Na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar, o Engenheiro Lucas Ribeiro, Consultor/Gestor de Projetos na Administração Regional de Saúde do Norte, apresentou os resultados do projeto “Centro de Controlo de Infeção Associado a Cuidados de Saúde na Região Norte”. Este projeto, desenvolvido ao longo de 24 meses, surgiu como uma resposta à crescente preocupação com as infeções associadas aos cuidados de saúde e à resistência aos antimicrobianos.
O Eng. Lucas Ribeiro iniciou a sua apresentação destacando a importância do tema. As infeções associadas aos cuidados de saúde têm um impacto significativo nas taxas de morbilidade e mortalidade, além de gerarem custos elevados, tanto diretos como indiretos, para o sistema de saúde. A resistência aos antimicrobianos é uma preocupação crescente e já se configura como um problema grave a nível global.
Para contextualizar a gravidade da situação, o engenheiro citou um estudo de 2019 que estimava a morte de 49 milhões de pessoas em 204 países, num período de um ano, devido a infeções associadas aos cuidados de saúde e à resistência aos antimicrobianos. Um estudo mais recente, publicado em setembro de 2024, projeta um cenário ainda mais alarmante para 2050, com uma estimativa de pelo menos 92 milhões de mortes relacionadas a estas infeções.
A situação em Portugal é particularmente preocupante. Segundo um estudo recente do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) de 2023, Portugal apresenta indicadores significativamente piores que a média europeia. Enquanto a média europeia para a prevalência de infeções e o índice relacionado com a resistência aos antimicrobianos é de 6,8% e 21,8% respetivamente, em Portugal estes valores sobem para 11,6% e 32,9%.
Antes do início do projeto, a situação na região Norte de Portugal era bastante heterogénea. Alguns hospitais já possuíam soluções implementadas para vigilância epidemiológica, enquanto outros seis não tinham qualquer solução. Isto resultava em informações dispersas, recolhidas em folhas de Excel, papéis ou bases de dados restritas, dificultando a análise e a intervenção eficaz.
O projeto tinha como objetivos principais: diminuir as taxas de morbilidade e mortalidade decorrentes das infeções, aumentar a adequação da prescrição de antimicrobianos, reduzir a resistência aos antimicrobianos, gerar economia na despesa associada a estes problemas, diminuir os erros de transcrição e reduzir o trabalho moroso e redundante de inserção de dados nos diferentes sistemas.
Para atingir estes objetivos, o projeto foi dividido em três níveis de intervenção: local, regional e nacional. A nível local, foi implementada uma solução de vigilância epidemiológica nos hospitais que não possuíam nenhuma, e foi realizado um upgrade nas soluções já existentes em nove hospitais. Esta solução permitiu a integração automática de informações do laboratório de microbiologia, do processo clínico, dos cuidados intensivos, do laboratório de prescrição e da farmácia.
A nível regional, foi consolidado um centro de dados epidemiológicos que permite a recolha automatizada de informações de todos os hospitais da região. Foram também uniformizados os indicadores, em parceria com a Direção-Geral da Saúde (DGS). Um aspeto importante foi a implementação de um mecanismo de transferência de informação sobre doentes infetados ou colonizados entre hospitais, permitindo uma melhor gestão e prevenção de surtos.
A nível nacional, foram implementados mecanismos para integrar automaticamente os dados recolhidos nos sistemas da DGS, eliminando a necessidade de reintrodução manual de dados e reduzindo assim potenciais erros.
Um dos aspetos mais desafiantes do projeto foi a normalização dos processos e da informação partilhada entre os hospitais. Foram definidas e implementadas normas de boas práticas ao nível da atuação na região Norte, em consonância com as diretrizes da DGS. Este conhecimento foi disseminado a nível regional, envolvendo todas as organizações de saúde públicas e algumas privadas da região Norte.
Os resultados do projeto já são visíveis. Um dos indicadores mais significativos é a taxa de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). Em 2022, antes da implementação do projeto, a taxa global de MRSA era de 27,75%. Em 2023, após a implementação do projeto, esta taxa baixou para 18,11%, representando uma redução de quase 35%. Esta diminuição tem um impacto significativo tanto na taxa de mortalidade como nos custos económicos associados.
Outro resultado importante do projeto foi a identificação e gestão de transferências de doentes infetados ou colonizados entre hospitais. Durante o período do projeto, 1039 doentes nestas condições foram transferidos entre hospitais, permitindo uma melhor gestão e prevenção de potenciais surtos.
O Eng. Lucas Ribeiro concluiu a sua apresentação falando sobre as perspetivas futuras do projeto. O objetivo é expandir a abordagem para incluir também as infeções da comunidade, além de acelerar a implementação de mecanismos de inteligência artificial para prevenção e deteção de surtos, bem como para identificar outras discrepâncias nos dados que permitam uma intervenção mais rápida e eficaz.
