“Os equato-guineenses estão a sucumbir como moscas à doença, a mortes sobem a cada dia, há ausência total de informação e os números do Governo são contraditórios com a realidade que todos vivemos. Há médicos que, sem proteção, fogem dos infetados porque também têm medo da morte”, disse Wenceslao Mansogo em entrevista, por e-mail, à agência Lusa a partir da Guiné Equatorial.
O médico, que vive em Bata, segundo maior cidade da Guiné Equatorial, localizada na parte continental do país, acredita que a situação tem “tudo para piorar”.
A Guiné Equatorial registou o primeiro caso do novo coronavírus em 14 de março e a primeira morte em 22 de abril. Atualmente, os dados oficiais apontam 1.306 casos e 12 mortos, mas estes números não são atualizados há vários dias.
“A primeira morte revelou muitos aspetos desta luta: pouca preparação e descoordenação do Comité Técnico de Vigilância e Resposta, inutilidade dos números verdes e falta de preparação dos hospitais públicos”, disse.
“O pessoal dos hospitais não recebeu formação nem equipamentos de proteção individual, enquanto a população, em geral, continuou a comportar-se como se não se nada fosse. E a epidemia cresceu velozmente”, acrescentou.
Consequentemente, prosseguiu o médico, muitos profissionais de saúde ficaram infetados, o que motivou restrições “ao mínimo” da atividade do Hospital Regional de Bata e de dois centros de saúde por serem considerados “focos de coronavírus”.
O médico, que é também responsável pelas relações internacionais do partido Convergência para a Democracia Social na Guiné Equatorial (CPDS), na oposição, fala de uma gestão “descoordenada, casuística e caótica”, além de muito politizada, da pandemia que copia medidas de outros países.
“As pessoas sentem-se mal, ligam para um dos números verdes e, se atendem, prometem ir dentro de um ou dois dias. Se chegam a ir, recolhem a amostra da pessoa e se dá positivo, voltam para controlar os contactos. Os positivos são levados para os lugares de quarentena criados pelo Governo e os doentes graves transportados para os hospitais designados”, relatou.
Mas, segundo Wenceslao Mansogo, como as pessoas sabem que, em geral, ninguém atende os telefones, acabam por nem ligar e vão diretamente aos hospitais, que, na sua grande maioria, não aceitam doentes suspeitos de infeção pelo novo coronavírus.
“O hospital central tem salas de isolamento onde se espera pela recolha das amostras, mas há tantos doentes que as equipas estão saturadas e tanto os que testam positivo como os que esperam o resultado ficam por ali abandonados”, descreveu.
O médico, que gere um centro médico privado em Bata, a clínica L’Espoir, diz que nunca recebeu instruções ou apoio das autoridades de saúde sobre como lidar com casos de covid-19.
“Uma vez ligámos para o número verde do Comité Técnico de Luta contra o Coronavírus por causa de um caso suspeito e tivemos de telefonar ao ministro da Saúde para que a equipa técnica viesse recolher a amostra”, disse.
Wenceslao Mansogo disse que o centro que dirige não tem estrutura adequada para atender casos de covid-19, por isso, todos os doentes que testam positivos são remetidos para o referido comité.
O médico reconheceu que as autoridades tomaram as principais medidas preventivas como fecho de fronteiras, confinamento de cidades, a proibição de aglomerações e o fecho de estabelecimentos públicos, mas adiantou que estas não estão ” a ser cumpridas adequadamente”.
O médico denunciou ainda a escassez de meios destinados ao combate à pandemia.
“O principal obstáculo é o financiamento e a sua gestão. Claramente não há meios suficientes”, disse, adiantando que o Governo anunciou uma contribuição de 5 mil milhões de francos CFA e pediu a contribuição da população no esforço de luta contra a doença.
“Além de não se saber se este dinheiro chegou mesmo, a soma é irrisória diante do enorme desafio que representa uma luta eficaz contra o coronavírus”, notou Wenceslao Mansogo, comparando com um bilião de francos CFA disponibilizado pelo Senegal, com os 100 milhões de dólares do Gana e os cerca de 200 milhões de euros de Espanha, antiga potencia colonizadora do país.
A Guiné Equatorial é o terceiro maior produtor de petróleo na África subsaariana, a seguir à Nigéria e a Angola, com uma produção de 200 mil barris por dia, e tem um dos maiores rendimentos per capita em África (19.500 dólares), no entanto a maioria da população vive na pobreza ou mesmo na pobreza extrema.
O país, que desde 2014, é membro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) é governado há mais de 40 anos pelo regime autoritário do Presidente Teodoro Obiang.
Em África, há 4.601 mortos confirmados em mais de 162 mil infetados em 54 países, segundo as estatísticas mais recentes sobre a pandemia naquele continente.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 382 mil mortos e infetou mais de 6,4 milhões de pessoas em 196 países e territórios.
Mais de 2,7 milhões de doentes foram considerados curados.
LUSA/HN
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