Ana Clara Silva
Diretora Regional para as Políticas Publicas Integradas e Longevidade
Governo Regional da madeira

Políticas de Longevidade e Bem-estar: à espera de uma nova visão orçamental

03/31/2025

A Região Autónoma da Madeira entra num novo período programático, na sequência das recentes eleições legislativas regionais. Em paralelo, Portugal prepara-se para um novo ciclo político nacional, com as eleições para a Assembleia da República e, com elas, a definição de um novo ciclo orçamental e programático. Este é, por isso, o momento certo para recolocar em cima da mesa uma questão fundamental: qual o lugar do bem-estar e da longevidade na discussão orçamental e nas prioridades do Estado?

A resposta não pode continuar a ser adiada. Como defendeu o professor Constantino Sakellarides, num dos seus artigos recentes, “o Orçamento do Estado não pode continuar a ser uma questão técnica e departamental”. Deve ser, antes de mais, um instrumento político de resposta às necessidades sociais, à promoção do bem-estar e à organização das condições da vida em comum. Numa sociedade cada vez mais envelhecida, ignorar a longevidade nas grandes escolhas orçamentais é ignorar a realidade do país e do seu futuro.

Neste contexto, torna-se urgente analisar os mecanismos que limitam a ação pública nesta matéria. Em Portugal, como em muitos países europeus, todos os ministérios estão subordinados ao Ministério das Finanças no que respeita à definição orçamental e às prioridades de despesa pública. Esta centralização do poder financeiro significa que, mesmo quando um ministério desenvolve políticas públicas sólidas, estas só avançam se obtiverem o aval das Finanças. A tecnocracia orçamental acaba por condicionar a política programática, criando bloqueios estruturais à inovação social e ao investimento sustentável no bem-estar.

Exemplos não faltam. A Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável (ENEAS), aprovada em 2017, ficou anos por implementar. Só em 2019 foi tornada obrigatória por via da Lei do Orçamento do Estado, e apenas em 2023 foi finalmente apresentado um plano de ação concreto. Esta demora não se deve à ausência de vontade técnica ou evidência científica, mas à falta de autonomia financeira das entidades responsáveis. Estas dependem das prioridades conjunturais e das margens orçamentais autorizadas pelo Ministério das Finanças.

A importância dos organismos e dos instrumentos de planeamento é fundamental para garantir a definição e implementação eficaz de políticas públicas e para uma análise prospetiva consistente. Estes organismos e instrumentos têm como principal objetivo acompanhar e reforçar cada uma das fases do ciclo da política pública – antecipação e planeamento, desenho e implementação, monitorização e avaliação – promovendo a criação e consolidação de metodologias e competências, internas e na estrutura pública, que sustentem uma atuação pública de qualidade. Só assim se assegura uma ação coerente que ligue, de forma estratégica, os objetivos de bem-estar e longevidade aos objetivos orçamentais. Esta conexão é essencial para garantir a sustentabilidade das políticas no médio e longo prazo, num contexto de restrições financeiras e de exigências sociais crescentes, especialmente numa sociedade que envelhece aceleradamente.

A Região Autónoma da Madeira (RAM), ainda que detenha autonomia financeira nos termos da Constituição e do seu Estatuto Político-Administrativo, continua sujeita a regras nacionais de disciplina orçamental e a uma dependência significativa de transferências do Estado. Neste quadro, apresenta-se como um exemplo ao ter criado a Direção Regional para as Políticas Públicas Integradas e Longevidade (DRPPIL). Esta entidade de planeamento em políticas públicas integradas e apoio à governação, promove o diálogo, a negociação, a articulação, a cooperação intersetorial e a cultura colaborativa. A sua abordagem visa mitigar os efeitos das limitações orçamentais através de alianças institucionais, alinhamento estratégico e reforço da capacidade de influência sobre a alocação de recursos.

A DRPPIL assume-se assim como um modelo emergente de governação integradora, adaptada à longevidade e promotora de coerência entre setores.
O novo ciclo político e orçamental, tanto na Madeira como no país, é uma oportunidade ímpar para reconhecer o papel do Estado na longevidade. Como afirmou Sakellarides, “o orçamento deve ser da saúde e da educação, mas também da cultura, da segurança social, da longevidade, da sustentabilidade ambiental e da justiça intergeracional”. Reformar o pensamento orçamental é essencial para resgatar a centralidade das políticas públicas de longevidade como eixo estruturante do bem-estar coletivo.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Rui Afonso é o novo partner da ERA Group

Rui Afonso é o novo partner da ERA Group, consultora especializada em otimização de custos e processos para as empresas. Com mais de 25 anos de experiência em gestão de negócios, vendas e liderança de equipas no setor dos dispositivos médicos, reforça agora a equipa da ERA Group em Portugal, trazendo a sua abordagem estratégica, motivação e paixão pelo setor da saúde. 

Fundação Portuguesa de Cardiologia – Delegação Norte lança “Ritmo Anárquico”, programa de rastreios gratuitos à fibrilação auricular

A Fundação Portuguesa de Cardiologia – Delegação Norte vai lançar a campanha “Ritmo Anárquico”, um programa de rastreios gratuitos à fibrilação auricular na região norte do País. A iniciativa vai arrancar na sede da Fundação Portuguesa de Cardiologia, no Porto, no dia 4 de abril, com rastreios a decorrer entre as 10h00 e as 13h00 e as 14h00 e as 17h00.

Fórum da Saúde Respiratória debate a estratégia para a DPOC em Portugal

Com o objetivo de colocar as doenças respiratórias como uma prioridade nas políticas públicas de saúde em Portugal, terá lugar no próximo dia 9 de abril, das 9h às 13h, no edifício Impresa, em Paço de Arcos, o Fórum Saúde Respiratória 2025: “Doenças Respiratórias em Portugal: A Urgência de Uma Resposta Integrada e Sustentável”.

Gilead, APAH, Exigo e Vision for Value lançam 4ª Edição do Programa Mais Valor em Saúde – Vidas que Valem

O Programa Mais Valor em Saúde – Vidas que Valem anuncia o início da sua 4ª edição, reforçando o compromisso com a promoção da cultura de Value-Based Healthcare (VBHC) em Portugal. Esta edição conta com um novo parceiro, a Vision for Value, uma empresa dedicada à implementação de projetos de VBHC, que se junta à Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), EXIGO, Gilead Sciences, e ao parceiro tecnológico MEO Empresas.​

Medicamento para o tratamento da obesidade e único recomendado para a redução do risco de acontecimentos cardiovasculares adversos graves já está disponível em Portugal

O Wegovy® (semaglutido 2,4 mg), medicamento para o tratamento da obesidade, poderá ser prescrito a partir do dia 1 de abril de 2025 em Portugal, dia em que a Novo Nordisk iniciará a sua comercialização e abastecimento aos armazenistas. O Wegovy® estará disponível nas farmácias portuguesas a partir do dia 7 de abril.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights