A gastrite é um dos motivos mais frequentes de consulta na prática clínica, caracterizando-se por sintomas como o enfartamento, a dor epigástrica e dificuldades digestivas. No entanto, e apesar da sua elevada prevalência, o termo “gastrite” é muitas vezes utilizado de forma imprecisa pelos doentes. Nem todos os doentes com queixas gástricas têm gastrite, e, por outro lado, muitos dos que têm gastrite histologicamente comprovada não apresentam sintomas significativos.
Esta patologia é definida como uma inflamação da mucosa gástrica, que pode ser aguda ou crónica. O diagnóstico definitivo não pode ser baseado apenas nos sintomas, sendo essencial a realização de uma endoscopia digestiva alta, com a realização de biópsias para a necessária confirmação histológica. Durante a endoscopia podem ser identificadas gastropatias e lesões erosivas, mas o diagnóstico de gastrite exige a análise microscópica do tecido gástrico.
Causas da gastrite
Existem várias causas para esta condição, sendo o Helicobacter pylori o agente etiológico mais comum. Esta bactéria infeta uma grande parte da população, cerca de 50% da população mundial, e está associada à inflamação crónica da mucosa gástrica, podendo evoluir para condições pré-malignas como a atrofia gástrica e a metaplasia intestinal. Além do Helicobacter pylori, existem outros fatores que contribuem para o desenvolvimento da gastrite, incluindo:
- O uso de anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), que podem causar lesões gástricas erosivas;
- O consumo excessivo de álcool e tabaco, ambos irritantes para a mucosa gástrica;
- Fatores dietéticos, como o consumo excessivo de gorduras, fumados, carnes vermelhas e alimentos processados;
- O stress e a ansiedade que, embora não causem diretamente a gastrite, podem agravar os sintomas gástricos;
- Doenças autoimunes, como a gastrite atrófica autoimune, que pode levar à deficiência de vitamina B12 e anemia perniciosa.
Importância da Erradicação do Helicobacter pylori
Em Portugal, a infeção por Helicobacter pylori é altamente prevalente e representa um fator de risco significativo para o desenvolvimento de cancro gástrico. O tratamento da infeção consiste numa combinação de antibióticos e inibidores da bomba de protões. No entanto, a adesão terapêutica pode ser um desafio devido à necessidade de múltiplos comprimidos e dos potenciais efeitos secundários. Após o tratamento, a erradicação deve ser confirmada através de testes não invasivos, como o teste respiratório com ureia marcada ou a pesquisa de antigénio nas fezes. Nos casos de úlceras gástricas, é essencial repetir a endoscopia para avaliar a cicatrização e excluir a malignidade.
Gastrite autoimune e outras formas específicas
A gastrite autoimune tem vindo a ser diagnosticada com maior frequência, sobretudo devido a uma maior atenção ao rastreio endoscópico e às biópsias em múltiplos locais do estômago. Esta forma de gastrite está associada a doenças autoimunes e pode evoluir para a atrofia gástrica e a metaplasia intestinal. Para além da vigilância endoscópica esta patologia implica análises periódicas já que diminui a absorção de vitamina B12 e Ferro o que pode levar a anemia.
Abordagem terapêutica e medidas gerais
O tratamento da gastrite depende da sua causa subjacente. No caso da gastrite por Helicobacter pylori, a erradicação da bactéria é fundamental. Noutras situações, como na gastrite associada ao uso de AINEs, a suspensão ou substituição destes medicamentos pode ser suficiente para aliviar os sintomas. Além disso, algumas medidas gerais podem ajudar na redução da sintomatologia e na proteção da mucosa gástrica:
- Evitar o consumo excessivo de álcool, do tabaco e os alimentos ricos em gordura;
- Controlar o uso de anti-inflamatórios e, se necessário, recorrer a alternativas menos agressivas para o estômago;
- Adotar uma alimentação equilibrada, rica em frutas, em vegetais e fibras;
- Reduzir o stress e a ansiedade, que podem aumentar os sintomas gastrointestinais.
Rastreio e vigilância da gastrite crónica
Nos casos de gastrite crónica esta pode evoluir para condições pré-malignas, como a atrofia gástrica e a metaplasia intestinal, aumentando por isso o risco de cancro gástrico. Assim, a vigilância endoscópica deve ser personalizada de acordo com os achados endoscópicos, histológicos e fatores de risco individuais. Os doentes com metaplasia intestinal extensa ou história familiar de cancro gástrico podem necessitar de endoscopias de vigilância mais frequentes, enquanto casos de gastrite “leve” podem não necessitar de um seguimento endoscópico tão frequente.
Conclusão
A gastrite é uma condição comum e multifatorial, que exige uma abordagem clínica criteriosa para um diagnóstico e tratamento adequados. O recurso à endoscopia digestiva com biópsias é essencial para diferenciar entre simples queixas gástricas ou identificar uma inflamação histologicamente comprovada. O Helicobacter pylori continua a ser um fator de risco importante e deve ser tratado sempre que identificado. Além disso, as medidas gerais de saúde e a vigilância endoscópica devem ser adotadas para prevenir complicações a longo prazo. A colaboração entre as especialidades médicas é essencial para garantir uma abordagem integrada e eficaz aos doentes com queixas gástricas.
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