Este projeto representa um avanço significativo na gestão e controlo de infeções associadas aos cuidados de saúde na região Norte de Portugal. A implementação de um sistema integrado e normalizado de vigilância epidemiológica, juntamente com a melhoria da comunicação entre hospitais e a integração com os sistemas nacionais, demonstra o potencial da tecnologia e da gestão de dados na melhoria dos cuidados de saúde.
A redução significativa na taxa de MRSA é um indicador claro do sucesso do projeto, mas também aponta para os benefícios potenciais a longo prazo. A diminuição das infeções associadas aos cuidados de saúde não só melhora os resultados para os pacientes, reduzindo a morbilidade e a mortalidade, mas também tem um impacto económico positivo, reduzindo os custos associados a internamentos prolongados e tratamentos adicionais.
A abordagem holística do projeto, envolvendo diferentes níveis de intervenção – local, regional e nacional – demonstra a importância da colaboração e da integração de sistemas para enfrentar desafios complexos na área da saúde. A normalização dos processos e da informação entre os diferentes hospitais é um passo crucial para uma gestão mais eficiente e eficaz dos recursos de saúde.
O foco na transferência de informação sobre doentes infetados ou colonizados entre hospitais é particularmente importante, pois permite uma melhor gestão de riscos e prevenção de surtos. Esta abordagem proativa pode ter um impacto significativo na redução da propagação de infeções resistentes a antibióticos.
A integração automática dos dados nos sistemas da DGS é outro aspeto crucial do projeto. Ao eliminar a necessidade de reintrodução manual de dados, não só se reduz a carga de trabalho administrativo, mas também se minimiza o risco de erros de transcrição. Isto resulta em dados mais precisos e atualizados, permitindo uma tomada de decisão mais informada a nível nacional.
As perspetivas futuras do projeto são promissoras. A expansão para incluir as infeções da comunidade é um passo lógico e necessário para uma abordagem mais abrangente do controlo de infeções. A implementação de mecanismos de inteligência artificial para prevenção e deteção de surtos representa a vanguarda da tecnologia aplicada à saúde pública. Estes sistemas têm o potencial de identificar padrões e tendências que podem não ser imediatamente evidentes para os profissionais de saúde, permitindo intervenções mais rápidas e eficazes.
O sucesso deste projeto na região Norte de Portugal pode servir de modelo para iniciativas semelhantes em outras regiões do país e mesmo internacionalmente. A abordagem sistemática e integrada adotada neste projeto demonstra como a tecnologia, a gestão de dados e a colaboração entre diferentes níveis do sistema de saúde podem resultar em melhorias significativas nos cuidados de saúde.
É importante notar que, embora os resultados iniciais sejam promissores, será necessário um acompanhamento contínuo para garantir a sustentabilidade destes ganhos a longo prazo. A resistência aos antimicrobianos é um desafio em constante evolução, e será necessária uma vigilância contínua e adaptação das estratégias para manter e melhorar os resultados alcançados.
Além disso, o sucesso deste projeto destaca a importância do investimento em infraestruturas de saúde digital e em formação dos profissionais de saúde para utilizar eficazmente estas novas ferramentas. À medida que os sistemas de saúde se tornam mais dependentes da tecnologia, é crucial garantir que todos os profissionais de saúde tenham as competências necessárias para utilizar estes sistemas de forma eficaz.
O projeto “Centro de Controlo de Infeção Associado a Cuidados de Saúde na Região Norte” representa um passo significativo na melhoria da qualidade dos cuidados de saúde em Portugal. Ao abordar o desafio crítico das infeções associadas aos cuidados de saúde e da resistência aos antimicrobianos, este projeto não só melhora os resultados para os pacientes, mas também contribui para a sustentabilidade do sistema de saúde a longo prazo.
A apresentação do Eng. Lucas Ribeiro na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde não só destacou os sucessos alcançados, mas também apontou o caminho para futuros desenvolvimentos. É um exemplo claro de como a inovação, a tecnologia e a colaboração podem ser aplicadas para enfrentar alguns dos desafios mais prementes na área da saúde.
À medida que o projeto continua a evoluir e a expandir-se, será interessante observar o seu impacto a longo prazo na saúde pública da região Norte e, potencialmente, em todo o país. O sucesso desta iniciativa pode servir de catalisador para mudanças similares em outras áreas do sistema de saúde, promovendo uma cultura de inovação e melhoria contínua.
Em conclusão, o projeto apresentado pelo Eng. Lucas Ribeiro demonstra o potencial da tecnologia e da gestão de dados para transformar a prestação de cuidados de saúde. Ao enfrentar o desafio das infeções associadas aos cuidados de saúde e da resistência aos antimicrobianos de forma sistemática e integrada, este projeto não só melhora os resultados para os pacientes, mas também contribui para um sistema de saúde mais eficiente e sustentável. É um exemplo inspirador de como a inovação pode ser aplicada para resolver problemas complexos na área da saúde, apontando o caminho para um futuro onde a tecnologia e os dados desempenham um papel central na melhoria da saúde pública.
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