Em Portugal, a legislação que rege a inclusão escolar e o acompanhamento de alunos com necessidades de saúde especiais (NSE) é fundamentada pelo Decreto-Lei n.º 54/2018. Este diploma estabelece as medidas necessárias para garantir que todas as crianças, independentemente das suas condições de saúde, tenham acesso a uma educação inclusiva e de qualidade. Este quadro legal assegura que os alunos com necessidades específicas, como diabetes, asma, alergias alimentares, epilepsia e autismo, recebam o acompanhamento adequado, envolvendo as equipas de saúde escolar, as famílias e as unidades de saúde.
Nos últimos anos, tem-se observado um crescimento alarmante no número de casos de NSE entre crianças e jovens em idade escolar. Doenças crónicas, como a diabetes tipo 1 (DM1) e a asma, bem como o aumento de alergias alimentares (AA), exigem uma intervenção mais eficaz e coordenada por parte das equipas de saúde escolar e que em Portugal são asseguradas maioritariamente pelos enfermeiros especialistas em articulação com nutricionistas, psicólogos e médicos. Novas doenças como a epilepsia e o autismo acrescentam novos desafios ao acompanhamento e à integração destes alunos e somente com uma estreita articulação entre os profissionais de saúde e as escolas se conseguirá uma verdadeira inclusão.
Face a esta realidade, torna-se urgente atualizar o Programa Nacional de Saúde Escolar (PNSE), que já data de 2015. Quase uma década depois, o panorama das necessidades de saúde das crianças e jovens mudou significativamente, e o programa já não reflete completamente as exigências atuais. Uma provocação importante para a discussão nacional é: se nas empresas é exigido um médico e enfermeiro do trabalho, por que nas escolas com mais de 1000 alunos esses profissionais não estão presentes? Uma outra provocação será revisão do PNSE que deve incluir indicadores precisos e alinhados com a contratualização das Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), das Unidades de Saúde Pública (USP) e das novas Unidades Locais de Saúde de forma a permitir uma resposta mais eficaz e coordenada que possibilite medir a intervenção e o valor em saúde.
Além disso, o Despacho n.º 8297-C/2019 e a Orientação n.º 006/2016 da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Direção-Geral da Educação (DGE) reforçam o compromisso de todos os intervenientes na gestão da diabetes tipo 1 nas escolas. Estas normativas promovem a saúde, previnem intercorrências e minimizam o impacto da DM1 no contexto escolar. Os Planos de Saúde Individuais (PSI), elaborados com base no plano terapêutico definido na consulta da especialidade, devem incluir a participação dos pais ou encarregados de educação, da equipa de saúde escolar (ESE), dos elementos da escola e, sempre que possível, da criança ou jovem com DM1.
O Projeto Via Verde – Necessidades de Saúde Especiais (VVNSE)
Neste contexto, a Via Verde – Necessidades de Saúde Especiais (VVNSE) destaca-se como uma solução inovadora para melhorar o acompanhamento e a gestão de casos de NSE. Desenvolvido pela Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), este projeto digital surgiu da necessidade de otimizar a referenciação e a comunicação entre as escolas, os serviços de saúde e as autoridades municipais, assegurando que os alunos com NSE recebam o acompanhamento adequado em tempo útil. É digno de nota que o Via Verde foi nomeado para a 17.ª Edição do Sistema de Saúde: Antecipar Ações Face aos Cenários Futuros, sendo finalista na categoria de “Melhor Projeto”, já garantindo pelo menos um certificado de reconhecimento da Boa Prática em Saúde (ver projetos finalistas aqui).
Lançado em 2020, o VVNSE foi desenhado para enfrentar as fragilidades anteriores na comunicação entre as diferentes entidades envolvidas no acompanhamento de crianças com NSE, que dependia de métodos dispersos e pouco eficientes. O projeto utiliza formulários digitais integrados e automatização de processos, através do Microsoft Forms e do Power Automate, permitindo centralizar as informações e reduzir o tempo de resposta. Este sistema não só melhorou a gestão dos casos, como também gerou poupanças significativas em custos operacionais.
