José Luis Biscaia “Relatório do Observatório da FSNS: Uma Análise Inovadora do Sistema de Saúde Português”

11 de Dezembro 2024

José Luís Biscaia, Médico de Família aposentado, analisa o recente relatório do Observatório da Fundação Nacional de Saúde, destacando a sua metodologia inovadora e as principais conclusões sobre o estado atual e futuro do sistema de saúde em Portugal.

José Luís Biscaia, Médico de Família aposentado, apresentou uma análise detalhada do recente relatório do Observatório da Fundação Nacional de Saúde. A sua intervenção, realizada no Auditório João Lobo Antunes da Faculdade de Medicina de Lisboa, focou-se na metodologia inovadora do relatório e nas suas principais conclusões sobre o sistema de saúde português.

Biscaia começou por expressar o seu entusiasmo pelo relatório, descrevendo-o como uma oportunidade privilegiada de revisitar o sistema de saúde português numa perspetiva abrangente e multidimensional. O palestrante destacou a importância de ler o relatório não apenas em profundidade, mas também em toda a sua dimensão e riqueza.

O aspeto mais inovador do relatório, segundo Biscaia, é a nova metodologia de análise utilizada. Esta abordagem estabelece claramente o compromisso social da academia e cria um quadro de referência baseado em expectativas, afirmou. O relatório define o que se espera que aconteça no sistema de saúde e, posteriormente, compara essas expectativas com a realidade. Esta metodologia contrasta com muitas análises atuais que carecem de um quadro de referência claro.

Biscaia sublinhou que esta abordagem não pretende apresentar verdades absolutas, mas sim oferecer uma leitura possível da realidade que deve estimular a reflexão avaliando  este aspeto como disruptivo e esperando que se torne a norma em futuros relatórios.

Quanto ao conteúdo do relatório, Biscaia destacou vários pontos importantes:

  • Multidimensionalidade: O relatório reconhece a complexidade e as múltiplas dimensões do sistema de saúde, evitando simplificações excessivas.
  • Perspetiva temporal: Em vez de oferecer apenas uma “fotografia” do momento atual, o relatório apresenta uma visão evolutiva do sistema de saúde de 2015 a 2024, permitindo uma compreensão mais profunda das tendências e mudanças.
  • Contextualização: O relatório considera o contexto e a história de vida dos utentes, reconhecendo que cada pessoa tem as suas próprias circunstâncias e necessidades.
  • Fundamentação científica: As expectativas e análises apresentadas no relatório são baseadas no estado atual do conhecimento, tanto nacional como internacional, conferindo-lhe credibilidade e relevância.
  • Promoção do diálogo político: O relatório fornece uma base sólida para um diálogo político mais informado e construtivo sobre a saúde, evitando preconceitos ideológicos.

Biscaia passou então a analisar as quatro áreas temáticas principais do relatório, enfatizando a interconexão entre elas:

Cuidados de Saúde Primários:
Portugal tem uma história de sucesso nos cuidados primários, sendo pioneiro em várias áreas. No entanto, Biscaia apontou que algumas reformas recentes não foram totalmente bem-sucedidas. Por exemplo, a reforma dos cuidados primários que visava criar uma gestão de proximidade acabou por resultar numa centralização da gestão. O médico defendeu ser necessário repensar esta abordagem para garantir uma verdadeira proximidade na gestão dos cuidados de saúde.

Saúde Pública:
José Luís Biscaia destacou a importância de integrar várias questões de saúde pública de forma participativa, dando como exemplo a criação de um grupo de trabalho para abordar questões como a gripe sazonal, demonstrando como uma abordagem integrada pode ser mais eficaz.

Acesso aos Cuidados de Saúde:
O relatório identifica a necessidade de soluções diferenciadas para diferentes grupos populacionais. O especialista manifestou-se contra a ideia de uma resposta única e centralizada, defendendo que as soluções devem ser adaptadas às necessidades específicas de cada grupo, como por exemplo, pessoas deslocadas por motivos de trabalho ou educação.

Atendimento não presencial:
Biscaia enfatizou a importância de melhorar o atendimento telefónico e digital, referindo que Portugal já teve experiências bem-sucedidas nesta área, como um sistema que geria 3000 atendimentos por dia, e defendeu ser necessário repensar e melhorar estes sistemas para garantir um acesso fácil e eficiente aos cuidados de saúde.
Um aspeto inovador destacado por Biscaia é a proposta do relatório para uma nova abordagem aos percursos de cuidados. Esta abordagem visa capacitar os utentes, fornecendo-lhes informações e ferramentas para navegar no sistema de saúde de forma mais eficaz. Biscaia comparou esta ideia a uma aplicação de navegação, que não apenas mostra o caminho mais rápido, mas também fornece informações úteis ao longo do percurso.
Relativamente à política de recursos humanos na saúde, Biscaia expressou preocupação com alguns dados alarmantes, como o facto de, num recente concurso, 600 médicos não terem escolhido uma especialidade. O palestrante defendeu ser é necessário refletir sobre as razões por detrás destas tendências, considerando fatores como género, idade e condições de trabalho e defendeu a necessidade de repensar as carreiras médicas, possivelmente introduzindo maior flexibilidade em termos de horários e funções.
O palestrante elogiou o relatório por não se limitar a identificar problemas, mas também por propor soluções concretas, apontando  especificamente um anexo do relatório que propõe um novo modelo de governação para o sistema de saúde.
Um ponto crítico destacado por Biscaia é a atual falta de liderança clara no Ministério da Saúde. José Luís Biscaia defendeu que não é possível liderar um processo de transformação no Serviço Nacional de Saúde sem uma liderança forte e visível. Biscaia defendeu a necessidade de lideranças que possam conduzir mudanças efetivas e adaptar-se às realidades em constante mudança do sistema de saúde.
Biscaia concluiu a sua intervenção expressando esperança de que, se as recomendações do relatório forem seguidas e se houver uma liderança eficaz, o próximo relatório do Observatório poderá apresentar uma visão mais positiva do sistema de saúde português.

MMM

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