Miguel Raimundo: “A endometriose não impede o sonho de ser mãe”

03/18/2025
Em entrevista exclusiva ao Healthnews, o Dr. Miguel Raimundo, Médico Especialista em Ginecologia, Obstetrícia e PMA, aborda os desafios da endometriose e os avanços na fertilização in vitro (FIV), destacando que "a FIV é um avanço muito importante para concretizar o sonho da maternidade, mesmo em casos graves.

Healthnews (HN) – A endometriose é uma condição que afeta muitas mulheres em idade reprodutiva. Como é que esta doença impacta a fertilidade e que abordagens existem atualmente para ajudar as mulheres que desejam engravidar?

Miguel Raimundo (MR) – A endometriose é uma doença inflamatória crónica, complexa, que afeta cerca de 700 mil mulheres em idade fértil, em Portugal. É importante perceber que uma mulher com o diagnóstico de endometriose pode ser mãe e que há métodos eficazes para concretizar este processo.

A diminuição da reserva ovariana, a redução da qualidade dos óvulos, os desequilíbrios hormonais, as aderências pélvicas e a obstrução das trompas de Falópio são fatores frequentemente associados à infertilidade em mulheres com endometriose. Neste contexto, a fertilização in vitro (FIV) é frequentemente recomendada como a abordagem mais eficaz para alcançar uma gravidez. A cirurgia laparoscópica, destinada à remoção de lesões endometriais, pode ser considerada previamente a tratamentos de transferência de embrião, especialmente em casos mais graves da doença.

Embora a endometriose dificulte o processo de engravidar, há diversas abordagens no âmbito da medicina reprodutiva que podem ajudar as mulheres com endometriose a concretizar o sonho de ter um filho.

Avanços na Medicina Reprodutiva
HN – Nos últimos anos, que avanços considera mais significativos na área da medicina reprodutiva, especialmente no que diz respeito ao tratamento de condições como a endometriose?

MR – Nos casos de endometriose, a fertilização in vitro (FIV) constitui um avanço significativo. Este procedimento evoluiu consideravelmente ao longo dos anos, tornando-se atualmente uma das soluções mais eficazes para ultrapassar a infertilidade associada à doença.

A FIV é um método que supera a maior parte dos desafios impostos pela doença. Possibilita a fecundação do óvulo fora do corpo da mulher sem a necessidade de trompas de Falópio saudáveis, o que aumenta a taxa de sucesso de uma fertilização.

A endometriose é uma doença que pode tornar a gravidez natural um processo muito demorado e muito desgastante física e mentalmente para os casais. A FIV é, sem dúvida, um avanço muito importante para concretizar o sonho da maternidade, mesmo em casos em que a doença é mais grave.

Desafios no Diagnóstico
HN – A endometriose é frequentemente subdiagnosticada ou diagnosticada tardiamente. Quais são os principais desafios no diagnóstico precoce desta condição e que medidas podem ser tomadas para melhorar esta situação?

MR – Os sintomas da endometriose, como dores menstruais intensas, dor pélvica crónica e dificuldades na conceção, são frequentemente considerados normais ou desvalorizados, o que contribui para atrasos significativos no diagnóstico. Além disso, a ausência de um método simples e não invasivo dificulta ainda mais a deteção precoce. Atualmente, a laparoscopia é o método diagnóstico mais fiável, permitindo uma biópsia dirigida e o diagnóstico definitivo. Contudo, por ser invasiva, é muitas vezes adiada por médicos e pacientes.

A todas estas dificuldades soma-se o facto de ainda existir um grande desconhecimento sobre a endometriose, tanto entre pacientes como entre profissionais de saúde. Torna-se, por isso, essencial aumentar a sensibilização e o conhecimento sobre a doença, para que os sintomas possam ser reconhecidos e valorizados precocemente. Informar corretamente médicos e pacientes permite não apenas um diagnóstico mais rápido, mas também a implementação precoce dos tratamentos adequados.

Impacto Psicológico
HN – Para além das implicações físicas, a endometriose e os problemas de fertilidade podem ter um impacto psicológico significativo. Como é que os profissionais de saúde podem apoiar os doentes a lidar com estes desafios emocionais?

MR – Para além de ajudarmos no controlo o problema que é a endometriose, o desafio de ajudar os nossos pacientes a gerir a parte emocional é um dos maiores em todo este processo. Aconselhamos, naturalmente, o apoio psicológico e, em alguns casos, até mesmo a ajuda de um psiquiatra.

É importante garantir um tratamento multidisciplinar. Sem a ajuda de uma equipa com várias especialidades, seria impossível ajudar quem procura a nossa ajuda. A depressão, a frustração e até mesmo a raiva são sentimentos comuns nas mulheres com endometriose, que muitas vezes agravam quando tenta engravidar. É mesmo crucial que não sejam apenas tratadas por um médico ginecologista, e sim por profissionais das diversas áreas de terapêutica.

Consciencialização e Educação
HN – Este mês é particularmente relevante para a consciencialização sobre a endometriose. Que medidas considera essenciais para aumentar o conhecimento público sobre esta condição e os seus efeitos na saúde reprodutiva?

MR – É importante falar mais sobre a questão da endometriose e não nos lembrarmos apenas que esta doença existe e afeta milhares de mulheres em Portugal quando se assinala o mês da consciencialização desta doença.

Atualmente há muitos canais por onde divulgar informação. As redes sociais são uma ferramenta muito importante para desmistificar este tipo de questões e informá-las. No meu perfil de Instagram, por exemplo, todas as quintas-feiras deste mês abro um espaço de questões e de esclarecimento com outros profissionais para respondermos ao público. Debates e encontros mais formais também são uma excelente forma de informar e consciencializar as pessoas. Sejam mulheres, homens, em idade fértil ou não, são ações que, e principalmente nos dias de hoje, considero essenciais.

Futuro da Medicina Reprodutiva
HN – Olhando para o futuro, que desenvolvimentos ou inovações espera ver na área da medicina reprodutiva, especialmente no que diz respeito ao tratamento de condições complexas como a endometriose?

MR – É esperado que a medicina reprodutiva continue a evoluir, especialmente em questões como a endometriose. Acho que, num futuro próximo, teremos a inteligência artificial introduzida nos procedimentos da medicina reprodutiva. A inteligência artificial pode ajudar na seleção embrionária, aumentado as taxas de sucesso e reduzindo o tempo necessário para engravidar.

Acho que o futuro da medicina reprodutiva passará muito por abordagens muito mais personalizadas às pacientes, muito menos evasivas e sempre com o apoio da tecnologia. Tudo para que as mulheres diagnosticadas com endometriose tenham direito a melhores opções, soluções mais eficazes e mais esperança para concretizarem o sonho da maternidade.

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