A enfermeira Daniela Simão, do bloco operatório do Hospital de Pulido Valente, integrado na Unidade Local de Saúde de Santa Maria, em Lisboa, apresentou um projeto inovador e ambicioso no âmbito da gestão de resíduos hospitalares. A sua intervenção, realizada durante a 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH), destacou-se pela abordagem prática e pelos resultados já alcançados na otimização da triagem de resíduos hospitalares.
O projeto, intitulado “Gestão dos Resíduos Hospitalares: Um Passo para a Sustentabilidade”, surgiu da constatação de que o bloco operatório, apesar de ocupar uma área física relativamente pequena no hospital, é responsável por um impacto ambiental desproporcionalmente elevado. Segundo Daniela Simão, o bloco operatório produz mais de 30% do total de resíduos hospitalares, um número alarmante que motivou a equipa a agir.
A enfermeira iniciou a sua apresentação contextualizando o problema. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 85% dos resíduos hospitalares são comparáveis a resíduos sólidos comuns e potencialmente recicláveis. No entanto, entre 50% a 85% desses resíduos são eliminados como resíduos de risco biológico, sendo encaminhados para incineração. Este processo tem um impacto ambiental significativo, uma vez que a incineração de 1 kg de resíduos biológicos produz cerca de 3 kg de CO2 para a atmosfera. Além disso, o custo médio de incineração é sete vezes superior ao custo de processamento dos resíduos sólidos comuns, representando também um considerável impacto económico.
Perante estes dados, a equipa do bloco operatório do Hospital de Pulido Valente decidiu agir, reconhecendo que a redução da quantidade de resíduos é a melhor forma de atenuar a pegada ambiental do bloco operatório e promover a sustentabilidade ambiental. Daniela Simão fez questão de mencionar os cinco R’s da sustentabilidade ambiental: Reduzir, Reciclar, Reutilizar, Repensar e Recusar, sublinhando a importância de cada um destes princípios na prática diária do bloco operatório.
Para ilustrar a magnitude do problema, a enfermeira apresentou uma obra de arte da artista Maria Koyk, na qual a própria se retrata deitada no meio de todos os resíduos hospitalares resultantes de uma única cirurgia – a sua cirurgia à mama. Esta imagem impactante serviu para consciencializar a audiência sobre a quantidade de resíduos gerados numa única intervenção cirúrgica. Daniela Simão salientou que, com a tendência crescente do número de cirurgias, a promoção da sustentabilidade no bloco operatório torna-se cada vez mais urgente.
O projeto definiu dois objetivos gerais: otimizar a triagem dos resíduos hospitalares no bloco operatório central e reduzir a pegada ambiental do bloco. Para alcançar estes objetivos, a equipa adotou a metodologia de melhoria contínua PDCA (Plan-Do-Check-Act), que envolveu três fases principais: avaliação diagnóstica, formação e implementação, e realização de auditorias.
Na fase de avaliação diagnóstica, a equipa identificou a problemática da triagem inadequada dos resíduos hospitalares no bloco operatório. Realizaram uma análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) que revelou como principal força uma equipa de enfermagem motivada, e como principal fraqueza as situações de stress e défice de tempo na prática diária. A oportunidade mais significativa identificada foi o potencial de redução do impacto ambiental, enquanto a principal ameaça consistia nas dificuldades na obtenção de dados quantitativos relativamente aos resíduos valorizáveis.
A fase de formação e implementação foi crucial para o sucesso do projeto. Foram realizadas sessões de formação para as equipas de enfermagem e assistentes operacionais. Nestas sessões, a equipa utilizou um formato de quiz para validar os conhecimentos e identificar lacunas. Com base nas necessidades identificadas, foram implementadas medidas de reestruturação da triagem dos resíduos hospitalares.
Entre as medidas implementadas, destacam-se:
Identificação clara dos contentores de acordo com o tipo de resíduos correspondentes.
Substituição de contentores de resíduos do Grupo 3 por contentores do Grupo 2 na área de desinfeção cirúrgica.
Iniciação da separação de resíduos de vidro não contaminados com o Grupo 2.
Separação dos resíduos do Grupo 4 (fármacos rejeitados).
