Nota introdutória: face ao teor do relatório da IGAS relativo ao cumprimento das normas que regulam a atribuição de suplementos retributivos aos médicos das unidades de saúde familiar de Modelo B por acréscimo de número de utentes, e dada a gravidade dos factos que nele são relatados, solicitámos ao Dr. António Alvim, Médico de família de uma USF Mod. B cujas declarações em 2018 deram azo às auditorias a que o relatório se refere, que fizesse uma primeira análise do mesmo.
O relatório encontra-se disponível Aqui
I O modelo USF
No preambulo do DL 298/2007 lê-se :
A autonomia organizativa e funcional para as USF, adoptada pelo supracitado despacho, inspirou-se nas experiências inovadoras anteriormente desenvolvidas nos centros de saúde, e que deram corpo a novas formas de organização dos cuidados de saúde, entre as quais se salienta o regime remuneratório experimental (RRE) estabelecido para os médicos.
Este modelo, em vigor desde 1998, permitiu, após várias avaliações, identificar ganhos em saúde e aumentar a qualidade dos cuidados prestados, com satisfação para os utilizadores e para os profissionais.
Acresce salientar que, em estudo recente sobre o impacte orçamental do lançamento e implementação das USF, conduzido por especialistas em economia da saúde, concluiu-se que o modelo organizativo agora proposto, construído à semelhança do RRE, vai permitir consideráveis reduções de custos na prestação de cuidados de saúde, contabilizando já incentivos para os elementos das equipas multiprofissionais.
Com efeito, equipas multiprofissionais motivadas, portadoras de uma cultura de responsabilização partilhada e com práticas cimentadas na reflexão crítica e na confiança recíproca, constituem o principal activo e a mais-valia estratégica das USF e, consequentemente, são os intérpretes mais qualificados para conduzir a reforma dos CSP.
Perante os resultados obtidos, e dado o objectivo estratégico fundamental da melhoria contínua da qualidade dos cuidados de saúde, torna-se imperativo transpor, consolidar e alargar o modelo de incentivos dos médicos a todos os profissionais das USF, potenciando, deste modo, as aptidões e competências de cada profissional e premiando o desempenho individual e colectivo, tendo em vista o reforço da eficácia, da eficiência e da acessibilidade dos cidadãos aos CSP.
Este modelo, semelhante ao implementado pelo Decreto-Lei n.º 117/98, de 5 de Maio, aplica aos profissionais da equipa nuclear um regime de suplementos associados à dimensão mínima da lista de utentes ponderada, quanto às suas características, com a contratualização anual de actividades específicas de vigilância a utentes considerados mais vulneráveis e de risco, e, quando necessário, com o alargamento do período de cobertura assistencial e com a carteira adicional de serviços.
Paralelamente, o modelo expresso no presente decreto-lei obriga ao acompanhamento e controlo de procedimentos e avaliação de resultados, distinguindo as diferenças de desempenho por referência a painéis de indicadores, a economias nos custos, a níveis de satisfação dos utilizadores e dos profissionais, bem como à implementação de programas de qualidade e de processos de acreditação
Relembro este preambulo do DL das USFs porque ele esclarece de forma inequívoca que a Reforma assentava no Modelo B (herdeiro do bem sucedido RRE) “Este modelo, semelhante ao implementado pelo Decreto-Lei n.º 117/98, de 5 de Maio”, e não no Modelo A (herdeiro do falhado Modelo Alfa) que foi uma alternativa criada para quem estava confortável em 42 horas com exclusividade a atender uma lista de 1550 utentes e desconfiava de um modelo que tinha na base a remuneração das 35 horas e obrigava a aumentar a lista de utentes.
