A European Respiratory Society (ERS) publicou um relatório inovador que confirma a viabilidade legal de os Estados-membros da União Europeia implementarem políticas de “tobacco endgame”, incluindo a proibição permanente de venda de produtos de tabaco a pessoas nascidas após uma determinada data. Este modelo, conhecido como “proibição geracional”, já foi testado em países como a Nova Zelândia e o Reino Unido, e surge como uma ferramenta crucial para alcançar o objetivo de uma “geração livre de tabaco” até 2040.
De acordo com o documento, intitulado “Adoption of Tobacco Endgame Policies in the EU: Can Member States introduce a generational sales ban?”, a competência para legislar sobre limites etários de venda reside exclusivamente nos Estados-membros. A Diretiva de Produtos de Tabaco da UE (2014/40/UE) não harmoniza esta matéria, deixando margem para que cada país defina as suas regras de proteção à saúde pública. Recentemente, a Letónia e a Irlanda aumentaram a idade legal de consumo para 20 e 21 anos, respetivamente, sem violar o direito comunitário.
O relatório enfatiza que uma proibição geracional não constitui uma restrição à colocação de produtos no mercado, mas sim uma redução progressiva do tamanho do mercado baseada na idade. Por isso, enquadra-se nas competências nacionais em matéria de saúde e organização de vendas. Para ser considerada proporcional, a medida deve:
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Visar um objetivo legítimo (ex.: reduzir a prevalência de tabagismo para menos de 5% até 2040).
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Ser adequada para alcançar esse objetivo.
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Ser necessária (não existindo alternativas menos restritivas).
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Ser implementada de forma consistente e sistemática, com políticas complementares como aumento de impostos, embalagens neutras e restrições à publicidade.
A análise jurídica baseia-se em precedentes como o caso “Scotch Whisky” (C-333/14), onde o Tribunal de Justiça da UE estabeleceu que medidas restritivas ao comércio podem ser justificadas por imperativos de saúde pública. Os Estados-membros devem, no entanto, apresentar evidências robustas de que a proibição geracional é o meio menos restritivo para atingir os seus objetivos. O relatório sugere um caminho detalhado para os governos, incluindo:
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Modelagem do impacto das medidas existentes.
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Avaliação de alternativas (ex.: aumento da idade mínima para 21 anos).
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Implementação de mecanismos de revisão periódica (“sunset clauses”).
O documento também alerta para a interferência da indústria tabaqueira, que frequentemente recorre a táticas como litígios estratégicos, campanhas de desinformação e argumentos económicos falaciosos (ex.: alegar que proibições aumentam o comércio ilícito). A ERS sublinha que estas estratégias violam o Artigo 5.3 da Convenção-Quadro para o Controlo do Tabaco da OMS, que exige a proteção das políticas de saúde pública contra interesses comerciais.
Portugal e outros países da UE com metas ambiciosas de controlo do tabagismo – como Bélgica, Finlândia e França – podem agora considerar a proibição geracional como uma opção viável. O relatório reconhece, contudo, desafios práticos, como a necessidade de monitorizar consequências não intencionais (ex.: aumento de comportamentos de risco alternativos) e garantir recursos adequados para fiscalização.
Em conclusão, a ERS defende que a proibição geracional é um instrumento legalmente sólido e eticamente justificado para proteger as gerações futuras dos “efeitos devastadores” do tabaco. Com a prevalência de tabagismo na UE ainda em torno de 24%, e 21% dos jovens a iniciarem-se no consumo, a urgência de políticas disruptivas é clara. A implementação exigirá vontade política e coordenação com outras medidas, mas o quadro jurídico – conclui o relatório – está do lado da saúde pública.
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