Ana Catarina Pinheiro
MGF
Hospital da Luz

Dermatofitoses

7 de Outubro 2024

As dermatofitoses são causadas por fungos denominados dermatófitos, limitadas às camadas superficiais queratinizadas ou semiqueritinizadas da pele, aos pelos e unhas, sem lesar o tecido subcutâneo, ossos, articulações ou órgão internos. Estima-se que as infeções fúngicas superficiais afetem 20 a 25% da população mundial e nos últimos anos, estudos mostraram uma tendência crescente na sua incidência. As dermatofitoses, como infeções fúngicas superficiais comuns em todo o mundo, têm uma incidência maior em países tropicais e subtropicais devido à presença de elevados níveis de humidade e à temperatura ambiente. O aumento da urbanização, utilização de calçado oclusivo e roupas apertadas também predispõem a uma prevalência maior. Os dermatófitos são fungos filamentosos que utilizam a queratina como fonte de sobrevivência, o que restringe o seu crescimento à pele, unhas e cabelo, poupando as mucosas. Os dermatófitos transformam o material queratinofílico em material nutritivo, utilizando-o para sua sobrevivência no hospedeiro. As infeções causadas por dermatófitos designam-se de dermatofitoses, epidermofitas ou tinhas (do latim Tinea). As espécies do género Microsporum, Trichophyton e Epidermophyton são os patogénios mais comuns. Na maioria das partes do mundo, o Trichophyton rubrum é o isolado mais comum, mas espécies como T. interdigitale e T. mentagrophytes têm-se tornado cada vez mais comuns em algumas localizações geográficas. As epidermofitas são adquiridas diretamente pelo contacto com humanos infetados ou animais, ou indiretamente através da exposição a células descamadas em solos contaminados ou fómitos (p.e. escovas, chapéus). A interação complexa entre o agente, hospedeiro e ambiente desempenha um papel na patogénese das dermatofitoses. Fatores genéticos e doenças sistémicas como a diabetes mellitus contribuem para uma maior suscetibilidade à infeção, assim como fatores locais como a humidade, temperatura, a ausência de luminosidade e a fricção, ao conduzirem à maceração cutânea. A imunossupressão terapêutica ou iatrogénica facilita a recidiva e a manutenção da doença ou o aparecimento de formas atípicas. As tinhas classificam-se de acordo com a sua localização anatómica em:

Tinea capits (couro cabeludo);

Tinea pedis (pés);

Tinea manuum (mãos);

Tinea corporis (corpo); 

Tinea cruris (região inguinal); 

Tinea barbae (barba); 

Tinea unguium (unhas); 

Tinea faciei (face); 

Embora ambos os sexos sejam afetados, os homens tendem a apresentar tinhas do pé e das pregas inguinais de forma mais prevalente. Após a puberdade, o género masculino também adquire tinhas das unhas com maior facilidade. Ao exame físico é típica a presença de um bordo ativo, que corresponde a um padrão inflamatório caracterizado por maior eritema e descamação nos limites da lesão e, ocasionalmente, pela formação de bolhas. A regressão central da lesão como tentativa natural de cura por parte do organismo pode estar presente, permitindo distinguir as tinhas de outras erupções papulo-descamativas como a psoríase e o líquen plano, nas quais a resposta inflamatória é uniforme em toda a lesão. O diagnóstico das dermatofitoses ocorre através da análise das manifestações clínicas e das características das lesões. A confirmação diagnóstica pode ser estabelecida através de um dos diversos exames: microscopia com hidróxido de potássio, cultura, lâmpada de Wood e biópsia. Na prática clínica, a recolha de amostras para microscopia e cultura é aconselhada quando há necessidade de terapêutica oral, nomeadamente na Tinea capitis e na Tinea unguium; a infeção parece refratária ao tratamento inicial; ou o diagnóstico é incerto. O tratamento adequado será determinado de acordo com o agente etológico, local, extensão das lesões e farmacocinética dos antifúngicos. Trata-se de um tratamento lento, que, muitas vezes, envolve o uso tópico e oral de antifúngicos combinado com antiinflamatórios, na tentativa de diminuir a manifestação da doença.

Serão abordadas com maior detalhe as seguintes: Tinea corporis; Tinea pedis, Tinea cruris, Tinea faciei e Tinea manuum

Tinha do corpo (Tinea corporis) 

A tinha do corpo manifesta-se tipicamente como uma ou múltiplas lesões anulares descamativas, com atenuação central e bordo ligeiramente elevado e eritematoso. O bordo pode apresentar pústulas ou pápulas foliculares e a presença de prurido é variável. Afeta a pele do tronco e das extremidades, excluindo o cabelo, as unhas, a região inguinal, as palmas das mãos e as plantas dos pés. Pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais frequente em crianças, sobretudo durante o Verão e em áreas rurais. O tratamento tópico normalmente é suficiente para a cura, recomendando-se a aplicação do antifúngico tópico sobre a lesão e até 2 cm na área circundante às lesões, uma a duas vezes/dia, até uma semana após o seu desaparecimento. 