É igualmente prova o facto de nos primeiros anos a esmagadora maioria das USFs conseguia chegar a B em um ou dois anos conforme se demostra no quadro abaixo, já incluindo as últimas passagens a modelo B no fim de 2019, que mostra de forma muito clara que o Modelo A foi usado para travar o acesso ao Modelo B que era o modelo da Reforma
Anos de espera desde o início em USF A até passar a USF B por ano de entrada | |||||||||||||||
Novos A | ano | 1 ANO | 2 ANOS | 3 ANOS | 4 ANOS | 5 ANOS | 6 ANOS | 7 ANOS | 8 ANOS | 9 ANOS | 10 ANOS | TOTAL B | % | %-2 ANOS | %-3 ANOS |
43 | 2006 | 31 | 5 | 2 | 1 | 1 | 40 | 93% | 72% | 84% | |||||
72 | 2007 | 38 | 16 | 7 | 2 | 1 | 1 | 65 | 90% | 75% | 85% | ||||
40 | 2008 | 11 | 3 | 6 | 5 | 2 | 1 | 1 | 2 | 31 | 78% | 35% | 50% | ||
68 | 2009 | 5 | 6 | 15 | 4 | 2 | 5 | 7 | 2 | 3 | 49 | 72% | 16% | 38% | |
49 | 2010 | 1 | 5 | 11 | 3 | 1 | 5 | 2 | 1 | 29 | 59% | 12% | 35% | ||
41 | 2011 | 1 | 2 | 4 | 8 | 5 | 3 | 23 | 56% | 7% | 17% | ||||
38 | 2012 | 1 | 1 | 2 | 6 | 4 | 14 | 37% | 3% | 5% | |||||
38 | 2013 | 3 | 4 | 5 | 12 | 32% | 0% | 8% | |||||||
24 | 2014 | 1 | 4 | 5 | 21% | 0% | 0% | ||||||||
32 | 2015 | 1 | 1 | 2 | 6% | 0% | 3% | ||||||||
30 | 2016 | 2 | 2 | 7% | 0% | 7% | |||||||||
18 | 2017 | 0 | 0% | 0% | 0% | ||||||||||
38 | 2018 | 0 | 0% | 0% | 0% |
Nos dois primeiros anos da Reforma 75% das USFs demoravam apenas de 2 anos para chegaram a B, e aos três anos 84% já estava em B
Assim, se nos dois primeiros anos da Reforma, 75% das USFs demoravam apenas de 2 anos para chegaram a B, e aos três anos 84% já estava em B, das USFs criadas em 2008 apenas 50% chegaram ao Modelo B em 3 anos
Em 2010 apenas 35%. Em 2011 – 17%
E apenas 21 USFs das 180 criadas de 2013 a 2018 (11,6 %), conseguiram chegar ao Modelo B.
Destas apenas 5 na ARSLVT (em 54) . Sendo que 3 (apenas) são das 13 criadas em 2013.
Ano | Total | Modelo B | % | Modelo A | % |
2006 | 18 | 18 | 100% | 0 | 0% |
2007 | 16 | 14 | 88% | 2 | 13% |
2008 | 11 | 6 | 55% | 5 | 45% |
2009 | 30 | 14 | 47% | 16 | 53% |
2010 | 12 | 8 | 67% | 4 | 33% |
2011 | 6 | 2 | 33% | 4 | 67% |
2012 | 17 | 4 | 24% | 13 | 76% |
2013 | 13 | 3 | 23% | 10 | 77% |
2014 | 4 | 1 | 25% | 3 | 75% |
2015 | 7 | 1 | 14% | 6 | 86% |
2016 | 10 | 0 | 0% | 10 | 100% |
2017 | 10 | 0 | 0% | 10 | 100% |
2018 | 10 | 0 | 0% | 10 | 100% |
2019 | |||||
2020 | |||||
TOTAL | 164 | 71 | 43% | 93 | 57% |
O Modelo B morreu conforme há 8 anos previ aqui . Só não vê quem não quer ver.
E com isso a Reforma que assentava no Modelo B, Modelo B que aliás não aparece no Programa de Governo do Partido Socialista que refere sempre Modelo USF (e certamente que o faz intencionalmente e não por erro ou descuido)
Confirma-se assim o que escrevi, o ACT Médico de 2012, com os 1900 utentes-2358 UP/ 40 horas, liquidou aquele que era maior argumento político que sustentava o Modelo B e a mobilidade para modelos B: O aumento voluntário das listas de utentes de 1550 para 1900 tipo
A sensação que fica é que o núcleo de poder, constituído pelo grupo de “revolucionários” que lançou e propagandeou a reforma, depois de instalado em Modelo B ou na Administração (ARSs e ACES) e nas ERAs, fechou a porta inventando a necessidade de estagiar em Modelo A.
