergência na República Democrática do Congo e em Moçambique, bem como as deslocações prolongadas e migrações mistas provenientes da África Subsariana, deverão fazer aumentar para 12,2 milhões ao longo deste ano o número de pessoas deslocadas à força, repatriadas e apátridas nesta região. Também na África Ocidental e Central prevê-se que a instabilidade política e os conflitos armados façam crescer em 9% o número de pessoas deslocadas à força e apátridas para um total de 13,6 milhões até ao final do ano, das quais 8,4 milhões serão deslocados internos. A região do Norte de África também espera assistir a um aumento da população deslocada neste países, alcançando os 15,8 milhões, em resultado, sobretudo, das catástrofes naturais em Marrocos e na Líbia e da guerra civil no Sudão que levou os refugiados a fugirem para o Egipto.

Joana Feliciano relembra ainda que muitas destas pessoas acabam por passar por uma situação de deslocação forçada mais do que uma vez na sua vida. “Muitas vezes, falamos de pessoas que inicialmente fugiram de um país devido a um conflito que eclodiu na região para pouco depois se verem novamente sem nada, nem casa nem bens, devido a um fenómeno climático extremo”, explica a Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR. Em qualquer um dos cenários, o ACNUR procura intervir de imediato no terreno com uma resposta de emergência para garantir proteção e serviços básicos, incluindo assistência em dinheiro, aconselhamento psicossocial e prevenção da violência de género, para estabilizar as populações e assegurar a sua dignidade, promovendo simultaneamente oportunidades de inclusão e soluções.

Sudão enfrenta uma das maiores crises humanitárias dos últimos anos

Só no último ano, mais de 8,7 milhões de pessoas foram deslocadas à força dentro e fora do Sudão. Esta é já conhecida como a maior crise humanitária nos últimos anos. Na sua origem está o conflito que eclodiu em abril de 2023, no seguimento do colapso do frágil processo de paz que se tinha instaurado, e que obrigou milhões de pessoas a fugir. Muitas das quais acabaram por procurar abrigo e segurança em países vizinhos, como o Sudão do Sul, a Etiópia ou o Chade, conduzindo a uma desestabilização generalizada da região devido à situação demasiado frágil em que estes países já se encontravam.

Tanto entre a população deslocada como nas comunidades de acolhimento, as necessidades humanitárias ultrapassaram em larga escala a resposta possível devido ao subfinanciamento das operações, dando origem a uma crise sem precedentes. “A Etiópia, por exemplo, é já um dos maiores países de acolhimento de refugiados em África, com cerca de 1 milhão de refugiados, para além de 3,5 milhões de pessoas deslocadas internamente, mas é uma das operações do ACNUR mais subfinanciadas a nível mundial”, alerta Joana Feliciano. Já no Sudão do Sul, as crescentes necessidades humanitárias, agravadas pela escassez de alimentos, pela insegurança contínua e pelo impacto das alterações climáticas, estão a pôr em causa a sobrevivência dos refugiados que o país acolhe e a provocar novas deslocações forçadas, mantendo também fora do país os seus próprios refugiados, que aguardam pela oportunidade de regressar com a garantia de uma vida digna e em segurança.

Um cenário que se repete um pouco por todo o continente africano. Em Moçambique, o escalar da violência armada no final do ano passado provocou uma nova vaga de deslocações forçadas, com cerca de 113 mil pessoas a verem-se obrigadas a fugir e deixar tudo para trás. Sem esquecer que, atualmente, cerca de 822 mil pessoas ainda continuam deslocadas neste país. Também na República Democrática do Congo, a violência está a chegar a níveis devastadores, com os últimos dois anos de conflito cíclico a obrigarem mais de 1,3 milhões de pessoas a fugir das suas casas, fazendo com que um total de 5,7 milhões de pessoas se tornassem deslocados internos.

Seca extrema, cheias e tempestades tropicais agravam crise humanitária no continente africano

“Estamos perante um continente que vive uma situação muito frágil e complexa e que se vê agora perante novos desafios com o crescente impacto das alterações climáticas”, começa por explicar Joana Feliciano, deixando alguns exemplos: “as tempestades são mais devastadoras, os incêndios florestais tornaram-se comuns e as inundações e as secas estão a intensificar-se”. Só no último ano, as fortes chuvas relacionadas com o El Niño deram origem a catástrofes naturais em toda a África Oriental, incluindo inundações, deslizamentos de terras, ventos violentos e granizo, agravando as vulnerabilidades das comunidades em vários países, incluindo o Burundi, o Quénia, a Somália e a Tanzânia. Moçambique é outro dos territórios frequentemente assolado por violentas tempestades, que deixam milhares de pessoas sem teto e afetam o normal funcionamento dos serviços, desde a educação ao fornecimento de água e às cadeias de distribuição.

Como alerta a Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR, estamos perante cenários em que os “impactos são irreversíveis e ameaçam continuar a agravar-se, deixando as pessoas deslocadas a suportar todo o peso destas consequências”, dando como exemplo a emergência na Líbia. Em setembro de 2023, o ciclone mediterrânico mais mortífero de que há registo atingiu o leste do país e levou à rutura de duas barragens que provocaram inundações maciças. Este fenómeno climatérico extremo provocado pelas alterações climáticas resultou na deslocação em massa de cerca de 44 mil pessoas e afetou fortemente os refugiados e as pessoas deslocadas internamente que já viviam na zona e que se viram, uma vez mais, forçados a deslocar à força.

Além das respostas de emergência aquando destas catástrofes, o ACNUR tem trabalhado também junto das comunidades para as tornar mais resilientes e encontrar soluções mais sustentáveis e duradouras no seu dia a dia. Em Moçambique, por exemplo, tem apostado na promoção de uma agricultura inteligente em termos climáticos e de práticas de economia circular. Contudo, neste momento, o financiamento das operações continua a ser o principal entrave à assistência humanitária. “Vários países desta região do globo estão, sem dúvida, a enfrentar desafios complexos que, muitas vezes, exigem necessidades financeiras significativas. É nesse sentido que estamos a trabalhar, para garantir que o trabalho no terreno não pára e que as necessidades a curto e longo-prazo destas pessoas que apoiamos são respondidas”, conclui o parceiro nacional do ACNUR.

 

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