Nas empresas, a legislação exige um rácio de médico e enfermeiro a tempo inteiro por número de trabalhadores; nas escolas, a saúde dos nossos filhos ainda não tem a mesma garantia. Está na hora de mudar!”
A recém-aprovada Lei n.º 54/2025, de 10 de abril, que aprova uma rede de serviços de psicologia nas escolas públicas e no ensino superior, estabelece um rácio mínimo de um psicólogo por cada 500 alunos, além de criar uma linha de apoio psicológico no ensino superior e alterar o Decreto-Lei n.º 190/91, de 17 de maio. Esta medida representa um avanço importante na área da saúde mental infantojuvenil.
No entanto, a promoção da saúde em meio escolar exige equipas verdadeiramente multidisciplinares. Psicólogos são essenciais, mas não podem atuar sozinhos. É necessária a presença de enfermeiros especialistas, com a competência em saúde escolar, nutricionistas, assistentes sociais, médicos de saúde pública ou outros técnicos, com atuação coordenada, continuidade e rácio proporcional ao número de alunos.
A ausência destes profissionais levanta questões não apenas operacionais, mas também éticas, legais e de equidade no acesso aos cuidados. Em países como França, a presença de enfermeiros escolares está legalmente consagrada. Segundo o Ministère de l’Éducation nationale, existem mais de 7.700 enfermeiros escolares com funções que incluem vigilância epidemiológica, cuidados de saúde, prevenção de comportamentos de risco e articulação com os serviços de saúde (Ministère de l’Éducation nationale, 2023). No Reino Unido, o modelo do School Nurse está igualmente consolidado, com diretrizes nacionais que enquadram a intervenção desde o ensino pré-escolar até ao secundário (UK Department of Health, 2022). .
Em contraste, Portugal não dispõe de qualquer legislação que obrigue à presença mínima de profissionais de saúde nas escolas públicas. Apesar da existência do Programa Nacional de Saúde Escolar (PNSE) desde 2015, a sua operacionalização depende da disponibilidade de equipas dos cuidados de saúde primários, frequentemente sobrecarregadas e sem tempo protegido para intervenção em contexto escolar. Fora de portas, há países onde os “school nurses” fazem parte do ecossistema escolar. Estão presentes nas equipas, nos planos de saúde escolares, na deteção precoce de sinais de risco. Não aparecem uma vez por período; estão lá. Todos os dias. Sem depender da boa vontade de um centro de saúde ou da disponibilidade pontual de uma equipa itinerante. E isso faz toda a diferença
Curiosamente, muitas escolas privadas, especialmente as de maior dimensão ou pertencentes a grandes grupos, já compreenderam esta necessidade e têm vindo a integrar enfermeiros e outros profissionais de saúde nos seus quadros, sobretudo para responder a crianças com doenças crónicas como a diabetes tipo 1, epilepsia ou alergias graves que exigem administração imediata de adrenalina. Este apoio é frequentemente solicitado pelos próprios docentes e assistentes operacionais, conscientes das suas limitações e da responsabilidade que carregam no acompanhamento de crianças em situação de risco.
A título de exemplo, a Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que regulamenta o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, obriga todas as entidades empregadoras, públicas ou privadas, a garantir serviços de saúde ocupacional com médicos e enfermeiros. No entanto, este princípio não se aplica às crianças e jovens que frequentam as escolas públicas. Esta assimetria jurídica é particularmente preocupante, considerando que as escolas são locais de permanência prolongada, onde ocorrem episódios de emergência, agravamentos clínicos e situações psicossociais complexas.
Um estudo do American Heart Association (2017) sugere que, em escolas com enfermeiros a tempo inteiro, o custo por aluno para manter um programa de resposta a emergências com DAE certificado é 27% inferior ao de escolas onde essa responsabilidade recai sobre professores e funcionários sem formação em saúde. Ou seja em Portugal ,a resposta a situações de emergência é outro fator crítico. A maioria das escolas públicas não dispõe de desfibrilhadores automáticos externos (DAE), ou, quando os tem, não garante a presença de profissionais habilitados a utilizá-los.
Para além da segurança, há benefícios documentados na eficiência organizacional. Um estudo publicado na Journal of School Health demonstrou que a presença de enfermeiros escolares a tempo inteiro está associada à redução do absentismo escolar, melhoria dos resultados académicos e diminuição do número de encaminhamentos desnecessários para os serviços de urgência (Wang et al., 2014).
A mais recente estimativa da Federação Nacional de Professores (Fenprof) indica que há mais de 157 mil alunos com necessidades educativas específicas em Portugal, mas apenas 8,2% estão abrangidos por medidas adicionais ou seletivas. Este défice de resposta compromete os princípios de equidade e inclusão e expõe fragilidades na articulação entre os setores da saúde e da educação. O mesmo estudo revela que em 70% das escolas não existe qualquer profissional de saúde presente de forma regular — uma lacuna que impacta diretamente a resposta às necessidades das crianças e o apoio às famílias.
[Fenprof, 2025].
Neste contexto, é fundamental que os partidos políticos incluam nos seus programas eleitorais para 2026 propostas concretas que assegurem:
- A definição legal de rácios mínimos de profissionais de saúde escolar por número de alunos;
- A criação de carreiras específicas e formação contínua para as equipas multidisciplinares em contexto educativo;
- O financiamento da instalação de equipamentos de emergência (ex: DAE) e a certificação do pessoal afeto;
- A avaliação de impacto do investimento em saúde escolar nos resultados académicos, saúde pública e custos em saúde.
Agora, é hora de os pais se mobilizarem! Exijam que os partidos políticos incluam nos seus programas eleitorais o reforço das equipas de saúde escolar, com a presença de enfermeiros especializados e outros profissionais essenciais.
A defesa de equipas multidisciplinares permanentes de saúde escolar, com presença regular e atuação integrada, deve ser encarada como uma prioridade estratégica. Mais do que uma opção técnica, trata-se de uma escolha com implicações humanas, sociais e políticas.
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