E o grave é que os recém-especialistas perceberam que o acesso ao Modelo está definitivamente fechado e que assim estão condenados a ficarem, muito mal pagos, a tapar buracos em UCSP e em consequência estão a optar por ficar de fora do SNS conforme eu alertei aqui.
De facto, a perspetiva de quem agora forme uma USF é ter que pedalar pelo menos 8 anos em A. Como as vagas para os novos especialistas são em UCSPs, mal equipadas e mal organizadas, e com o encargo suplementar de atender os muitos e cada vez mais utentes sem médico percebe-se que os novos especialistas vejam o Modelo B como uma miragem e optem por ficar de fora do SNS, a ganhar muito mais como tarefeiros em urgências ou a fazer Clínica Geral nos hospitais privados
Especialmente grave que nestes 3 anos mais de 1000 médicos de família se vão aposentar e no fim desta legislatura o número de utentes vai duplicar e chegar assim a mais de um milhão, o que ainda agravará mais as expetativas da excelente e bem preparada nova geração.
II O desmoronar da Reforma
É pois preciso compreender como se deu o desmoronar da Reforma
Este começou ainda antes da Reforma ser implementada. Começou quando o dr. Luís Pisco, que durante muitos anos foi o Presidente da então AMPCG e a tornou numa associação fortíssima, com indiscutível peso, o que o levou a ser chamado a Coordenar a Missão da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, me pediu que não publicasse USFs Modelo B (1) que eu tinha enviado para o Médico de Família, jornal da APMCG. Artigo que escrevi em 2007 quando foi dado conhecimento da futura lei da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários no qual eu explicava a proposta apresentada, fazia as contas do que seria o vencimento no modelo B e terminava dizendo
Como sabem não sou politicamente afeto ao partido do governo e fui a única pessoa que neste jornal levantou sérias dúvidas ao Relatório da Comissão para a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários que deu origem a este processo. Não que fosse contra o modelo proposto, mas porque não acreditava que fosse possível de conseguir do governo uma proposta tão arrojada como esta e apostando-se todos os ovos neste único cesto, ficaríamos sem alternativas. Terminei esse artigo dizendo esperar que os colegas da Comissão viessem a demonstrar que eu estava errado. Conseguiram-no. Parabéns à Missão.
Percebi, neste pedido que o, em todos os sentidos, Pai da Reforma, tinha dúvidas existenciais sobre a mesma. E é com a existência destas dúvidas existenciais de quem a criou que começa logo no início o desmoronar da Reforma.
O inventar da necessidade de estagiar em Modelo A antes de se chegar a B, quando o DL é, como se vê acima, muito claro em definir o Modelo B como o Modelo da Reforma, é logo o primeiro sinal de travão. E fica claro no quadro acima que nos dois primeiros anos as USFs não tiveram qualquer dificuldade em chegar a B e que partir daí as ERAs passaram a ser usadas pelas ARSs, sobretudo a Sul, não para apoiarem e facilitarem o acesso ao Modelo B , como seria o seu papel, mas para o dificultarem e travarem.
A invenção de que o Governo tinha que anualmente de definir quantas USFs passavam de A a B , quando o que está no DL é a definição, apenas, do número de USFs a criar, foi outro sinal de travão.
O desmoronar prossegue quando num almoço que tive com o Luís Pisco e o Dr. Fragoeiro (um dos juristas da MCSP), eles, em todo o almoço, não conseguiram sequer perceber a questão que lhes levantei de como se definiam as cargas horárias no Modelo B, coisa que eu teria que refazer na minha USF na sua transição de RRE para o Modelo B com o aumento do número de utentes por médico.
