Ana Catarina Pinheiro
MGF
Hospital da Luz

Queimaduras… Como proceder?

3 de Julho 2024

A pele, maior órgão do corpo humano, é responsável pela proteção, sensibilidade, e defesa do organismo.

Queimaduras são lesões dos tecidos orgânicos na sequência de trauma de origem térmica, elétrica, substâncias químicas, radiação, atrito ou fricção.

Há vários fatores a ter em conta na avaliação e tratamento de queimaduras:

1. Extensão da queimadura: normalmente expressa como a percentagem da área total da superfície corporal envolvida.

2. Profundidade da queimadura: descrita como superficial (primeiro grau, atinge a epiderme), parcial (segundo grau; atinge a derme e epiderme) ou de espessura total (terceiro grau; atinge todas as camadas de pele).

3. Características específicas do doente: idade (< 10 ou > 50 anos); outras condições clínicas ou de saúde; localização da queimadura (rosto olhos, orelhas, nariz, mãos, pés e períneo); existência de lesões associadas, nomeadamente inalação de fumo e outras lesões traumáticas.

Nas lesões por queimadura há necessidade de utilizar um tratamento adequado até que ocorra a cicatrização e a formação de granulação nas áreas mais profundas. Ao perder a barreira de proteção, o doente pode ficar exposto a um crescimento bacteriano, aumentando o risco de infeção. A atenção deve ser centrada no tratamento tópico da ferida, limpeza, desbridamento (se necessário) e aplicação da cobertura, que deve oferecer, como componente primário, condições ideais para a reepitelização.

Para tratar uma queimadura superficial e minimizar o risco de infeção, devem ser tidos em consideração os seguintes passos:

  1. Resfriar a queimadura:

Imediatamente após a queimadura, resfrie a área afetada com água corrente fria (não gelada) durante 10 a 20 minutos. Este procedimento ajuda a remover contaminantes superficiais e a resfriar a pele sem causar choque térmico. A água fria é eficaz na remoção de resíduos térmicos e na prevenção de danos adicionais nos tecidos

  1. Limpeza:

Após o resfriamento inicial, deve utilizar-se um sabão neutro e água morna para lavar suavemente a área afetada. Evitar esfregar a queimadura, pois a fricção pode agravar a lesão. Aplicar o sabão com a mão ou um pano macio e limpo.

Não utilizar substâncias irritantes como álcool, peróxido de hidrogénio ou iodo na limpeza da queimadura, pois podem causar mais irritação e retardar o processo de cicatrização.

Em ambientes clínicos, soluções salinas estéreis são frequentemente utilizadas para limpar queimaduras. Essas soluções ajudam a remover detritos e reduzir o risco de infeção sem causar irritação adicional à pele.

  1. Aplicar produtos tópicos com ação antimicrobiana:

Os produtos com ação antimicrobiana (como bacitracina, neomicina ou sulfadiazina de prata) são recomendados em todos os tipos de queimaduras durante as primeiras 72  horas (três dias) após lesão de queimadura de forma a prevenir infeções em queimaduras superficiais. A aplicação deve ser feita após a limpeza da queimadura para evitar contaminação.

Considere o uso prolongado de creme de sulfadiazina de prata (mais de sete dias) deve ser evitado em queimaduras não infetadas. Deve drenar a flictenas com assepsia fazendo um orifício e os tecidos desvitalizados devem ser removidos.

  1. Cobrir a queimadura:

Utilizar pensos humidificados que incentivem a reepitelização para a cicatrização de feridas. A utilização de um penso hidrocolóide promove a cicatrização.

As gazes de parafina de uma camada podem ser utilizadas quando os hidrocolóides estão indisponíveis.

A frequência com que os tratamentos e pensos em queimaduras superficiais devem ser trocados para evitar infeção depende de vários fatores, incluindo o tipo de penso utilizado, a quantidade de exsudado (fluido) produzido pela queimadura e a presença de sinais de infeção.

