Uma equipa internacional liderada por cientistas da Fundação Champalimaud (FC), em colaboração com investigadores de Harvard e da Universidade de Genebra, publicou na revista Nature uma descoberta que poderá transformar a forma como a inteligência artificial (IA) aprende e se adapta. O estudo, coordenado por Margarida Sousa (primeira autora e doutoranda), Joe Paton e Daniel McNamee, revela que populações de neurónios dopaminérgicos no cérebro não apenas sinalizam se uma recompensa vai acontecer, mas também traçam mapas detalhados de quando e com que magnitude essas recompensas podem surgir.
Tradicionalmente, modelos computacionais de aprendizagem por reforço — fundamentais tanto na neurociência como na IA — resumem as recompensas futuras numa média, ignorando a diversidade de possibilidades e timings das mesmas. No entanto, a equipa da FC demonstrou que o cérebro humano vai muito além: cada neurónio dopaminérgico pode especializar-se em diferentes aspetos das recompensas, como o seu valor ou o momento em que ocorrem, criando uma representação probabilística rica e adaptativa dos futuros possíveis.
Para testar esta teoria, os investigadores desenvolveram uma tarefa comportamental com ratinhos, utilizando estímulos olfativos associados a recompensas de diferentes tamanhos e atrasos. A análise detalhada de dezenas de neurónios mostrou que alguns eram mais sensíveis a recompensas imediatas, enquanto outros preferiam esperar por maiores recompensas futuras. Esta heterogeneidade permitiu identificar um verdadeiro “mapa de conselheiros” dentro do cérebro, onde diferentes neurónios promovem estratégias mais impulsivas ou mais cautelosas, conforme o contexto.
Segundo Joe Paton, este mecanismo simples pode explicar como avaliamos riscos e porque uns indivíduos são mais propensos à impulsividade do que outros. Daniel McNamee destaca ainda que a flexibilidade observada, a chamada “codificação eficiente”, permite ao cérebro reajustar rapidamente as suas previsões perante mudanças no ambiente, sem necessidade de modelos complexos.
As implicações para a IA são profundas. Ao incorporar este tipo de codificação distributiva, algoritmos podem aprender a prever e adaptar-se a múltiplos cenários futuros, tornando-se mais robustos e eficientes em ambientes incertos. Margarida Sousa sublinha que este avanço aproxima a IA de um funcionamento mais semelhante ao humano, capaz de ponderar riscos e ajustar estratégias consoante as necessidades e oportunidades.
Este trabalho não só aprofunda o conhecimento sobre a tomada de decisão e a impulsividade humanas, como também aponta novos caminhos para o desenvolvimento de máquinas verdadeiramente adaptativas, inspiradas na complexidade e flexibilidade do cérebro.
NR/HN/AlphaGalileo00
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