HealthNews (HN) – Como avalia as declarações feitas pelo antigo diretor executivo do SNS Fernando Araújo, sobre a falta de confiança do Governo nos médicos de família?
Nuno Jacinto (NJ) – O problema não parece ser apenas falta de confiança, mas sobretudo a ausência de um rumo claro para o futuro. A constante mudança de lideranças, sistemas organizacionais e políticas remuneratórias gera instabilidade e ineficácia. É urgente definir uma estratégia a médio prazo que não dependa de ciclos políticos ou campanhas eleitorais. A saúde não pode continuar a ser usada como arma política. É essencial ouvir os profissionais no terreno, compreender as suas propostas e estabelecer objetivos claros.
HN – O aumento do número de utentes sem médico de família foi apontado como um dos grandes falhanços da governação atual. Que medidas considera mais eficazes para reverter esta situação?
NJ – Este é um problema que já se arrasta há mais de uma década. Apesar de formarmos mais médicos de família do que nunca, não conseguimos retê-los no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para mudar este cenário, é necessário oferecer condições atrativas. Isso inclui, não apenas remunerações dignas, mas também flexibilidade nos horários, concursos atempados, mobilidade garantida e autonomia das equipas. Além disso, é crucial melhorar os sistemas de informação para facilitar o trabalho diário dos médicos. Não se trata apenas de investir mais dinheiro, mas sim de criar um ambiente onde os profissionais sintam que têm um papel valorizado e condições adequadas para exercerem a sua função.
HN – Qual deve ser o papel dos médicos de família na construção de uma visão estratégica para o SNS?
NJ – Os médicos de família devem ter um papel ativo na definição das políticas públicas. Ao longo dos anos, têm apresentado soluções concretas para os problemas do sistema. Um exemplo disso foi a reforma dos cuidados primários, há 20 anos, que nasceu precisamente das ideias destes profissionais. É fundamental que as propostas vindas do terreno sejam reconhecidas e implementadas por quem tem poder de decisão. Resolver os problemas do SNS não será imediato, mas é essencial mostrar que há progresso e que se está no caminho certo.
HN – Como atrair mais médicos para o SNS?
NJ – A solução passa por valorizar a carreira médica no SNS. Isso implica, não só oferecer salários competitivos, mas também criar condições que respeitem o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. É necessário reduzir a dependência excessiva de incentivos ou suplementos e garantir estabilidade nas condições contratuais. Além disso, é importante reconhecer o papel único dos médicos de família e evitar sobrecarregá-los com tarefas que poderiam ser desempenhadas por outros profissionais.
HN – Quais são os principais obstáculos à implementação destas mudanças?
NJ – A principal dificuldade reside na falta de continuidade das políticas públicas devido às mudanças frequentes nas lideranças e orientações estratégicas. O imediatismo político também prejudica a implementação de soluções sustentáveis a longo prazo. É necessário um compromisso político transversal que permita uma visão clara e consistente para o futuro do SNS.
HN – Que mensagem gostaria de deixar aos seus colegas médicos?
NJ – Apesar das adversidades, é importante continuar a lutar por melhores condições para os profissionais e para os utentes. As soluções existem; o desafio está em implementá-las com determinação e visão estratégica. Os médicos têm demonstrado resiliência e capacidade para enfrentar desafios complexos, e isso será crucial para construir um SNS mais forte e eficiente.
HN/Antónia Lisboa
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