Implementação da separação de resíduos de plástico e de papel/cartão para reciclagem.
Um aspeto inovador do projeto foi a participação numa iniciativa de reaproveitamento do material cirúrgico descartável (blueback), em parceria com a associação Entreajuda. Este material foi reutilizado para a elaboração de casacos para a população sem-abrigo e para a produção de toalhas e panos de tabuleiro no âmbito das Jornadas Mundiais da Juventude. Adicionalmente, o material foi utilizado para a confeção de fatos para as Marchas Populares pela Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça.
A equipa também realizou ações de sensibilização, incluindo a fixação de cartazes informativos sobre a triagem dos resíduos hospitalares no serviço e a criação de uma caixa de ideias para a sustentabilidade. Esta última iniciativa permitiu que os profissionais partilhassem anonimamente sugestões para promover práticas sustentáveis. Um exemplo destacado foi o reaproveitamento do saco das trouxas cirúrgicas para colocação de instrumental a ser enviado para esterilização.
Daniela Simão apresentou vídeos demonstrativos das novas práticas de triagem implementadas no bloco operatório. Estes vídeos mostravam enfermeiros e assistentes operacionais a realizar a triagem correta dos resíduos em diferentes momentos do processo cirúrgico, desde a preparação da anestesia até à limpeza final da sala operatória.
A fase de auditorias foi fundamental para avaliar a eficácia das medidas implementadas e identificar áreas de melhoria. Foram realizadas auditorias periódicas, analisados os resultados e implementadas medidas de melhoria contínua. Uma das inconformidades detetadas foi a presença de resíduos do Grupo 2 misturados com resíduos do Grupo 3 na área de anestesia. Esta situação ocorria devido à existência de apenas um contentor de resíduos do Grupo 3 nesta área, estando o contentor de resíduos do Grupo 2 localizado no lado oposto da sala operatória. Para resolver este problema, foi colocado um novo contentor de resíduos do Grupo 2 na área de anestesia.
Outra inconformidade identificada foi a triagem incorreta de resíduos do Grupo 2 como Grupo 4 (por exemplo, ampolas de vidro colocadas no contentor de corto-perfurantes) e resíduos de cartão triados como resíduos sólidos comuns. Para corrigir estas situações, foram realizadas ações de sensibilização e formação adicionais às equipas.
Os resultados obtidos pelo projeto foram significativos e mensuráveis. Para o primeiro objetivo geral, a equipa definiu como indicador a realização de uma sessão de formação anual para as equipas de enfermagem e assistentes operacionais. Este objetivo foi atingido em 2023 e 2024. Além disso, estabeleceram a meta de realizar auditorias periódicas a cada três meses. Em 2023, foram realizadas três auditorias no período de nove meses após a implementação do projeto, e em 2024, já tinham sido realizadas três auditorias, com uma quarta planeada para dezembro.
Para o segundo objetivo geral, que visava reduzir a pegada ambiental do bloco, o indicador definido foi a redução da produção de resíduos do Grupo 3 em 5% ao ano. Os resultados superaram as expectativas, com uma redução de 7,6% no período de janeiro a setembro de 2023, e uma redução adicional de 1,6% no mesmo período de 2024.
Estes resultados foram apresentados em tabelas e gráficos, mostrando uma diminuição significativa na quantidade de resíduos do Grupo 3 por cirurgia. Em 2022, a média era de 4,65 kg de resíduos do Grupo 3 por cirurgia. Em 2024, este valor diminuiu para 4,25 kg por cirurgia. A enfermeira Daniela Simão também apresentou um gráfico que ilustrava a redução das emissões de CO2 resultante destas melhorias. Segundo os cálculos da equipa, o projeto permitiu poupar mais de 8 toneladas de CO2 em comparação com o cenário em que as práticas de 2022 tivessem sido mantidas.
O terceiro indicador estabelecido foi a reciclagem dos resíduos de plástico e de papel/cartão, com a meta de recolher pelo menos 520 contentores de plástico e 520 contentores de papel/cartão por ano. Este objetivo foi alcançado tanto em 2023 como em 2024, com um aumento notável no número de contentores recolhidos de um ano para o outro, refletindo o crescimento do número de cirurgias e a melhoria contínua nas práticas de triagem.
