“Em nenhum outro lugar do mundo somos testemunhas de um inferno semelhante ao de Tigray”, disse esta quinta-feira Tedros Ghebreyesus.
É “terrível e inimaginável nos dias de hoje, no século XXI, que um governo negue ao seu próprio povo, durante mais de um ano, o acesso a alimentos, medicamentos e tudo aquilo de que necessita para sobreviver”, acrescentou o diretor-geral da OMS, condenando o bloqueio do acesso das organizações internacionais ao estado etíope do norte do país, imposto por Adis Abeba.
A OMS não é autorizada a enviar quaisquer fornecimentos para a região desde julho, afirmou o seu diretor-geral, sublinhando que a agência das Nações Unidas teve acesso à Síria e ao Iémen mesmo durante as piores fases dos seus conflitos.
Tedros Ghebreyesus apelou ainda a uma resolução “política e pacífica” do conflito, que desde 04 de novembro de 2020 coloca o regime federal etíope contra os responsáveis políticos de Tigray e respetivas forças militares e forças aliadas.
“Apenas o respeito pela ordem constitucional pode conduzir o problema a uma conclusão pacífica”, afirmou.
“Claro que sou dessa região e da parte norte da Etiópia, mas estou a dizer isto sem qualquer preconceito”, acrescentou.
Estes comentários ameaçam a integridade da OMS, considerou o Governo etíope, liderado pelo Nobel da Paz Abiy Ahmed, numa declaração divulgada na noite de quinta-feira.
Adis Abeba apela, por isso, à abertura de um inquérito relativo à alegada “má conduta e violação de responsabilidade profissional e legal” do diretor-geral da OMS.
Tedros Adhanom Ghebreyesus “interferiu nos assuntos internos da Etiópia, incluindo as relações da Etiópia com o Estado da Eritreia”, afirma o Ministério dos Negócios Estrangeiros etíope na declaração, que cita uma carta enviada à OMS.
O Governo etíope acusa o líder da OMS de apoiar a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF, na sigla em inglês), um partido que governou a Etiópia durante quase três décadas, até à chegada ao poder do atual primeiro-ministro, Abiy Ahmed, em abril de 2018, e de cujo regime Tedros Ghebreyesus foi ministro da Saúde e dos Negócios Estrangeiros.
O responsável da OMS está a usar o seu gabinete “para fazer avançar os seus interesses político em relação à Etiópia” e continua a ser um membro ativo da TPLF, acusou o Governo etíope.
Tedros Ghebreyesus “espalhou desinformação muito prejudicial e comprometeu a reputação, independência e credibilidade da OMS, de forma evidente com as tomadas de posição nos meios de comunicação social em apoio ao terror perpetrado pela TPLF contra o povo etíope”, afirmou o ministério.
A missão da Etiópia junto das Nações Unidas também protestou contra as observações feitas pelo chefe da OMS e exortou-o a “não se imiscuir em qualquer assunto relativo à Etiópia”.
A comunidade internacional deveria “responsabilizar a TPLF pela fome do povo de Tigray, em nome do qual está a levar a cabo esta devastação”, concluiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Adis Abeba.
Tedros Ghebreyesus começou por ser apoiado pelo seu país para se candidatar à liderança da OMS há quatro anos, mas em setembro, quando a França, Alemanha e outros países europeus nomearam Tedros para um segundo mandato como diretor-geral da organização, Adis Abeba recusou-lhe esse apoio, tendo esta sido a primeira vez que qualquer candidato não foi apoiado pelo seu país de origem.
É expectável que Tedros Ghebreyesus venha a ser confirmado para um segundo mandato de cinco anos em maio próximo, uma vez que concorre sem oposição à renovação do cargo que desempenha.
Tedros Ghebreyesus e a OMS foram alvo de severas críticas por parte da administração norte-americana de Donald Trump, por alegados erros graves na resposta à Covid-19 e “conluio” com a China nas fases iniciais do surto.
LUSA/HN
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