E quando numa das USFs de referência (criada de novo e não resultante da evolução do RRE) teve o seu Plano de Ação aprovado com a discriminação dos tempos dedicados a cada um dos programas mas sem referência à consulta de MGF (consulta geral ou de Saúde do Adulto como era então chamada), que é o core business do dia a dia de uma USF, percebe-se um descentrar, propositado ou não, da Reforma.
Porque é importante este tema?
Em primeiro lugar importa explicar que tudo o que está na proposta de remuneração do Modelo B é justificado. Exceto o pagamento do subsídio de exclusividade a quem a não pratica.
Mas o conjunto da remuneração que se alcança, sem noites e fins de semanas, é muito elevado, superior à remuneração do Primeiro-Ministro e por isso a única forma possível de a prazo garantir a sustentabilidade do modelo, que como vimos nasceu logo com dúvidas do seu progenitor (e se ele as tinha muito mais as teriam o Ministro das Finanças e o mundo governativo e político ver aqui por exemplo) era que as USFs cumprissem escrupulosamente com tudo o que era remunerado. Além disso era preciso, para se protegerem politicamente, que se distinguissem notoriamente em três campos: Acessibilidade, Satisfação dos utentes e Eficiência
(Conforme eu em 2009 escrevi neste mail para a USFamiliar (rede de mails que integrava todos os profissionais em USF e que, entretanto, acabou- mais um desmoronar…) e não era preciso ser bruxo para infelizmente ter acertado).
Ora aconteceu o contrário e assim a corrosão dos alicerces da Reforma prossegue ao se reconhecer para o Modelo B o mesmo modelo de acessibilidade que para o regime geral (agora UCSP com 40 horas e listas de utentes equiparadas às do Modelo B com 9 UCs de lista.) mas com uma remuneração que fica pela metade, ao nunca ter avaliado a Satisfação (um indicador que vale 20% do IDG mas que nunca foi avaliado) e nunca conseguindo calcular verdadeiramente os custos induzidos, sobre valorando assim os pesados custos fixos conhecidos (remuneração do pessoal). É a própria Administração que não quer que as qualidades possíveis das USFs se promovam e evidenciem…
E a corrosão continua quando na Contratualização do Plano de Ação das USFs, que devia conter o acordo sobre os serviços a prestar por uma USF em cada ano, logo de início, esta se reduz à contratualização de apenas alguns (e duvidosos) indicadores, ficando de fora o core business: qual a disponibilidade da USF para o atendimento dos utentes (quais os horários assistenciais e a oferta de consultas); qual a acessibilidade a que a USF se dispõe.
O desmoronamento continua quando o Governo, a Administração, os sindicatos e as associações não esclarecem e, aproveitando isto, os Conselhos Gerais das USFs de Modelo B aprovam horários de 35 horas quando os seus membros recebem as 9 UCs de lista (mais que 9 horas suplementares) que foram pedidas e justificadas como necessárias para o aumento das 1917 UP para as 2358 UPs e os Diretores Executivos dos ACES as validam de cruz. E são mesmo aprovados e validados horários com 3 tardes sem atividade assistencial, o que não só não é previsto em nenhum dos regimes de trabalho consagrados no ACT das carreiras médicas, a que o DL das USFs obriga, como um atentado à acessibilidade dos utentes que assim em 3 dos cinco dias da semana não têm acesso ao seu Médico de Família a partir das 13 hs. Só no dia seguinte…
Artigo 22.º
Prestação do trabalho
1 – A forma de prestação de trabalho dos elementos da equipa multiprofissional consta do regulamento interno da USF e é estabelecida para toda a equipa, tendo em conta o plano de ação, o período de funcionamento, a cobertura assistencial e as modalidades de regime de trabalho previstas na lei.
E o que dizer de Médicos que no regine anterior estavam em 42 horas, e que agora recebem 9 UCs de lista, fazem 35 h e alguns ainda recebem horas suplementares pagas com base nas 42 hs em serviços, como o AC, para o ACES, e ainda fazem folga na USF por conta desses serviços?
