A professora iniciou a sua apresentação elogiando o relatório, descrevendo-o como um retrato abrangente das políticas públicas de saúde e do SNS, bem como uma análise crítica da governação e governança em saúde na última década. Destacou que o documento apresenta argumentos bem fundamentados e inclui várias sugestões para o futuro, baseadas em dados fiáveis e evidência científica.
Ana Paula Gato salientou que muitas das propostas apresentadas no relatório são exequíveis, algumas das quais já foram experimentadas no passado e descontinuadas sem motivo aparente. A professora lamentou esta perda de memória histórica dos cuidados de saúde primários, mencionando exemplos como as intervenções de resposta rápida pelos centros de saúde e o desenvolvimento de competências em áreas como a saúde oral e os meios complementares de diagnóstico e terapêutica.
Recordando a sua experiência pessoal, a enfermeira partilhou que há cerca de 30 anos, os centros de saúde ofereciam cuidados de saúde oral, serviços de radiologia e até mesmo a possibilidade de realizar eletrocardiogramas nos serviços de atendimento permanente. Lamentou que estas capacidades tenham sido perdidas ao longo do tempo.
Um dos pontos que a professora destacou do relatório foi a análise do papel das autarquias na saúde. O documento aponta para a necessidade de parcerias entre os municípios e os serviços de saúde, um tema que, segundo Ana Paula Gato, merece atenção significativa. A enfermeira alertou para o facto de vários municípios estarem a assumir uma interpretação própria das competências que lhes foram atribuídas, posicionando-se como prestadores diretos de cuidados em vez de parceiros dos serviços de saúde. Esta postura, na sua opinião, pode levar a uma concorrência ou complementaridade às unidades do SNS que não é desejável.
A professora expressou preocupação com esta tendência, lembrando os resultados pouco positivos da municipalização de alguns serviços de saúde de proximidade durante o Estado Novo. Alertou para o risco de se retroceder no tempo, comprometendo os ganhos em saúde alcançados nas últimas décadas.
Por outro lado, Ana Paula Gato elogiou o compromisso expresso no relatório para o desenvolvimento do sistema de saúde, destacando a centralidade das pessoas e das suas necessidades e expectativas. Sublinhou que este foco inclui tanto as pessoas que são cuidadas como os profissionais de saúde. A enfermeira reforçou a importância da cooperação entre os setores público, social e privado, mas enfatizou a necessidade de clarificar os termos dessa cooperação.
Um dos aspectos que a professora considerou particularmente positivo foi a análise e defesa do papel do centro de saúde como entidade central do SNS. Destacou o capítulo do relatório intitulado “Pessoas, comunidade e saúde local”, considerando-o fundamental para a compreensão da importância dos cuidados de proximidade.
Ana Paula Gato sublinhou a necessidade de recuperar o conceito e a entidade do centro de saúde, valorizando o seu papel na prestação de cuidados de proximidade. Lembrou que o centro de saúde é, desde 1961, uma forma de concretizar a saúde local, um conceito que, embora ainda não completamente definido, é central no relatório apresentado.
A enfermeira explicou que a saúde local é essencial para a concretização de conceitos mais amplos como “Uma Só Saúde”, “Saúde Planetária” e “Saúde Global”. Argumentou que estes conceitos só podem ser realizados localmente, com as pessoas, através de estratégias e planos locais de saúde, e da cooperação e parcerias comunitárias.
Ana Paula Gato destacou várias formas de participação comunitária que têm se revelado positivas em alguns concelhos, como a participação nos Conselhos Locais de Ação Social, a construção de planos municipais de saúde, as comissões locais de saúde, as equipas de intervenção no âmbito das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, e projetos nas áreas de saúde escolar, saúde mental, saúde das pessoas idosas e saúde ambiental.
A professora enfatizou que o centro de saúde concretiza cuidados de proximidade precisamente nos locais onde as pessoas vivem e trabalham, alinhando-se com a definição de cuidados de saúde primários. Explicou que os centros de saúde conhecem as autarquias, as famílias, as instituições comunitárias e as empresas, podendo, através das suas diferentes unidades, manter a população em comunicação contínua e assegurar uma vasta gama de cuidados que respondem à maior parte das necessidades de saúde da população.
Ana Paula Gato concordou com a afirmação do relatório de que os centros de saúde são, com ou sem Unidade Local de Saúde, a base do SNS e da saúde da população. Acrescentou que, neste contexto, devem ser aproveitadas as competências dos vários profissionais de saúde, que ainda hoje não estão completamente utilizadas.
A enfermeira sugeriu alguns aspectos que poderiam ser mais aprofundados em futuros relatórios. Entre eles, destacou a necessidade de dar maior visibilidade às questões dos cuidados prestados a famílias ou populações em risco de pobreza e exclusão social, lembrando que um em cada cinco portugueses se encontra nessa situação. Mencionou também a importância de abordar os cuidados a idosos isolados e dependentes, reclusos, pessoas com deficiência ou doença mental, e trabalhadores através dos serviços de saúde ocupacional.
Além disso, a professora sugeriu que fossem discutidas as respostas perante doenças emergentes e crises climáticas, bem como os cuidados a uma população cada vez mais culturalmente diversa. Ana Paula Gato considerou que a abordagem ao serviço de saúde pública poderia ser mais aprofundada, reconhecendo, no entanto, a dificuldade em encontrar evidências que permitam um tratamento mais extenso do tema.
A enfermeira expressou preocupação com a tendência de concentração dos serviços de saúde pública em unidades únicas nas capitais de distrito, como no caso das Unidades Locais de Saúde. Argumentou que esta centralização dificulta o conhecimento da realidade de saúde das populações e a capacidade de resposta aos atuais desafios em saúde pública.
Quanto aos contributos do relatório para o debate e para a implementação de melhorias nas políticas públicas de saúde, Ana Paula Gato considerou que os seus maiores méritos são tornar visíveis as dificuldades e incongruências das políticas atuais. Citou como exemplo a discrepância entre a percentagem dos gastos em saúde na rede de cuidados continuados integrados e nos cuidados de prevenção e promoção da saúde.
A professora elogiou o facto de o relatório trazer para o debate o exemplo da constituição das Unidades Locais de Saúde sem evidência clara de que esse modelo organizacional proporciona mais ganhos em saúde. Destacou também a análise dos efeitos da integração dos cuidados de saúde primários nessas unidades.
Ana Paula Gato sublinhou que o relatório aponta caminhos que implicam escolhas bem fundamentadas e a necessidade de inscrição do conhecimento na governação em saúde. Enfatizou a importância de que nem os utentes nem os profissionais se sintam deslocados no sistema de saúde.
A enfermeira concluiu a sua intervenção afirmando que o relatório apresentado é também um alerta moral. Advertiu contra a tentação de transformar o sistema de saúde português num mercado, entregando às populações mais vulneráveis à caridade e aumentando as iniquidades no acesso aos cuidados de saúde.
Ana Paula Gato reafirmou que o SNS é um dos investimentos com maior retorno da democracia portuguesa e um dos seus pilares fundamentais. Destacou que o SNS concretiza o cuidado e a compaixão, valores centrais que se manifestam através do trabalho dos centros de saúde.
A professora encerrou a sua apresentação reiterando a importância dos cuidados de proximidade e do papel central dos centros de saúde no SNS. Apelou para que as recomendações do relatório sejam consideradas seriamente pelos decisores políticos e pelos gestores do sistema de saúde, de modo a fortalecer os cuidados de saúde primários e a melhorar a saúde da população portuguesa.
MMM
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