António de Sousa Uva Médico do trabalho, Imunoalergologista e Professor catedrático da NOVA (ENSP)

COVID-19: LVT será a “bête noire”?

06/05/2020

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COVID-19: LVT será a “bête noire”?

05/06/2020 | Opinião

Há cerca de duas semanas que Lisboa e Vale do Tejo (denominação apenas relacionada com a distribuição geográfica das administrações regionais de saúde em Portugal) é o centro das preocupações do Governo e dos responsáveis pelas políticas públicas de saúde em matéria de “pilotagem” da onda pandémica do vírus SARS Cov-2.

É uma evolução positiva fantástica em matéria de emergências em Saúde Pública já que o sistema de gestão da informação em saúde (algo deficiente em Portugal, pelo menos em indicadores de morbilidade) permite agora delimitar uma área geográfica concreta e focar a sua atenção no conhecimento e na compreensão dos determinantes de tal constatação.

“Et voilá” são predominantemente adultos jovens assintomáticos e trabalham muitos deles nas, agora denominadas, empresas de trabalho temporário (muito apreciadas interessantemente em várias organizações dependentes do Ministério da Saúde), antes denominadas “subempreitadas” em empresas diversas como a área da Construção Civil num território de visibilidade muito desconfortável ou, por outro lado, vivem em áreas residenciais muito concretas (raramente condomínios sofisticados) com desenvolvimento de cadeias de transmissão muito “sui generis” e em determinados concelhos da área metropolitana de Lisboa ou, em alternativa, em concelhos diversos (onde se localizam as maiores obras).

“Casa roubada trancas à porta”, o que estava “invisível” torna-se visível “motorizado” pela resposta à emergência em Saúde Pública ou até pelo “medo” da infeção. De repente começam a soar todos os avisos relativamente ao número muito desproporcionado de casos de COVID-19 e investe-se muito na testagem de trabalhadores (e bem, mas bem diferente por exemplo da estratégia usada em profissionais de saúde “expostos” noutras situações). Isso também interessa pouco, a não ser que não se consiga “controlar” a situação.
A filosofia do cordão sanitário (que nunca compreendi porque denominam “cerca” que me faz recordar o gado vacum) esvai-se … porque se permanecesse não restariam dúvidas em fechar (e confinar ou isolar os trabalhadores) durante duas semanas numa obra da Construção Civil onde há 15 a 20% de infectados. De facto, esses trabalhadores e os seus contactos perfazem a maioria dos trabalhadores (se não a totalidade) dessa obra. Aparentemente essa estratégia não tem sido adoptada.

A área que estudo, investigo e ensino é a área da Saúde (e Segurança) Ocupacionais e, aparentemente, como de resto digo com frequência, isso faz-me lembrar algo semelhante em que “tropeço” há mais de quatro décadas. Numa grande empresa de quase 15.000 trabalhadores onde dirigi os Serviços de Saúde, Higiene e Segurança dos trabalhadores nos Locais de Trabalho isso era a “regra”: trabalhadores da empresa usavam equipamentos de proteção individual “prescritos” pelo serviço que dirigia, enquanto que trabalhadores dos “subempreiteiros”, em situações de trabalho equivalentes, não os usavam. Alguém na comunidade se preocupava com isso???? A empresa preocupou-se (ainda que tivesse demorado algum tempo …) e foi arranjada solução. Na atual pandemia isso é diferente: a situação “rói-nos os calcanhares” e ainda bem que todos tentamos arranjar formas de “gestão desse risco”.

É por isso que o “empoderamento” em Saúde e Segurança do Trabalho é inadiável. De facto, a situação de risco em grupos concretos deve merecer a mesma atenção que as situações de risco “amplificadas” e a atenção que os trabalhadores devem merecer em matéria de saúde Ocupacional não deve ser proporcional ao salário que auferem. Dito de outra forma, nós somos sempre melhores a resolver os nossos problemas que os problemas dos outros, esquecendo-nos frequentemente que os problemas dos outros também são nossos. Eu pelo menos entendo que a saúde (e segurança) de quem trabalha é um problema meu e acho aceitável que os cidadãos portugueses me acompanhem nessa preocupação!

1 Comment

  1. Adelina Camundongo Serafim

    Boa professores. Não sei percebi mal? Mais as áreas de maior contágio foram as obras de construção civil já foi detectado e controlado.
    Sendo uma empresa com os serviços de SSHT bem implementado e com uso dos EPIS, foi descoberta forma de contaminação?
    Como foi feita a investigação até chegarem ao ponto inicial da contaminação?

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