Carolina Duarte Lopes Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa. Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP), Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa.

Liderança em Saúde em Eventos Extremos: Estamos preparados?

05/04/2025

A ocorrência de eventos inesperados, como desastres naturais, surtos epidémicos ou falhas nas infraestruturas, levanta uma questão central: estarão os líderes do setor da saúde preparados para responder eficazmente em situações extremas?

No contexto da saúde, a imprevisibilidade é uma característica inerente aos sistemas. Assim, a verdadeira questão não é se um evento extremo ocorrerá, mas se as lideranças estão preparadas para uma resposta eficaz e sustentável. Desenvolver modelos de liderança adaptados à complexidade dos sistemas de saúde modernos deve ser uma prioridade urgente. A liderança em saúde não pode ser vista como uma competência acessória, mas como uma necessidade crítica para garantir a continuidade dos serviços, mesmo sob condições extremas1.

A pandemia de COVID-19 revelou de forma inequívoca as fragilidades das estruturas tradicionais de gestão, destacando a necessidade de uma liderança adaptativa e resiliente. Desde então, novos eventos inesperados — como apagões, sismos ou falhas tecnológicas — continuaram a desafiar a capacidade de resposta do setor da saúde. A experiência pandémica demonstrou que unidades hospitalares com lideranças mais colaborativas e flexíveis foram significativamente mais eficazes na reorganização dos serviços, na proteção das equipas e na continuidade dos cuidados. Esta realidade tem-se confirmado noutros episódios recentes, em que contextos de elevada pressão exigiram decisões rápidas, articulação entre equipas multidisciplinares e uma gestão ágil e eficiente dos recursos disponíveis. Nestes cenários, a liderança assume-se como um elemento decisivo para assegurar a resiliência organizacional e a eficácia da resposta em saúde2.

Esta necessidade torna-se ainda mais evidente quando se reconhece que as organizações de saúde funcionam como sistemas adaptativos complexos, compostos por profissionais heterogéneos — médicos, enfermeiros, técnicos e gestores — que operam em ambientes dinâmicos, marcados pela interdependência e incerteza. Neste contexto, a liderança não pode ser baseada apenas em modelos hierárquicos rígidos. É essencial adotar uma abordagem paradoxal que combine estabilidade e flexibilidade, promovendo inovação, comunicação eficaz e coesão entre os diferentes níveis da organização3. Em emergências, como as enfrentadas pelos serviços de urgência e unidades de cuidados intensivos, a liderança torna-se ainda mais crítica. Estes serviços lidam com situações de alta complexidade sob enorme pressão, e necessitam de garantir recursos de qualidade e atender à crescente procura por cuidados de saúde4.

O estudo da liderança em saúde, especialmente em contextos extremos, deve ser uma prioridade estratégica. Dentro da ciência da complexidade, reconhece-se que os sistemas de saúde estão em constante evolução, respondendo a mudanças epidemiológicas, demográficas e sociais. Nesse contexto, é essencial que os líderes de saúde possuam competências específicas para atuar eficazmente em situações imprevisíveis e extremas, garantindo não só a continuidade dos serviços, mas também fortalecendo a resiliência das equipas e a capacidade de resposta do sistema de saúde5.

À medida que o mundo enfrenta crises cada vez mais frequentes, o papel da liderança na saúde torna-se mais fundamental. Investir no desenvolvimento de líderes capazes de atuar em ambientes complexos e incertos deve ser uma prioridade. A liderança eficaz em emergências não se resume a decisões rápidas, mas à criação de uma cultura organizacional resiliente, capaz de se adaptar rapidamente às necessidades da comunidade e responder de forma eficaz. Para alcançar esse objetivo, é essencial investir na formação contínua das equipas de liderança, preparando-as para a imprevisibilidade dos desafios futuros6.

Referências

  1. Weick, K. E., & Sutcliffe, K. M. (2015). Managing the unexpected: Sustained performance in a complex world (3rd ed.).
  2. World Health Organization (WHO). (2020). Strengthening health security by implementing the International Health Regulations (2005). https://who.int/ihr/
  3. Begun, J. W., Zimmerman, B., & Dooley, K. (2003). Health care organizations as complex adaptive systems. In Mick, S. M. & Wyttenbach, M. (Eds.), Advances in Health Care Organization Theory (pp. 253–288). Jossey-Bass.
  4. Peters, D. H. (2021). Health policy and systems research: The future of health systems to achieve the Sustainable Development Goals. BMJ Global Health, 6(2), e004536. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2020-004536
  5. Fridell, M., Edwin, S., von Schreeb, J., & Saulnier, D. D. (2022). Health system resilience: What are we talking about? A scoping review mapping characteristics and keywords. BMJ Global Health, 7(2), e007753. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-007753
  6. Boin, A., ‘t Hart, P., & Kuipers, S. (2018). The crisis approach. In Rodriguez, H., Donner, W., & Trainor, J. E. (Eds.), Handbook of Disaster Research (2nd ed., pp. 23–38).

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