Ciência cidadã ajuda na vigilância de vetores Aedes albopictus e Aedes aegypti

7 de Agosto 2024

Em Lisboa, foram os cidadãos que notaram a chegada do mosquito tigre asiático, Aedes albopictus. Em Portugal continental, não há motivo para alarme, mas o Instituto de Higiene e Medicina Tropical conta com 10 milhões de pessoas para vigiar o território. Basta tirar uma fotografia ou capturar o mosquito e remeter para https://mosquitoweb.ihmt.unl.pt/ ou para aquela instituição.

O mosquitoWEB é um projeto de ciência cidadã do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade NOVA de Lisboa (IHMT NOVA) e surgiu em 2015, no Dia Mundial da Luta Contra a Malária (25 de abril). Projetos de ciência cidadã “são projetos que produzem dados científicos e conclusões científicas, mas que contam com a participação da comunidade”, explicou ao HealthNews a entomologista Carla Sousa.

“O projeto MosquitoWEB foi idealizado durante o surto da Madeira, em 2012, inspirado na plataforma então aí desenvolvida (“Não mosquito”) e em projetos similares que os nossos colegas na Europa estavam a implementar. (…) O projeto “Não mosquito” tem como finalidade oferecer aos participantes a possibilidade de reportarem a localização de áreas com elevada atividade de picada de mosquito. Quando regressei ao IHMT NOVA (eu estava na Madeira como consultora a acompanhar o surto), a ideia maturou e decidimos que poderíamos também fazer algo semelhante, mas com objetivos diferentes. Aqui, não estávamos tão preocupados com a atividade de picada, porque, em Portugal continental, à data, ainda não existia nem a presença da Aedes albopictus nem de Aedes aegypti”, recorda Carla Sousa.

A partir de 2015, com o mosquitoWEB, os objetivos eram três: “detetar precocemente a presença em território nacional de espécies invasoras com grande impacto em medicina humana”; perceber “como é que as alterações climáticas estão a afetar não só a abundância, mas a distribuição das nossas espécies de mosquitos autóctones”; e “promover a literacia nesta área da ciência na comunidade”. Relativamente ao primeiro objetivo, o foco eram os mosquitos das espécies Aedes albopictus, também conhecido como mosquito tigre asiático, e Aedes aegypti, o mosquito da febre amarela, ambos transmissores de dengue. “Como entomologistas, sabemos que se a presença do mosquito for detetada precocemente, durante o primeiro ano, principalmente durante o primeiro inverno, existe a possibilidade de se implementarem metodologias de controlo e impedir o seu estabelecimento. Porque a chegada destas espécies, como a chegada de qualquer espécie invasora, faz-se em dois momentos: o momento em que a espécie chega ao nosso território e o momento em que é reconhecida como uma espécie já estabelecida nesse território. E se entre um momento e o outro aplicarmos medidas de controlo, eventualmente, conseguimos impedir o estabelecimento da espécie. Por exemplo, a Suíça conseguiu, por mais do que uma vez, impedir o estabelecimento de Aedes albopictus no seu território”, exemplificou Carla Sousa.

Quanto ao segundo objetivo, Carla Sousa acrescenta que, com base nas colheitas efetuadas pelos participantes, “tem sido registada a presença de espécies em locais onde nunca tinham sido assinaladas e o aumento da frequência de espécies raramente capturadas. Assumimos que estas constatações podem resultar das alterações climáticas registadas nos últimos anos.” Por último, na promoção da literacia em saúde, neste caso numa área “que não é muito falada”, em que “por vezes há alguns mitos, algumas perceções que convém esclarecer”, o papel do mosquitoWEB é essencial.

A entomologista Teresa Novo, responsável operacional da plataforma mosquitoWEB, também participou na conversa e confirmou que foi um cidadão a fazer-lhes chegar a notícia de que a espécie Aedes albopictus estava em Lisboa, através de uma fotografia submetida no mosquitoWEB. “De qualquer modo, já em 2017, quando foi detetada no Norte, na região de Penafiel, nós recebemos uma submissão, porque foi a primeira vez que o Aedes albopictus foi detetado em Portugal continental. Nós recebemos uma submissão exatamente no mesmo dia em que a equipa do IHMT, juntamente com a equipa da DGS, estava a ir para a zona de Penafiel para, precisamente, começar a lidar com o problema. E temos também recebido várias submissões do Algarve, também de Aedes albopictus, e foi uma submissão no mosquitoWEB que permitiu detetar Aedes albopictus na região de Lisboa, no ano passado”, referiu Teresa Novo.

