“Nuno Jacinto: Estratégias para Resgatar a Medicina Geral e Familiar em Portugal”

03/31/2025
Em entrevista exclusiva ao Healthnews, à margem do 42.º Encontro Nacional de Medicina Geral e Familiar, que decorreu por estes dias em Tróia, Nuno Jacinto, Presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, reflete sobre os desafios e soluções para a Medicina Familiar em Portugal

HealthNews (HN) – Como avalia as declarações feitas pelo antigo diretor executivo do SNS Fernando Araújo, sobre a falta de confiança do Governo nos médicos de família?

Nuno Jacinto (NJ) – O problema não parece ser apenas falta de confiança, mas sobretudo a ausência de um rumo claro para o futuro. A constante mudança de lideranças, sistemas organizacionais e políticas remuneratórias gera instabilidade e ineficácia. É urgente definir uma estratégia a médio prazo que não dependa de ciclos políticos ou campanhas eleitorais. A saúde não pode continuar a ser usada como arma política. É essencial ouvir os profissionais no terreno, compreender as suas propostas e estabelecer objetivos claros.

HN – O aumento do número de utentes sem médico de família foi apontado como um dos grandes falhanços da governação atual. Que medidas considera mais eficazes para reverter esta situação?

NJ – Este é um problema que já se arrasta há mais de uma década. Apesar de formarmos mais médicos de família do que nunca, não conseguimos retê-los no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para mudar este cenário, é necessário oferecer condições atrativas. Isso inclui, não apenas remunerações dignas, mas também flexibilidade nos horários, concursos atempados, mobilidade garantida e autonomia das equipas. Além disso, é crucial melhorar os sistemas de informação para facilitar o trabalho diário dos médicos. Não se trata apenas de investir mais dinheiro, mas sim de criar um ambiente onde os profissionais sintam que têm um papel valorizado e condições adequadas para exercerem a sua função.

HN – Qual deve ser o papel dos médicos de família na construção de uma visão estratégica para o SNS?

NJ – Os médicos de família devem ter um papel ativo na definição das políticas públicas. Ao longo dos anos, têm apresentado soluções concretas para os problemas do sistema. Um exemplo disso foi a reforma dos cuidados primários, há 20 anos, que nasceu precisamente das ideias destes profissionais. É fundamental que as propostas vindas do terreno sejam reconhecidas e implementadas por quem tem poder de decisão. Resolver os problemas do SNS não será imediato, mas é essencial mostrar que há progresso e que se está no caminho certo.

HN – Como atrair mais médicos para o SNS?

NJ – A solução passa por valorizar a carreira médica no SNS. Isso implica, não só oferecer salários competitivos, mas também criar condições que respeitem o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. É necessário reduzir a dependência excessiva de incentivos ou suplementos e garantir estabilidade nas condições contratuais. Além disso, é importante reconhecer o papel único dos médicos de família e evitar sobrecarregá-los com tarefas que poderiam ser desempenhadas por outros profissionais.

HN – Quais são os principais obstáculos à implementação destas mudanças?

NJ – A principal dificuldade reside na falta de continuidade das políticas públicas devido às mudanças frequentes nas lideranças e orientações estratégicas. O imediatismo político também prejudica a implementação de soluções sustentáveis a longo prazo. É necessário um compromisso político transversal que permita uma visão clara e consistente para o futuro do SNS.

HN – Que mensagem gostaria de deixar aos seus colegas médicos?

NJ – Apesar das adversidades, é importante continuar a lutar por melhores condições para os profissionais e para os utentes. As soluções existem; o desafio está em implementá-las com determinação e visão estratégica. Os médicos têm demonstrado resiliência e capacidade para enfrentar desafios complexos, e isso será crucial para construir um SNS mais forte e eficiente.

HN/Antónia Lisboa

 

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Rui Afonso é o novo partner da ERA Group

Rui Afonso é o novo partner da ERA Group, consultora especializada em otimização de custos e processos para as empresas. Com mais de 25 anos de experiência em gestão de negócios, vendas e liderança de equipas no setor dos dispositivos médicos, reforça agora a equipa da ERA Group em Portugal, trazendo a sua abordagem estratégica, motivação e paixão pelo setor da saúde. 

Fundação Portuguesa de Cardiologia – Delegação Norte lança “Ritmo Anárquico”, programa de rastreios gratuitos à fibrilação auricular

A Fundação Portuguesa de Cardiologia – Delegação Norte vai lançar a campanha “Ritmo Anárquico”, um programa de rastreios gratuitos à fibrilação auricular na região norte do País. A iniciativa vai arrancar na sede da Fundação Portuguesa de Cardiologia, no Porto, no dia 4 de abril, com rastreios a decorrer entre as 10h00 e as 13h00 e as 14h00 e as 17h00.

Fórum da Saúde Respiratória debate a estratégia para a DPOC em Portugal

Com o objetivo de colocar as doenças respiratórias como uma prioridade nas políticas públicas de saúde em Portugal, terá lugar no próximo dia 9 de abril, das 9h às 13h, no edifício Impresa, em Paço de Arcos, o Fórum Saúde Respiratória 2025: “Doenças Respiratórias em Portugal: A Urgência de Uma Resposta Integrada e Sustentável”.

Gilead, APAH, Exigo e Vision for Value lançam 4ª Edição do Programa Mais Valor em Saúde – Vidas que Valem

O Programa Mais Valor em Saúde – Vidas que Valem anuncia o início da sua 4ª edição, reforçando o compromisso com a promoção da cultura de Value-Based Healthcare (VBHC) em Portugal. Esta edição conta com um novo parceiro, a Vision for Value, uma empresa dedicada à implementação de projetos de VBHC, que se junta à Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), EXIGO, Gilead Sciences, e ao parceiro tecnológico MEO Empresas.​

Medicamento para o tratamento da obesidade e único recomendado para a redução do risco de acontecimentos cardiovasculares adversos graves já está disponível em Portugal

O Wegovy® (semaglutido 2,4 mg), medicamento para o tratamento da obesidade, poderá ser prescrito a partir do dia 1 de abril de 2025 em Portugal, dia em que a Novo Nordisk iniciará a sua comercialização e abastecimento aos armazenistas. O Wegovy® estará disponível nas farmácias portuguesas a partir do dia 7 de abril.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights