A ocorrência de eventos inesperados, como desastres naturais, surtos epidémicos ou falhas nas infraestruturas, levanta uma questão central: estarão os líderes do setor da saúde preparados para responder eficazmente em situações extremas?
No contexto da saúde, a imprevisibilidade é uma característica inerente aos sistemas. Assim, a verdadeira questão não é se um evento extremo ocorrerá, mas se as lideranças estão preparadas para uma resposta eficaz e sustentável. Desenvolver modelos de liderança adaptados à complexidade dos sistemas de saúde modernos deve ser uma prioridade urgente. A liderança em saúde não pode ser vista como uma competência acessória, mas como uma necessidade crítica para garantir a continuidade dos serviços, mesmo sob condições extremas1.
A pandemia de COVID-19 revelou de forma inequívoca as fragilidades das estruturas tradicionais de gestão, destacando a necessidade de uma liderança adaptativa e resiliente. Desde então, novos eventos inesperados — como apagões, sismos ou falhas tecnológicas — continuaram a desafiar a capacidade de resposta do setor da saúde. A experiência pandémica demonstrou que unidades hospitalares com lideranças mais colaborativas e flexíveis foram significativamente mais eficazes na reorganização dos serviços, na proteção das equipas e na continuidade dos cuidados. Esta realidade tem-se confirmado noutros episódios recentes, em que contextos de elevada pressão exigiram decisões rápidas, articulação entre equipas multidisciplinares e uma gestão ágil e eficiente dos recursos disponíveis. Nestes cenários, a liderança assume-se como um elemento decisivo para assegurar a resiliência organizacional e a eficácia da resposta em saúde2.
Esta necessidade torna-se ainda mais evidente quando se reconhece que as organizações de saúde funcionam como sistemas adaptativos complexos, compostos por profissionais heterogéneos — médicos, enfermeiros, técnicos e gestores — que operam em ambientes dinâmicos, marcados pela interdependência e incerteza. Neste contexto, a liderança não pode ser baseada apenas em modelos hierárquicos rígidos. É essencial adotar uma abordagem paradoxal que combine estabilidade e flexibilidade, promovendo inovação, comunicação eficaz e coesão entre os diferentes níveis da organização3. Em emergências, como as enfrentadas pelos serviços de urgência e unidades de cuidados intensivos, a liderança torna-se ainda mais crítica. Estes serviços lidam com situações de alta complexidade sob enorme pressão, e necessitam de garantir recursos de qualidade e atender à crescente procura por cuidados de saúde4.
O estudo da liderança em saúde, especialmente em contextos extremos, deve ser uma prioridade estratégica. Dentro da ciência da complexidade, reconhece-se que os sistemas de saúde estão em constante evolução, respondendo a mudanças epidemiológicas, demográficas e sociais. Nesse contexto, é essencial que os líderes de saúde possuam competências específicas para atuar eficazmente em situações imprevisíveis e extremas, garantindo não só a continuidade dos serviços, mas também fortalecendo a resiliência das equipas e a capacidade de resposta do sistema de saúde5.
À medida que o mundo enfrenta crises cada vez mais frequentes, o papel da liderança na saúde torna-se mais fundamental. Investir no desenvolvimento de líderes capazes de atuar em ambientes complexos e incertos deve ser uma prioridade. A liderança eficaz em emergências não se resume a decisões rápidas, mas à criação de uma cultura organizacional resiliente, capaz de se adaptar rapidamente às necessidades da comunidade e responder de forma eficaz. Para alcançar esse objetivo, é essencial investir na formação contínua das equipas de liderança, preparando-as para a imprevisibilidade dos desafios futuros6.
Referências
- Weick, K. E., & Sutcliffe, K. M. (2015). Managing the unexpected: Sustained performance in a complex world (3rd ed.).
- World Health Organization (WHO). (2020). Strengthening health security by implementing the International Health Regulations (2005). https://who.int/ihr/
- Begun, J. W., Zimmerman, B., & Dooley, K. (2003). Health care organizations as complex adaptive systems. In Mick, S. M. & Wyttenbach, M. (Eds.), Advances in Health Care Organization Theory (pp. 253–288). Jossey-Bass.
- Peters, D. H. (2021). Health policy and systems research: The future of health systems to achieve the Sustainable Development Goals. BMJ Global Health, 6(2), e004536. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2020-004536
- Fridell, M., Edwin, S., von Schreeb, J., & Saulnier, D. D. (2022). Health system resilience: What are we talking about? A scoping review mapping characteristics and keywords. BMJ Global Health, 7(2), e007753. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-007753
- Boin, A., ‘t Hart, P., & Kuipers, S. (2018). The crisis approach. In Rodriguez, H., Donner, W., & Trainor, J. E. (Eds.), Handbook of Disaster Research (2nd ed., pp. 23–38).
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