Adicionalmente, o VVNSE proporcionou ainda uma melhoria na articulação entre o serviço de pediatria da ULSM e as equipas de saúde escolar, garantindo uma gestão eficiente de casos complexos de NSE, como diabetes e alergias alimentares.
O VVNSE tem-se revelado um exemplo de boas práticas na gestão de necessidades de saúde no contexto escolar, ao ponto de ter sido candidato ao Prémio de Boas Práticas em Saúde, destacando-se pelo seu impacto positivo na vida das crianças e jovens com NSE. Entre os seus principais benefícios estão o cumprimento do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e a diminuição dos missing events – situações em que intervenções essenciais poderiam ser omitidas devido a falhas no sistema de comunicação e monitorização.
Redução dos Missing Events
A implementação do VVNSE não só centralizou a gestão de casos de NSE, como também trouxe melhorias substanciais na segurança dos dados. O sistema foi desenhado para garantir a conformidade com as normas de proteção de dados, restringindo o acesso apenas a profissionais autorizados e minimizando os riscos de exposição indevida de informações sensíveis. Esta característica é especialmente importante no contexto de saúde escolar, onde a privacidade dos alunos deve ser uma prioridade.
Outro aspeto crítico do VVNSE é a sua capacidade de prevenir missing events, ou seja, a ausência de intervenções que possam comprometer o acompanhamento adequado dos alunos com NSE. Ao automatizar a referenciação e garantir a monitorização contínua dos casos, o sistema reduz a probabilidade de falhas que poderiam passar despercebidas. Este mecanismo proativo garante que todos os alunos com necessidades especiais recebem a atenção e os cuidados necessários, sem que haja lapsos no acompanhamento.
O Via Verde – Necessidades de Saúde Especiais demonstrou ser uma mais-valia para a gestão da saúde escolar, recebendo feedback positivo de todas as partes envolvidas – escolas, autarquias e profissionais de saúde – ao aproveitar o que de melhor se fez na pandemia com o projeto Via Verde COVID, que visava melhorar a comunicação de casos de COVID à saúde pública. Dado o seu sucesso, seria prudente considerar a replicação do projeto a nível nacional, adaptando-o às realidades de outras regiões. A sua implementação mais ampla poderia resultar em melhorias significativas na gestão de NSE em todo o país, promovendo uma educação inclusiva e saudável para todas as crianças e jovens com necessidades especiais.
Além disso, o sucesso do VVNSE reforça a importância de soluções tecnológicas no setor da saúde escolar, sendo essencial que o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação considerem a sua expansão para outras localidades, integrando-o nas políticas de saúde escolar. Este passo não só garantiria uma gestão mais eficaz e segura dos casos de NSE, como também contribuiria para a melhoria contínua dos serviços prestados aos alunos e às suas famílias, assegurando que a saúde e a educação caminham de mãos dadas para promover o bem-estar e o sucesso escolar de todas as crianças.
Convidamos outras instituições a seguirem este exemplo e a contribuírem para uma saúde escolar mais inclusiva, estando ciente que o sucesso deste tipo de iniciativas só é possível com equipas de saúde escolar bem dimensionadas, que cumpram os rácios preconizados e estejam altamente motivadas, em articulação contínua com professores, escolas, autarquias e os cuidados diferenciados, como a pediatria, onde se realizam os diagnósticos iniciais e se define o plano terapêutico adequado para cada criança, assim como com a excelente articulação entre as Unidades de Cuidados na Comunidade, a Unidade de Saúde Pública e o Serviço de Nutrição.
Termino a referir que a ULSM, sendo a primeira Unidade Local de Saúde no país, tinha uma vantagem ao assumir a existência de grupos de trabalho já constituídos, incluindo uma equipa local de saúde escolar e um grupo de enfermeiros em saúde escolar, que facilitam a comunicação e operacionalização eficaz do VVNSE.
Muitos parabéns a todos pelo excelente trabalho. São uma referencia
Muito obrigada pelo reconhecimento,
a equipa HealthNews