E de médicos em Modelo B que recebem por ter internos e entregam aos internos do 4º ano o seguimento integral das suas listas?
Assim cada vez mais distante fica o slogan inicial tantas vezes proclamado de USFs centradas nos utentes para em troca se afirmar cada vez mais a realidade de USFs centradas nos interesses dos profissionais
A Reforma desmorona-se porque nunca o Ministério e a Administração viram interesse em explicar e dar formação sobre o que devia ser o Modelo B aos Diretores Executivos dos ACES e aos Coordenadores das USFs. Bem pelo contrário a Coordenação da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários e as ARSs escrevem nos seus relatórios de 2019 que o Modelo B assenta numa remuneração base + remuneração por objetivos, fazendo por ignorar que o Modelo B assenta em remuneração base + suplementos (horas suplementares) +remuneração por objetivos
Artigo 28.º
Remuneração dos médicos
1 – A remuneração mensal dos médicos das USF integra uma remuneração base, suplementos e compensações pelo desempenho.
Como muito claramente aliás o afirma o Relatório da IGAS(Ver AQUI) (disponibilizado por solicitação do HealthNews, através do CADA) referente às auditorias das ARSs feitas em 2018 que considera as UCs de Lista como horas suplementares que devem constar dos horários e chega ao ponto de dizer que o valor das UCs de Lista pagas que não tenham tido a contrapartida de horas efetuadas, deve ser devolvido. Relatório onde consta por exemplo o parecer do departamento da auditoria interna da ARSLVT exatamente no mesmo sentido, o qual não poderá ser desconhecido pelo Presidente da ARSLVT que terá tido que o validar antes de ser enviado para a IGAS
(Nota: o relatório até exagera ao considerar o pagamento da orientação de Internos e da coordenação da USF na categoria de suplementos horários quando no DL não constam como tal)
E o Ministério da Saúde o que faz perante este relatório? Fecha-o a sete chaves e dá uma segunda oportunidade às USFs pedindo-lhes, por despacho, que aprovem novos horários e que as atas destes com a respetiva validação pelos Diretores Executivos dos respetivos ACES sejam publicados nos sites das ARSs. Mas nesse despacho não faz o que todas as ARS pedem no Relatório da IGAS: Que o Ministério esclareça de vez como se interpreta e aplica o DL do Modelo B. Ao o não fazer, ao contrário do que parece que vai fazer pelo que diz no seu preambulo, só contribui para deixar continuar as coisas como estavam. Dos relatórios subsequentes das ARSs percebe-se que só ¼ cumprirá o minimente suposto (40 hs) e que 2/3 mantém horários de 35 hs ou pouco mais (5 minutos de incremento por UC de lista para dizerem que têm 9 incrementos!) – como passa a bola e a responsabilidade da interpretação para as ARSs e para os Diretores Executivos
No Relatório da ARSLVT:
- 74,3% das USF modelo B (52 USF) não têm a pronuncia do Diretor Executivo quanto à validação do valor do incremento e aos horários de trabalho de todos os profissionais
Em 74,3% das USFs os Diretores Executivos abstêm-se de se pronunciar (de validarem ou não validar), como consta no relatório oficial da ARSLVT, o que é algo de absolutamente inacreditável… Como pode constar num relatório oficial o registo do incumprimento por parte dos Diretores Executivos de uma das suas funções primordiais? Isto não é só o desmoronamento do Modelo B, é o próprio desmoronamento da Administração Pública.
O que faz perante isto o Presidente da ARSLVT? Nada.
Por outro lado, a contratualização reduziu-se à inscrição unilateral de objetivos numa plataforma informática para dizer que sim que existe, e os seus resultados já ninguém sequer avalia. Assim, o Relatório da Avaliação da ARSLVT relativamente a 2019, (portanto ainda antes da pandemia) nunca viu a luz do dia (o que retira a sustentação legal para o pagamento dos incentivos financeiros- as atividades específicas- em 2020 e 2021). Cai assim o pilar que sustenta o Modelo B. Lembra-se:
Paralelamente, o modelo expresso no presente decreto-lei obriga ao acompanhamento e controlo de procedimentos e avaliação de resultados, distinguindo as diferenças de desempenho por referência a painéis de indicadores, a economias nos custos, a níveis de satisfação dos utilizadores e dos profissionais, bem como à implementação de programas de qualidade e de processos de acreditação
Tudo isto deixou de acontecer. Provavelmente as ARSs já não dispõem de staf para o fazer. Parece que já ninguém quer saber… Ou seja o Modelo B está morto.