Os antifúngicos tópicos para a Tinea corporis incluem terbinafina e butenafina, o econazol, miconazol, cetoconazol, clotrimazol, itraconazol, sertoconazol, omoconazol e ciclopirox. Em indivíduos com infeção grave, lesões refratárias à utilização de agentes tópicos, quando há áreas extensas envolvidas, ou a infeção é crónica ou recorrente, pode recorrer-se às formulações orais (itraconazol, terbinafina ou fluconazol). 

Tinha dos pés (Tinea pedis)

Na forma aguda, é pruriginosa, vesicular e avermelhada, e, na crónica, ocorrem fissuras e descamação. Existem três formas clínicas: 

  • Forma interdigital ou pé de atleta (fissuração e descamação entre os dedos e nos casos avançados produz maceração, é a forma mais habitual e conduz frequentemente ao aparecimento de ardor e prurido);
  • Tinha vesiculosa ou vesículo-bolhosa (produz vesiculas no antepé que costumam derivar da forma interdigital quando as condições de humidade e calor favorecem o crescimento do fungo); 
  • Tinha seca-hiperqueratósica ou “em mocassin” (descamação difusa da região plantar, apresentando um bordo ativo nas faces laterais do pé); 

O tratamento primário consiste na aplicação de antifúngicos tópicos uma a duas vezes por dia, resolvendo-se a infeção após duas a quatro semanas. As formulações de terbinafina, butenafina, miconazol, econazol, cetoconazol, clotrimazol, oxiconazol e ciclopirox são os tratamentos tópicos mais utlizados. A infeção crónica ou recidivante pode implicar tratamento oral, especialmente se os agentes tópicos falharam, ou quando a área afetada é extensa. A terbinafina ou o itraconazol orais parecem ser os fármacos mais eficazes. A recidiva é comum, particularmente se houver onicomicose associada, que deve ser tratada. A prevenção da reinfeção é essencial, sendo recomendável a utilização de chinelos em piscinas, ginásios e balneários públicos, o controlo da hiperhidrose com pós antimicóticos e/ou antimicrobianos e a desinfeção dos sapatos com sprays anti-sépticos. Os pés devem ser secos cuidadosamente, o calçado fechado deve ser evitado ou alternado a cada 2-3 dias a fim de reduzir a humidade local, devem ser usadas preferencialmente meias de fibras naturais (algodão, linho) e deve ser evitada a partilha de toalhas e calçado. 

Tinha inguinal ou eczema marginado de Hebra

Caracteriza-se pelo aparecimento de áreas eritematosas, descamativas, eritematosas e pruriginosas, afetando a região proximal e interna das coxas, podendo estender-se à região glútea e ao abdómen, poupando, no entanto, o escroto. Atinge fundamentalmente homens, sendo agravada pelo calor e a humidade, e é mais frequente no Verão. Contudo, tem-se vindo a tornar mais frequente em mulheres pós puberdade com excesso de peso ou que vestem calças apertadas. Encontra-se frequentemente associada à Tinea pedis, uma vez que o vestuário é contaminado ao passar pelos pés, entrando posteriormente em contacto com a região inguinal. O tratamento é semelhante ao da Tinea corporis. Os corticosteróides tópicos em baixa dose podem ser usados como adjuvantes nos primeiros dias, para reduzir a inflamação da pele envolvida. Os pés devem ser avaliados como fonte primária de infeção e tratados quando existe dermatofitose. A educação do doente a fim de evitar a exposição prolongada local à humidade e de manter a área afetada seca é importante. O uso de vestuário pouco apertado, a perda de peso e a lavagem de roupas contaminadas são medidas que previnem, igualmente, a recidiva. 

Tinha da face (Tinea faciei)

Surge na região da face sem barba. Costuma ser uma lesão única e o componente inflamatório é mais ténue do que noutras localizações, o que dificulta o diagnóstico. Este acentua-se se o doente iniciou um tratamento com coriticoides tópicos, pois a inflamação desaparece quase por completo (Tinea incognita). O tratamento é semelhante ao da Tinea corporis.

Tinha das mãos (Tinea manuum)

 A tinha da mão é a infeção fúngica de uma ou, ocasionalmente, de ambas as mãos. Ocorre frequentemente em indivíduos com Tinea pedis. Clinicamente, caracteriza-se por hiperqueratose e desidratação da superfície palmar da mão. O tratamento é semelhante ao da Tinea pedis. As recidivas são comuns quando as onicomicoses ou a Tinea pedis associadas não são resolvidas.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

LIVRE questiona Primeiro-Ministro sobre a privatização do Serviço Nacional de Saúde

Durante o debate quinzenal na Assembleia da República, a deputada do LIVRE, Isabel Mendes Lopes, dirigiu questões ao Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, relativamente a declarações proferidas pelo diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), António Gandra d’Almeida, esta manhã, em Atenas, num evento da Organização Mundial de Saúde.

Ana Paula Gato defende fortalecimento dos centros de saúde no SNS

Ana Paula Gato, enfermeira e professora coordenadora na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal, apresentou  uma análise detalhada do Relatório do Observatório da Fundação Nacional de Saúde, numa iniciativa realizada no Auditório João Lobo Antunes da Faculdade de Medicina de Lisboa. A sua intervenção focou-se na importância dos centros de saúde como pilar fundamental do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e na necessidade de reforçar os cuidados de proximidade.

Share This