Mário André Macedo Enfermeiro Especialista em Saúde Infantil e Pediátrica

EUA e OMS: Um Retrocesso para a Saúde Global

02/09/2025

A decisão do novo presidente dos EUA de abandonar a Organização Mundial de Saúde (OMS) é uma tragédia não só para a saúde global, como para o multilateralismo, a paz e o respeito pelas instituições que trabalham para o bem comum.

A OMS implementa programas de saúde em colaboração com diversos parceiros, incluindo estados, regiões, ONG e instituições. Desenvolve e partilha guiões, normas e conhecimento técnico, com o objetivo de promover a equidade em saúde. Não menos importante, a OMS é a organização de excelência para o avanço da saúde global, diplomacia da saúde e que garante a segurança da saúde global.

No primeiro mandato, a hostilidade de Trump perante as instituições internacionais foi notória. Neste período, os EUA recusaram liderar a saúde global, mesmo durante a pandemia. Optaram por um nacionalismo de vacinas, pouca colaboração com as instituições internacionais e um recuo das suas responsabilidades na OMS.

Agora teremos uma versão reforçada desta política. A justificação oficial – os EUA contribuem mais que a China – simplesmente não convence. As contribuições para a OMS são calculadas em função da riqueza de cada país. Para o orçamento 2024-2025, os EUA irão contribuir com 260 milhões de dólares. No mesmo período, as contribuições da China serão de 175 milhões. Como comparação, as contribuições obrigatórias de Portugal correspondem a pouco mais de 4 milhões de euros.

Há um problema com o financiamento da OMS que não pode ser ignorado. As contribuições obrigatórias apenas cobrem uma pequena fração dos gastos desta organização. 80% do seu financiamento é obtido através de contribuições voluntárias, normalmente consignadas a projetos específicos. Neste capítulo, as contribuições dos EUA são bem superiores às chinesas, 700 milhões vs 30 milhões. Embora seja importante recordar o caracter voluntário das mesmas, e a forma como este investimento na saúde global permite manter o país na liderança da diplomacia da saúde, com todos os benefícios que daí advêm. Fazendo o mesmo exercício para Portugal, as nossas contribuições voluntárias ascendem a 3 milhões de euros, na sua maioria, consignados a projetos de melhoria do acesso aos cuidados de saúde em África.

A saída dos EUA da OMS significa que pela primeira vez em 80 anos, o país estará de fora da maior organização de saúde. As dinâmicas diplomáticas sofreram, sem dúvida, um ajuste e um enorme retrocesso. A cooperação ficará cada vez mais restrita aos blocos diplomáticos, em vez de uma procura solidária de melhorar o acesso e a equidade em saúde para todos. Num recente texto na Lancet, Ilona Kickbush diz que este grave recuo da saúde global arrasta o mundo até 1851, ano da primeira convenção internacional sobre segurança sanitária, sugerindo um retrocesso a um período anterior à cooperação internacional em saúde.

Não deixa de haver um toque de ironia nas vistas curtas da nova presidência americana. Preocupados com uma suposta influência e liderança chinesa na diplomacia da saúde, entregam totalmente este campeonato a Pequim. Além da saída da OMS, o fim do apoio a projetos bilaterais significa que os 50 mil milhões de dólares de investimento e doações chinesas a África, onde parte considerável destas verbas irá para o setor da saúde, serão mais valiosos e produzem mais efeitos positivos para a estratégia chinesa.

A saúde é cooperação e solidariedade. A União Europeia tem de se assumir como líder da saúde global, preocupada com o acesso aos cuidados de saúde e com a equidade. A nossa liderança, sem arrogância e envolvendo todos os parceiros e países, é a chave para salvar a saúde do planeta.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Ronaldo Sousa: “a metáfora da invasão biológica é uma arma contra os migrantes”

Em entrevista exclusiva ao Health News, o Professor Ronaldo Sousa, especialista em invasões biológicas da Universidade do Minho, alerta para os riscos de comparar migrações humanas com invasões biológicas. Ele destaca como essa retórica pode reforçar narrativas xenófobas e distorcer a perceção pública sobre migrantes, enfatizando a necessidade de uma abordagem interdisciplinar para políticas migratórias mais éticas

OMS alcança acordo de princípio sobre tratado pandémico

Os delegados dos Estados membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) chegaram este sábado, em Genebra, a um acordo de princípio sobre um texto destinado a reforçar a preparação e a resposta global a futuras pandemias.

Prémio Inovação em Saúde: IA na Sustentabilidade

Já estão abertas as candidaturas à 2.ª edição do Prémio “Inovação em Saúde: Todos pela Sustentabilidade”. Com foco na Inteligência Artificial aplicada à saúde, o concurso decorre até 30 de junho e inclui uma novidade: a participação de estudantes do ensino superior.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights