Hugo Ribeiro, MD, MSc, PhD Médico paliativista na ECSCP Gaia - ULS Gaia e Espinho Professor Auxiliar convidado da FMUC e da FMUP “Ordem com Confiança”, Lista C, à Secção Regional Norte da Ordem dos Médicos Júlia Magalhães, Nr, MSc Enfermeira responsável pela ECSCP Gaia – ULS Gaia e Espinho

Presente e futuro da Medicina Paliativa e dos Cuidados Paliativos: onde estamos e para onde queremos ir?

05/12/2025

Os cuidados paliativos (CP) estão focados na qualidade de vida de doentes com alta complexidade clínica, e que enfrentam doenças graves e ameaçadoras da vida.

Todos nós devíamos ter formação básica em CP, atendendo à necessidade de termos conhecimentos e desenvolvermos aptidões no controlo da dor e de outros sintomas, na comunicação, no trabalho em equipa e no apoio à família.

A medicina paliativa deve ser uma especialidade médica que domine estas áreas com maior precisão, para além de ter que se diferenciar na caracterização e avaliação multidimensional individual do doente, nas trajetórias das doenças e das terapêuticas dirigidas, aprofundando conhecimentos em farmacologia clínica e em valor acrescentado em saúde.

Porque a medicina paliativa pode e deve contribuir para melhores decisões, identificando com a maior exatidão possível o momento individual na trajetória de vida de cada doente e optimizando outcomes, redefinindo alvos terapêuticos, e oferecendo benefício, atenuando o dano potencial que podemos criar com a nossa intervenção.

A medicina paliativa deve ser a especialidade médica que lidera os cuidados paliativos especializados, serviços que devem ser recrutados quando a complexidade clínica do doente assim o exija. E dentro das áreas de expertise dos paliativistas, as que se devem assumir como preponderantes são o controlo sintomático e a adaptação terapêutica.

A comunicação (de más notícias, gestão de conflitos, entre outros aspectos), o trabalho em equipa, o apoio à família e a gestão do luto são áreas que não justificam per si a referenciação a uma equipa especializada em cuidados paliativos e sim, eventualmente, a outras especialidades. Precisamos de comunicar melhor, precisamos de trabalhar melhor com os outros, e precisamos de estar mais atentos às necessidades sociais dos nossos doentes.

Os CP não estão focados no fim de vida. A pergunta surpresa é obsoleta (“ficaria surpreendido se o seu doente falecesse nos próximos 12 meses? Se não ficaria, então o doente deve ser encaminhado para os CP”). Esta questão já não se devia colocar na formação em CP há imenso tempo, mas infelizmente continua a fazer parte de alguns manuais.

Temos que perceber se queremos uma área arcaica, estagnada, que fazia todo o sentido nos anos 60 do século passado. Ou se queremos evoluir, trazendo tudo o que podemos oferecer aos nossos doentes, com a exigência técnica e científica que todas as outras áreas têm.

Uma coisa é falarmos de cuidados paliativos e os conhecimentos que – repetimos – todos devíamos ter. Outra coisa é a medicina paliativa e os cuidados paliativos especializados, que têm que ser muito mais diferenciados.

Num modelo organizacional de alta performance em CP será expectável que estes serviços não acumulem doentes aos quais não acrescentam valor. Há muitos doentes que precisam de CP especializados apenas de forma intermitente, quando há agravamento e aumento da complexidade clínica, particularmente os doentes com demência, com insuficiência de órgão ou com síndrome de fragilidade e síndrome de imobilidade, que hoje já são a maior fatia de doentes a necessitar de CP.

Há que desenvolver e disseminar este modelo, assente em resultados. Temos que medir a saúde que andamos a gerar. E temos que publicar. No nosso caso, é o que temos feito.

Na experiência que temos tido, numa Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP) de uma grande cidade portuguesa, o modelo assentou em alguns pressupostos organizacionais, como a confiança da liderança no valor acrescentado de cada um dos seus elementos, e na capacidade de identificar necessidades e oportunidades para melhoria, onde a monitorização dos resultados clínicos e biopsicossociais foi essencial. O que é que nós temos oferecido aos nossos doentes? Qual é o verdadeiro impacto da nossa intervenção? Qual é o nosso propósito?

Medimos satisfação (dos utentes e dos profissionais), recursos utilizados e qualidade (celeridade de resposta, monitorização do controlo de sintomas e da qualidade de vida, avaliação da sobrevivência, da segurança, da eficiência, da equidade e do ajuste às necessidades individuais de cada doente e família).

É por isso que afirmamos que é possível, com muito menos recursos investidos, não termos listas de espera, termos uma primeira consulta após referenciação com mediana inferior a 24 horas, e com menos de 1% de recusa de referenciações (casos em que explicamos o que pode e deve ser feito para a sua orientação mais adequada). Isto tendo uma casuística idêntica ou até superior aos grandes centros mundiais, que publicaram estudos idênticos.

Possibilitámos mais qualidade de vida, melhor controlo sintomático, melhores ajustes às características individuais dos doentes de cada fármaco utilizado e optimizámos os alvos terapêuticos. Os doentes sobreviveram significativamente mais do que era expectável, estiveram mais satisfeitos e recorreram à urgência muito menos vezes (apenas avaliando 323 doentes durante um ano, evitámos cerca de 3000 recorrências às urgências, que não iriam ter valor acrescentando e poderiam ser altamente danosas).

Se tudo isto é verdade, se tudo isto está comprovado e publicado em revistas internacionais de prestígio, se tudo isto já foi divulgado a nível local e a nível nacional, por que não se avança com os CP?

Em Portugal é habitual não se dar o devido valor a quem de facto, comprovadamente, acrescenta valor. Mais, à desvalorização e falta de reconhecimento juntam-se forças que tentam calar a competência e a excelência. Mas temos muitos exemplos que deviam ser enaltecidos, que deviam ser motivo de orgulho para todos, e que deviam ser modelos a seguir.

Temos que ser eficientes na gestão de recursos e temos que ser consequentes na identificação e difusão dos melhores resultados e práticas.

Felizmente, somos ouvidos lá fora, quer seja pelo reconhecimento internacional das nossas publicações, quer seja pelo desenvolvimento dos CP que temos promovido em países como Moçambique, Angola, Cabo Verde e, mais recentemente, Brasil.

Os CP podem e devem ser muito mais. A medicina paliativa, como especialidade médica, deve ser criada urgentemente.

Haja vontade de criar condições adequadas à criação de valor.

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Fernando Vaz 1, Paulo Santos 2
1. Diretor de serviço de oftalmologia do Hospital de Braga
2. Professor de MGF da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
(Os autores são candidatos nestas eleições integrando a Lista A da Secção Regional do Norte)

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