E, com uma contratualização meramente simbólica, os diretores executivos arrogam-se a intervir diretamente nos horários dos profissionais das USFs, aprovando ou chumbando horários individualmente (e até exigindo as 40 horas aos recém especialistas, mas não aos mais antigos…) quando a lei é muito clara na atribuição exclusiva da aprovação dos horários ao Conselho Geral da USF cabendo à Direção Executiva do ACES a validação, ou não validação, das propostas aprovadas pelos Conselhos Gerais. E é clara no sentido de que todos os membros de uma USF , antigos ou recentes, estão em pé de igualdade, não contando os regimes de origem, como aliás bem o confirma um oficio de esclarecimento da ACSS
Face ao exposto, e independentemente, até, do regime de trabalho de origem de cada um dos profissionais – seja ele o regime de dedicação exclusiva a que correspondem de quarenta e duas horas semanais. ou aquele a que correspondem trinta e cinco horas semanais — nada impede que o respetivo trabalhador médico, enquanto integrado numa USE possa praticar um horário a que correspondam 40 horas semanais, desde que tal seja objeto de acordo e resulte do regulamento interno da respetiva IJSF e essa carga horária se mostre adequada ao respetivo plano de ação, o período de funcionamento e cobertura assistencial contratualizada
.Isto quando, inacreditavelmente, muitas atas de Conselhos Gerais com a aprovação de horários estão no terceiro ano sem pronúncia por parte dos Diretores Executivos.
Outro aspeto que desmoronou foi a inicial liberdade de escolha do sistema informático proclamada pela Missão, com as ARSs a imporem o Sclínico mesmo contra a vontade dos que utilizavam o Medicine One. Os que resistem são apenas os que decidiram resistir e se revoltaram contra a possibilidade de mudança para um SClínico sem modulo de agenda. Mesmo a emblemática USF Marginal acabou por se render, assim como já muito antes tinha acontecido com USF de S. Julião onde o dr. José Luís Biscaia tinha desenvolvido o Vitacare
Em resumo:
O Acesso ao modelo B acabou de forma silenciosa (da mesma forma que das 100 candidaturas RRE só as 19 primeiras se concretizaram ficando as outras nas gavetas das ARS apesar das juras de apreço e concretização dos Políticos e da Administração); e essa é a contrapartida que as ARS obtêm (e evitando a maçada) por deixarem em roda livre os Modelos B iniciais onde estão alojados os dirigentes associativos e sindicais e os demais “revolucionários”
O Resultado da Reforma acaba por ser a generalização do Modelo A (semelhante ao modelo Alfa que ninguém quis) com os profissionais muito mal pagos, a fazerem 40 horas e a ganharem metade de quem está em B, com listas grandes (iguais às que dão 9 UC), e com o encargo de atenderem os “sem médico, que, como vimos, (com as aposentações e a recusa da nova geração em ficar nestas condições no SNS) irão aumentar.
Certamente que o sector privado agradece a oferta de profissionais e clientes que esta solução lhe disponibiliza.
Como os quadros acima demostram a Reforma está morta desde pelo menos 2010, 8 anos antes de eu ter chamado a atenção para o que se passava e não devia passar nas USFs de Modelo B. Fi-lo porque tinha a plena consciência que se as USFs não se distinguissem pela positiva e não justificassem cada cêntimo nelas investido, o Modelo B estaria condenado.
Neste momento parece-me já impossível voltar a pôr a Reforma nos eixos. Até porque como acima demonstrado a Administração e a Política não a querem e até com o seu comodista e cínico olhar para lado, estiveram a dar corda para que ela se auto descredibilizasse.