Os pensos simples, como gaze não aderente coberta com pomada antibiótica, devem ser trocados diariamente. Isso ajuda a manter a área lesada limpa e permite a inspeção regular da queimadura para sinais de infeção ou complicações. Contudo, o penso deve ser trocado imediatamente se ficar molhado, sujo ou solto, uma vez que a humidade pode promover o crescimento bacteriano, aumentando o risco de infeção.

Pensos impregnados com compostos antimicrobianos (como prata ou mel medicinal) ou avançados, como aqueles que contêm hidrocolóides ou espumas, podem permanecer no local durante 2 a 3 dias, desde que não haja sinais de infeção ou excesso de exsudado. Estes pensos são projetados para criar um ambiente húmido que favorece a cicatrização e minimiza a necessidade de trocas frequentes.

  1. Monitorizar sinais de infeção:

Monitorizar sinais de infeção, como aumento da vermelhidão, edema, presença de pus ou dor exacerbada. Se estes sintomas ocorrerem, consultar um profissional de saúde imediatamente.

  1. Evitar “remédios caseiros não comprovados”:

Evitar a utilização de remédios caseiros como manteiga, óleos ou pasta de dentes, pois eles podem piorar a queimadura e aumentar o risco de infeção.

  1. Manter a hidratação da pele:

Manter a queimadura húmida é essencial para promover a cicatrização adequada. Loções ou cremes recomendados por um profissional de saúde podem ser aplicados para evitar a desidratação e promover a regeneração da pele. O ambiente húmido favorece a migração celular e a formação de tecido novo, acelerando o processo de cicatrização.

Considerar que as cicatrizes decorrentes de queimadura requerem proteção solar máxima no primeiro ano após a queimadura

Analgésicos e anti-inflamatórios:

O controlo da dor e da inflamação é uma parte importante do tratamento. Analgésicos e anti-inflamatórios podem ser prescritos se necessário.

  1. Consultar um Profissional de Saúde:

Se a queimadura cobrir uma área grande, envolver partes sensíveis como rosto, mãos, pés ou áreas genitais, ou se houver dúvidas sobre a gravidade da queimadura, deve procurar-se assistência médica imediatamente.

Qual a importância da higiene das mãos durante o tratamento de uma queimadura superficial?

A higiene das mãos é crucial durante o tratamento de uma queimadura superficial para prevenir infeções e promover uma recuperação adequada.

As mãos são frequentemente veículos de microrganismos, incluindo bactérias e vírus que podem causar infeções. Lavar bem com sabão ou desinfetar as mãos antes de tocar na queimadura é essencial para evitar a introdução de patógenos na área afetada, que está mais vulnerável devido à perda da barreira protetora da pele.

Mesmo em ambiente doméstico, as mãos podem estar contaminadas com bactérias comuns como Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa, que são patógenos conhecidos por causar infeções em queimaduras. A higiene adequada das mãos reduz a probabilidade de transmissão dessas bactérias para a ferida.

A presença de infeção pode retardar significativamente o processo de cicatrização de uma queimadura. Manter as mãos limpas ao cuidar da queimadura ajuda a garantir que o ambiente da ferida permaneça estéril, permitindo que o corpo se concentre na regeneração dos tecidos danificados sem a interferência de agentes infeciosos.

A prática de lavar as mãos antes e depois de cuidar de uma queimadura é uma medida preventiva bem estabelecida em protocolos clínicos e domésticos. O cumprimento dessa prática reflete um cuidado rigoroso e consciente com a saúde, o que é essencial para evitar complicações.

De que forma os médicos avaliam a gravidade da infeção de uma queimadura e decidem o plano de tratamento?