Daniela Simão concluiu a sua apresentação enfatizando que a implementação deste projeto contribuiu significativamente para a otimização da triagem de resíduos no bloco operatório, traduzindo-se em ganhos ambientais e, possivelmente, económicos. A enfermeira sublinhou o compromisso da equipa em continuar a trabalhar para um bloco operatório mais verde e sustentável.
O projeto apresentado pela enfermeira Daniela Simão demonstra claramente o potencial de impacto que iniciativas locais podem ter na sustentabilidade global do setor da saúde. Ao abordar a questão da gestão de resíduos hospitalares de forma sistemática e envolvendo toda a equipa do bloco operatório, o Hospital de Pulido Valente não só reduziu a sua pegada ambiental, mas também estabeleceu um exemplo que pode ser seguido por outras instituições de saúde em Portugal e além-fronteiras.
A abordagem multifacetada do projeto, que incluiu formação, implementação de novas práticas, monitorização contínua e adaptação, provou ser eficaz na mudança de comportamentos e na obtenção de resultados mensuráveis. A redução significativa na produção de resíduos do Grupo 3 e o aumento na reciclagem de plástico e papel/cartão são testemunho do sucesso desta iniciativa.
Além disso, o projeto demonstrou criatividade na reutilização de materiais, como exemplificado pela parceria para o reaproveitamento do blueback cirúrgico. Esta iniciativa não só reduziu o desperdício, mas também teve um impacto social positivo, beneficiando populações vulneráveis e contribuindo para eventos culturais.
O uso de tecnologia para monitorizar e apresentar os resultados, bem como a utilização de métodos visuais como vídeos demonstrativos e obras de arte para sensibilização, mostram uma abordagem moderna e eficaz na comunicação e implementação de mudanças organizacionais.
A apresentação deste projeto na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde é um passo importante na disseminação destas práticas sustentáveis. Ao partilhar os seus métodos, desafios e sucessos, a equipa do Hospital de Pulido Valente está a contribuir para um diálogo mais amplo sobre sustentabilidade no setor da saúde.
O projeto “Gestão dos Resíduos Hospitalares: Um Passo para a Sustentabilidade” não é apenas um exemplo de boas práticas em gestão hospitalar, mas também um chamamento à ação para todo o setor da saúde. Demonstra que, com planeamento cuidadoso, formação adequada e compromisso contínuo, é possível fazer mudanças significativas que beneficiam não só o ambiente, mas também a eficiência operacional e, potencialmente, os resultados financeiros das instituições de saúde.
À medida que o setor da saúde enfrenta desafios crescentes relacionados com a sustentabilidade ambiental e a gestão de recursos, iniciativas como esta tornam-se cada vez mais cruciais. O projeto liderado pela enfermeira Daniela Simão e sua equipa serve como um farol, iluminando o caminho para um futuro mais sustentável na prestação de cuidados de saúde.
A apresentação deste projeto na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde não só reconhece o trabalho árduo e a dedicação da equipa do Hospital de Pulido Valente, mas também serve como uma plataforma para inspirar outras instituições a adotarem práticas semelhantes. É um lembrete poderoso de que cada ação, por menor que pareça, pode contribuir para uma mudança significativa quando multiplicada em escala.
Em conclusão, o projeto “Gestão dos Resíduos Hospitalares: Um Passo para a Sustentabilidade” representa um avanço significativo na busca por práticas mais sustentáveis no setor da saúde em Portugal. Através de uma abordagem holística, que combina formação, implementação prática, monitorização contínua e adaptação, a equipa do bloco operatório do Hospital de Pulido Valente demonstrou que é possível reduzir significativamente o impacto ambiental das operações hospitalares sem comprometer a qualidade dos cuidados prestados.
O sucesso deste projeto não só beneficia o ambiente e potencialmente as finanças do hospital, mas também estabelece um precedente importante para outras instituições de saúde. Ao mostrar que a sustentabilidade pode ser integrada nas operações diárias de um dos departamentos mais complexos e de alto consumo de um hospital, o projeto abre caminho para uma transformação mais ampla no setor da saúde.
HealthNews
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