Ludibriados (e revoltados) todos os que escolheram a especialidade de Medicina Geral e Familiar acreditando na Reforma assente no Modelo B (e a maioria faz o internato e USFs de Modelo B e agora têm pela frente UCSP mal organizadas, mal equipadas, mal pagos e a terem ainda que atender os muitos utentes sem médico e os que há anos pedalam atrás de uma cenoura que nunca alcançam conforme o testemunho de uma colega na rede de mail dos Médicos de Família :
No seio da equipa á qual pertenço o que tem gerado mais descontentamento é mesmo a falta de respeito que a tutela tem demonstrado na passagem a modelo B. A equipa esforçou-se tanto para obter parecer positivo e não há luz ao fundo do túnel.
A longa demora deita por terra todo o modelo e acentua uma separação abismal entre USF modelo A e modelo B, ou USF de “segunda” e de “primeira”como queiram chamar. Estou completamente desacreditada de qual futuro destes modelos!!! Podemos ter um excelente desempenho e apontam-nos uma cenoura para lá de um precipício. Mas às b, que não atingem os indicadores “mínimos” nada acontece!!! Vou-me repetir no que respondi no questionário, mas gostaria mesmo que com a presença da sra Ministra manifestassem este grande descontentamento. Não aceito discursos como há 2 anos no último encontro a referir que o processo iria passar a ser mais célere. Um discurso semelhante seria areia nos nossos olhos. E mesmo que nesse dia sejam publicadas as 20 USF que vão passar a B, com o intuito de amenizar os ânimos, para as USF que estão de fora dessas 20, mantém-se um enorme descontentamento. A passagem a b deveria ser quase imediatamente a seguir ao parecer e homologação. Se não conseguem isso, todas as soluções que envolvam mais cenourinhas, areia para os olhos, não nos deveriam contentar. Neste assunto até as próprias b deviam apoiar-nos porque o modelo está todo posto em causa, tem um prazo de validade.
Conseguir a quase impossível tarefa de recuperar o modelo B passa pelo que escrevi aqui e aqui
Notas finais:
Os Modelos Bs existentes que não durmam descansados pois o passo seguinte será impedir a mobilidade de médicos em UCSPs (carenciadas de tudo e mais alguma coisa, e com muitos utentes sem médico) para substituir os elementos das USFs B que se aposentem. Até porque o argumento que a sustentava, o aumento da cobertura de utentes, se virou contra a mobilldade para as USF B, que não atendem utentes sem médico.
A senhora Ministra da Saúde anunciou no encontro da USF em 2019 que a partir de 2020, após a revisão do modelo remuneratório do Modelo B todas as USFs A com o parecer técnico aprovado passariam automaticamente para o Modelo B. Não se vislumbra qualquer razão, que não política (não se vê como é que a pandemia impediu aquela revisão que pode ser feita em regime não presencial com troca de documentos e discutida com os Sindicatos em reuniões zoom), para que aquela revisão não tenha sido feita em 2020. Vai cumprir o seu compromisso?
E como resolver a questão das ERAs estarem a fazer de travão, descobrindo sempre pretextos para não darem um parecer técnico favorável?
Será que afinal eu sempre tinha razão e me precipitei quando em 2007 escrevi :
Como sabem não sou politicamente afeto ao partido do governo e fui a única pessoa que neste jornal levantou sérias dúvidas ao Relatório da Comissão para a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários que deu origem a este processo. Não que fosse contra o modelo proposto, mas porque não acreditava que fosse possível de conseguir do governo uma proposta tão arrojada como esta e apostando-se todos os ovos neste único cesto, ficaríamos sem alternativas. Terminei esse artigo dizendo esperar que os colegas da Comissão viessem a demonstrar que eu estava errado. Conseguiram-no. Parabéns à Missão.
Espero que mais uma vez consigam mostrar que eu estou enganado.
António Alvim
Médico de Família
Autor do livro “Um Manual Para a Mudança na Saúde-Porque e Como Mudar”
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