A avaliação da gravidade da infeção numa queimadura superficial e a decisão sobre o plano de tratamento envolvem uma combinação de critérios clínicos, laboratoriais e, por vezes, de imagem para determinar a extensão da infeção e estabelecer o melhor plano:

1. Avaliação clínica:

  o Inspeção visual: A primeira etapa é a inspeção visual da queimadura para identificar sinais de infeção. Indicadores incluem eritema (vermelhidão) aumentado na região circundante à área queimada, edema, presença de pus ou exsudado purulento, odor fétido, dor exacerbada e febre.

  o Sintomas sistémicos: Além dos sinais locais, os médicos também avaliam sintomas sistémicos como febre, calafrios, mal-estar geral, que podem indicar a presença de uma infeção sistémica.

2. Diagnóstico laboratorial:

o Cultura de ferida: A colheita de uma amostra do exsudado ou tecido da queimadura para cultura microbiológica é uma prática comum. A cultura ajuda a identificar o agente patogénico específico (bactéria, fungo) responsável pela infeção e determinar o seu perfil de sensibilidade aos antibióticos.

o Hemograma completo: Um hemograma completo é frequentemente solicitado para avaliar sinais de infeção sistémica. A presença de leucocitose ou aumento de neutrófilos pode indicar uma resposta inflamatória sistémica.

o Proteína C-reativa (PCR) e velocidade de sedimentação de eritrócitos (VS): Níveis elevados de PCR e VS são marcadores de inflamação e podem ser utilizados para monitorizar a gravidade da infeção e a resposta ao tratamento.

3. Critérios clínicos de gravidade:

o Classificação das queimaduras: As queimaduras são classificadas em primeiro, segundo e terceiro grau, sendo que as superficiais geralmente se enquadram no primeiro grau. Contudo, a presença de infeção pode complicar essa classificação, exigindo uma reavaliação contínua.

o Avaliação de extensão e profundidade: A extensão da infeção em termos de área e profundidade da queimadura é avaliada. Queimaduras superficiais infetadas podem “aprofundar-se” e envolver tecidos subjacentes se não tratadas adequadamente.

Como garantir que não haja contaminação cruzada ao tratar queimaduras superficiais em diferentes partes do corpo?

Para garantir que não haja contaminação cruzada ao tratar queimaduras superficiais em diferentes partes do corpo, é essencial seguir práticas rigorosas de higiene e controlo de infeção, nomeadamente:

1. Higiene das mãos:

o Lavar as mãos: Lavar as mãos com água e sabão antes e depois de tocar em qualquer área queimada ou trocar o penso. O uso de soluções antissépticas para as mãos, como álcool gel, também é eficaz.

o Luvas descartáveis: Usar luvas descartáveis ao tratar queimaduras. Trocar as luvas ao passar de uma área queimada para outra para evitar a transferência de microrganismos.

2. Materiais e Instrumentos estéreis:

o Pensos e Instrumentos: Usar pensos e instrumentos estéreis para cada área queimada. Instrumentos reutilizáveis devem ser esterilizados adequadamente entre utilizações.

o Descartar materiais contaminados: Descartar adequadamente os materiais usados, como gazes, pensos e luvas, em recipientes apropriados para resíduos biológicos.

3. Técnicas de pensos:

o Pensos separados: Tratar e cobrir cada queimadura com pensos separados, começando sempre pela área menos contaminada e avançando para as áreas mais contaminadas.

o Aplicação de pomadas: Usar aplicadores diferentes para pomadas ou cremes em cada área queimada para evitar a transferência de microrganismos.

4. Ambiente de tratamento:

o Ambiente limpo: Manter o ambiente de tratamento limpo e desinfetado. Superfícies e equipamentos de tratamento devem ser desinfetados entre os atendimentos.

o Ventilação adequada: Garantir uma ventilação adequada na área de tratamento para reduzir a carga de microrganismos no ambiente envolvente.

5. Procedimentos adicionais:

o Educação contínua: Educação contínua de profissionais de saúde sobre as melhores práticas de controlo de infeção e a importância da higiene rigorosa.

o Monitorização de infeção: monitorizar regularmente os sinais de infeção em todas as áreas tratadas e ajustar os procedimentos de controlo de infeção conforme necessário.

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