Participar “é muito simples”. “Têm de fotografar o exemplar, idealmente antes de o danificar, ou então conseguir capturá-lo, e depois têm que entrar no mosquitoWEB, portanto, www.mosquitoweb.ihmt.unl.pt, e seguir os passos lá indicados. O site é muito intuitivo e existe um pequeno vídeo que mostra às pessoas precisamente como é que podem fazer, quer através da fotografia, quer através do envio do exemplar para o Instituto”, indicou Teresa Novo. No site, encontra o endereço de email, número de telefone e a morada do Instituto.

É, de facto, uma grande ajuda. “Não sendo Portugal continental um espaço geograficamente muito grande, de qualquer modo, é óbvio que nós, os entomologistas, não conseguimos ter uma rede colheitas que cubra todo o território continental. Daí ser muito importante que a nossa atividade, que é focada em locais precisos, seja complementada, idealmente, pela atividade de todas as pessoas que estão no território continental. Portanto, basicamente, a ideia é conseguir a maior cobertura geográfica possível durante todos os dias do ano”, explicou Teresa Novo.

Carla Sousa explicou ainda que “Portugal, até por normativas dos regulamentos de sanidade internacional, tem de ter um programa de vigilância entomológica que cubra, pelo menos, os portos, aeroportos e pontos de entrada. No caso de Portugal, é o programa REVIVE, que se estende muito para além dos pontos de entrada no país, apresentando uma rede de colheitas de âmbito nacional.”

Os programas de vigilância ativa são fundamentais, mas também “muito onerosos”. Exigem várias condições essenciais para a sua execução, tais como equipas especializadas, armadilhas, gelo seco, combustível; portanto, “obviamente que a cobertura é limitada no tempo e no espaço”. Já no caso do mosquitoWEB, “este tipo de projetos têm a grande vantagem, se houver uma boa adesão da comunidade, de termos 10 milhões de cientistas cidadãos a registarem dados que vão ser muito úteis para cumprir o objetivo um, que é a deteção precoce destas espécies invasores, para o objetivo dois, que é para ver onde ocorrem as espécies autóctones, e, ao mesmo tempo, para o objetivo três, da promoção da literacia científica da comunidade”, reforçou Carla Sousa.

Teresa Novo e Carla Sousa desejam ter 10 milhões de participantes. Felizmente, “o número de participantes todos os anos aumenta”. Porém, o projeto caminha sem financiamento, e a equipa do mosquitoWEB lamenta que assim seja. O projeto teve um pequeno financiamento concedido pela Universidade Nova de Lisboa, no âmbito do grupo da NOVAsaúde, para construir o site e, além desse pequeno financiamento, contou com a colaboração da Faculdade de Ciências e Tecnologia. “Mas, na realidade, todo o trabalho associado à gestão da plataforma e identificação dos espécimes são atividades extra às nossas funções de docência e de investigação”, partilhou Carla Sousa, que deu depois o exemplo de Espanha, que, sempre com apoio financeiro, está já a tentar implementar algoritmos baseados em inteligência artificial para que a primeira identificação seja feita automaticamente – separar mosquitos de não mosquitos. Em Espanha, o projeto tem maior projeção, capacidade de deteção e rede de colaboradores, e está traduzido em mais de 20 línguas. “E também têm a possibilidade de ter um programa de divulgação direcionado e bem estruturado para diferentes segmentos do público.”

As doenças de transmissão vetorial “precisam de uma colaboração intersectorial”, frisou Carla Sousa. A academia – como é o caso do IHMT NOVA – participa na monitorização, “que é apenas uma parte da vigilância”, em que é possível “assinalar a presença ou ausência, em menor ou maior densidade, desta ou daquela espécie”, e também pode fazer investigação operacional, “ou seja, se é necessário implementar uma medida de controlo, fazer a investigação necessária para ajudar a escolher a melhor metodologia ou estratégia de controlo”. A segunda parte da vigilância, que corresponde à “implementação das ações que têm que ser feitas caso aconteça algum evento fora do expectável, isso é sempre liderado e implementado pela Direção-Geral da Saúde ou pela autoridade de saúde competente para o caso”.

O mosquitoWEB conta com os cidadãos já este verão. No site e nas redes sociais, encontra-se informação sobre como identificar um mosquito. “Quando nós respondemos, seja por mensagem, seja por email (depende do contacto que as pessoas deixam), transmitimos informação variada sobre o exemplar reportado incluindo se este é ou não um mosquito. Quando o exemplar não é mosquito, nós explicamos como é que chegamos a essa conclusão. A pessoa percebe porque é que aquele exemplar não é um mosquito e, provavelmente, da próxima vez, já faz uma submissão, realmente, de mosquito”, concluiu Teresa Novo.

HN/Rita Antunes

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