Catarina Gomes. Enfermeira de Cuidados Paliativos

Queremos decidir

05/30/2025

É quase impossível não nos depararmos com um rol imenso de conteúdos, experiências e opiniões, mais ou menos científicas, sobre o nosso processo de nascimento e sobre aquilo que queremos para os nossos filhos. Existe toda uma preparação para o nascimento, que começa antes da conceção, em que o momento é preparado e idealizado.

No polo oposto encontra-se a morte. Falamos pouco ou nada sobre a morte. Todos gostaríamos de morrer rapidamente, mas o mais provável é que isso não venha a acontecer. Provavelmente, iremos morrer de uma doença progressiva incurável que nos limitará em algum ou em vários aspetos. Será que todos temos consciência disso? Porque não falamos do processo de morte? Das doenças incuráveis, crónicas? Das limitações com que — muito provavelmente — teremos de lidar?

Estas conversas não se fazem todas de uma vez, mas também não podemos ignorar esta realidade. Assusta-nos a todos falar de um processo inevitável. A resposta é complexa, principalmente porque, ao falarmos da morte, nos sentimos vulneráveis. As limitações assustam-nos e pensamos, erradamente, que nunca vamos precisar de ninguém.

Pela minha experiência, há outra explicação para não falarmos sobre a morte: a de que simplesmente ninguém nos prepara para isso. A morte é escondida das crianças, com a justificação de que isso as protege. Não me parece que seja assim. Adequando o nosso discurso às diferentes idades, a morte devia ser abordada nas escolas. Não com o intuito de assustar, mas para que as crianças possam perceber, aos poucos, que a morte é uma realidade com que, em algum momento, irão lidar.

Tenho ouvido e lido sobre a questão da morte medicamente assistida. Mas não ouvi, até agora, ninguém referir a realidade que existe. As pessoas com doença progressiva incurável precisam de cuidadores capazes; as famílias precisam de vários apoios para que possam ter os doentes em casa; a nossa sociedade precisa de responder de outra forma a quem tem necessidades de cuidados complexos. Os serviços do SNS não estão preparados para estes doentes. Os profissionais de saúde não têm formação básica sobre a morte e sobre o processo de morrer. Não me refiro ao ato de lidar com corpos sem vida. Falo da comunicação de más notícias, de formação sobre empatia, de acompanhamento espiritual a pessoas com necessidades físicas e em grande sofrimento psicológico.

Insisto neste ponto: a maioria da população portuguesa não tem acesso a cuidados paliativos, e, mesmo para aqueles que têm acesso, esses cuidados são prestados com restrições horárias e de recursos humanos que reduzem significativamente o apoio aos doentes e famílias.

As premissas simplesmente não estão asseguradas. As bases da discussão assentam no momento único da morte. Temos de recuar e perceber o que podemos (e temos de) fazer para garantir que as pessoas morrem com os sintomas controlados, onde for o seu desejo, com quem for o seu desejo e quando for o tempo do seu corpo.

Devemos olhar para os lados, para trás e perceber como poderemos avançar, podendo dizer com certeza que estamos a decidir com todas as opções à nossa disposição. Hoje, isso não acontece. E, sem antes garantir o direito a todas as opções, o debate sobre o direito a decidir quando e como morrer não é sério. Sem essas condições, não estamos a escolher. Estamos a ser empurrados para uma ilusão de escolha.

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