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Pandemia de COVID-19: contributos para a efetividade de resposta do SNS
Aproximamo-nos da época sazonal gripal. Não obstante o esforço de preparação de contingência, no âmbito do plano de saúde sazonal/inverno da Direção-geral da Saúde, o impacte da gripe epidémica e das infeções respiratórias agudas sazonais, em geral, na rede de serviços de saúde do SNS é, todos os anos, notório. Traduz-se por um aumento da procura de consultas de cuidados primários e, sobretudo, pela pressão assistencial hospitalar em termos de episódios de urgência e de internamentos médicos.
À próxima época gripal (outubro de 2020 a março de 2021) será “enxertada” a pandemia pelo SARS-CoV-2 (COVID-19), de evolução não sazonal. Se a primeira se traduz pela referida perturbação assistencial, a última levou ao “congelamento” da atividade da rede de serviços de saúde (cuidados primários e cuidados hospitalares). Tratou-se de uma medida gestionária, de diferimento de toda a atividade programada não urgente ou não primordial, visando a acomodação do previsível aumento da procura e a redução das oportunidades de infeção associada aos cuidados de saúde (prevenção e controlo da infeção).
Cessado o estado legal de emergência, a 2 de maio, foi anunciada a retoma da atividade assistencial. Retoma, não só, da atividade hospitalar (produção médica e cirúrgica; ambulatória e de internamento) mas, também, dos cuidados primários.
Se é certo que os profissionais de saúde estão à beira da exaustão é, igualmente, certo que não havendo uma retoma assistencial efetiva, prévia à época sazonal que se aproxima, teremos reunidos todos os ingredientes para um resultado pouco lisonjeiro para o SNS e para o País, face à possibilidade de uma segunda onda pandémica concomitante. E essa retoma terá que ser realizada, desde logo, pelos cuidados primários, enquanto cuidados de saúde de primeiro contacto.
O redireccionamento de doentes agudos, em ambiente comunitário, para a rede hospitalar promove, secundariamente, um novo “hospitalocentrismo”. No contexto epidemiológico prevalente, tal implica riscos significativos – com trágicas consequências, em termos de disseminação da infeção, como as verificadas no Norte de Itália e noutras regiões ou países que privilegiaram a resposta hospitalar à COVID-19.
A efetividade da resposta pandémica do SNS será medida pela efetividade de resposta à infeção/doença COVID-19 (efeitos imediatos) e pela capacidade de recuperação das “coortes” de doentes crónicos, diferidas no seu acompanhamento clínico (efeitos a médio e longo prazo). Obriga a um reforço da capacidade de resposta extrema – proximal (Saúde Pública) e distal (Medicina Intensiva) – e intermédia (cuidados primários e cuidados hospitalares “clássicos”) e depende da resposta sinérgica das 3 linhas de defesa do SNS: a Saúde Pública (a primeira); os cuidados primários; e os cuidados hospitalares (a última).
Promover a vacinação sazonal da gripe, alargando-a a outros grupos-alvo e ponderando a sua antecipação, em termos de calendário, é uma estratégia primordial do ponto de vista de saúde pública: além da redução da procura secundária à síndrome gripal, facilita o diagnóstico diferencial relativamente à COVID-19, desta forma se otimizando os recursos disponíveis. Por outro lado, garantir meios e recursos às equipas de saúde pública, permitindo-lhes a deteção precoce de casos e de cadeias de transmissão e a localização e vigilância de contactos em tempo útil, é contribuir para o aumento da capacidade funcional de resposta da rede hospitalar e de cuidados primários.
A pandemia de COVID-19, à semelhança de outros acontecimentos em saúde com uma escala e impacte populacionais, obriga a um ajustamento contínuo da resposta. Mas implica, acima de tudo, o centramento dos sistemas de serviços de saúde na comunidade, ao invés do indivíduo.
Independentemente dos seus inequívocos méritos, a reforma Correia de Campos dos cuidados primários (2005-2009) foi enfocada na criação de unidades clínicas com modelos de financiamento específicos, baseados na contratualização em torno de resultados pré-definidos (USF). Acresce, em termos de plasticidade da resposta, que a realidade assistencial prevalente dos centros de saúde levou, muito naturalmente, à subestimação da importância da formação e treino em controlo da infeção, tornando os seus profissionais mais vulneráveis ao “terrorismo biológico” do SARS-CoV-2.
A nível hospitalar há, por sua vez, que assegurar a capacidade de expansão do internamento médico (“surge capacity”), mediante um adequado planeamento de contingência institucional, integrado a nível regional e nacional. Envolver ativamente, na preparação e resposta institucional, os GCL do PPCIRA dos vários níveis de cuidados (primários, hospitalares e continuados integrados) é outra das medidas imprescindíveis a uma resposta efetiva, por parte do SNS e do restante sistema de saúde português.
Na incapacidade do SNS, através das unidades de cuidados primários individualizados (USF e UCSP), em reter doentes agudos/agudizações de doença crónica, divergindo-os do ambiente hospitalar, dificilmente evitaremos o colapso da rede hospitalar.
E ao colapsar a capacidade hospitalar, a derradeira linha de defesa do sistema de serviços de saúde, colapsa o SNS…
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