A Região Autónoma da Madeira entra num novo período programático, na sequência das recentes eleições legislativas regionais. Em paralelo, Portugal prepara-se para um novo ciclo político nacional, com as eleições para a Assembleia da República e, com elas, a definição de um novo ciclo orçamental e programático. Este é, por isso, o momento certo para recolocar em cima da mesa uma questão fundamental: qual o lugar do bem-estar e da longevidade na discussão orçamental e nas prioridades do Estado?
A resposta não pode continuar a ser adiada. Como defendeu o professor Constantino Sakellarides, num dos seus artigos recentes, “o Orçamento do Estado não pode continuar a ser uma questão técnica e departamental”. Deve ser, antes de mais, um instrumento político de resposta às necessidades sociais, à promoção do bem-estar e à organização das condições da vida em comum. Numa sociedade cada vez mais envelhecida, ignorar a longevidade nas grandes escolhas orçamentais é ignorar a realidade do país e do seu futuro.
Neste contexto, torna-se urgente analisar os mecanismos que limitam a ação pública nesta matéria. Em Portugal, como em muitos países europeus, todos os ministérios estão subordinados ao Ministério das Finanças no que respeita à definição orçamental e às prioridades de despesa pública. Esta centralização do poder financeiro significa que, mesmo quando um ministério desenvolve políticas públicas sólidas, estas só avançam se obtiverem o aval das Finanças. A tecnocracia orçamental acaba por condicionar a política programática, criando bloqueios estruturais à inovação social e ao investimento sustentável no bem-estar.
Exemplos não faltam. A Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável (ENEAS), aprovada em 2017, ficou anos por implementar. Só em 2019 foi tornada obrigatória por via da Lei do Orçamento do Estado, e apenas em 2023 foi finalmente apresentado um plano de ação concreto. Esta demora não se deve à ausência de vontade técnica ou evidência científica, mas à falta de autonomia financeira das entidades responsáveis. Estas dependem das prioridades conjunturais e das margens orçamentais autorizadas pelo Ministério das Finanças.
A importância dos organismos e dos instrumentos de planeamento é fundamental para garantir a definição e implementação eficaz de políticas públicas e para uma análise prospetiva consistente. Estes organismos e instrumentos têm como principal objetivo acompanhar e reforçar cada uma das fases do ciclo da política pública – antecipação e planeamento, desenho e implementação, monitorização e avaliação – promovendo a criação e consolidação de metodologias e competências, internas e na estrutura pública, que sustentem uma atuação pública de qualidade. Só assim se assegura uma ação coerente que ligue, de forma estratégica, os objetivos de bem-estar e longevidade aos objetivos orçamentais. Esta conexão é essencial para garantir a sustentabilidade das políticas no médio e longo prazo, num contexto de restrições financeiras e de exigências sociais crescentes, especialmente numa sociedade que envelhece aceleradamente.
A Região Autónoma da Madeira (RAM), ainda que detenha autonomia financeira nos termos da Constituição e do seu Estatuto Político-Administrativo, continua sujeita a regras nacionais de disciplina orçamental e a uma dependência significativa de transferências do Estado. Neste quadro, apresenta-se como um exemplo ao ter criado a Direção Regional para as Políticas Públicas Integradas e Longevidade (DRPPIL). Esta entidade de planeamento em políticas públicas integradas e apoio à governação, promove o diálogo, a negociação, a articulação, a cooperação intersetorial e a cultura colaborativa. A sua abordagem visa mitigar os efeitos das limitações orçamentais através de alianças institucionais, alinhamento estratégico e reforço da capacidade de influência sobre a alocação de recursos.
A DRPPIL assume-se assim como um modelo emergente de governação integradora, adaptada à longevidade e promotora de coerência entre setores.
O novo ciclo político e orçamental, tanto na Madeira como no país, é uma oportunidade ímpar para reconhecer o papel do Estado na longevidade. Como afirmou Sakellarides, “o orçamento deve ser da saúde e da educação, mas também da cultura, da segurança social, da longevidade, da sustentabilidade ambiental e da justiça intergeracional”. Reformar o pensamento orçamental é essencial para resgatar a centralidade das políticas públicas de longevidade como eixo estruturante do bem-estar coletivo.
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