Prof.ª Dra. Cristina Nogueira-Silva Ginecologista e obstetra no Hospital de Braga e Hospital Privado de Braga - Centro Professora da Escola de Medicina da Universidade do Minho

HPV – avanços no combate à doença

02/23/2022

O papilomavírus humano (HPV) é um vírus de DNA, responsável pela infeção sexualmente transmissível mais frequente no mundo. Na sua história natural, a infeção por HPV pode associar-se a doenças benignas, mas potencialmente recidivantes e indutoras de má qualidade de vida e ansiedade, tais como verrugas da orofaringe e condilomas anogenitais; bem como a patologia maligna. Na verdade, o HPV é um carcinogéneo humano, sendo reconhecido como etiologia de cerca de 5% de todos os cancros (mais do que o tabaco): quase todos (99,7%) os casos de cancro do colo do útero, 70% dos cancros da vagina e 40% da vulva, 47% dos cancros do pénis, 90% dos cancros anais, até 72% dos cancros da orofaringe e 10% dos cancros da laringe.

Desde a primeira publicação de Harald zur Hausen, em 1985, sobre o HPV, longo tem sido o caminho do conhecimento científico e avanços no combate ao HPV. O desenvolvimento de vacinas profiláticas recombinantes contra o HPV revelou-se uma estratégia de prevenção primária eficaz, custo-efetiva e segura, com múltiplos estudos a demonstrarem taxas de seroconversão de 97 a 100% da população vacinada e um claro impacto na redução da carga de doença associada ao HPV. De facto, a vacina nonavalente apresenta potencial para prevenir 89% dos cancros associados ao HPV e 82% das lesões pré-cancerosas do colo do útero, vulva, vagina e ânus. De referir, também, a eficácia das vacinas contra o HPV na prevenção da reativação e reinfeção pelos genótipos presentes na vacina.

Apesar destes resultados, as doenças associadas ao HPV mantêm-se um importante problema de saúde pública. É disto exemplo o cancro do colo do útero. Globalmente, é o 4º cancro mais comum entre as mulheres, e a segunda causa de morte em mulheres com menos de 44 anos, morrendo 260.000 mulheres por cancro cervical invasivo anualmente, com uma incidência superior em fumadoras, imunodeprimidas e transplantadas. De igual forma, o HPV é responsável por 284.000 a 540.000 novas lesões pré-cancerosas anogenitais por ano. Em Portugal, anualmente, estima-se que 865 mulheres são diagnosticadas com cancro do colo do útero e 379 morram, sendo o 3º cancro mais frequente nas mulheres entre os 15 e 44 anos (ICO/IARC, outubro 2021).

E o que torna o colo do útero tão suscetível à infeção por HPV? A existência da zona de transformação e o processo de metaplasia escamosa que nele ocorre. O HPV infeta os queratinócitos basais, aos quais acede através de microtraumatismos, nomeadamente durante o ato sexual, e o seu ciclo de replicação utiliza a maquinaria das células epiteliais em diferenciação. A infeção persistente por HPV de alto risco oncogénico desempenha um papel crucial na transformação maligna. Felizmente, o processo de carcinogénese é lento, proporcionando oportunidade de intervenção, com a existência de métodos eficazes de rastreio da infeção por HPV e/ou de alterações citológicas. 

Existem consensos nacionais e internacionais (por exemplo, da American Society of Colposcopy and Cervical Pathology) que apoiam a decisão clínica perante alterações dos testes de rastreio, podendo a abordagem clínica, dependendo do risco de desenvolvimento de CIN3+, ser expectante ou terapêutica.

A maioria das infeções por HPV resolvem-se espontaneamente (~80%) e a abordagem expectante pode, de facto, ser recomendada. Contudo, o diagnóstico de uma alteração de um teste de rastreio de cancro do colo do útero associa-se a elevados níveis de ansiedade, o que pode dificultar a aceitação pela paciente da estratégia ‘wait and see’. Assim, é de referir o desenvolvimento nos últimos anos de produtos de aplicação vaginal, baseados em betaglucano, aprovados para o tratamento e prevenção de lesões cervicais de baixo grau causadas pelo HPV.  Os estudos demonstram que o betaglucano, além de ativar o sistema imune, promove a epitelização, estimulando a regeneração cervical. Desta forma, e de acordo com a evidência científica atualmente disponível (estudo retrospetivo, n= 999 mulheres), a formulação em spray de gel vaginal de carboximetil-betaglucano e policarbófilo associa-se a 95,7% de regressão de lesões de baixo grau aos 6 e 12 meses e clearance do HPV 2 vezes superior do que a abordagem expectante.

A celebração do dia internacional de consciencialização sobre o HPV é uma oportunidade para recordarmos o caminho de investigação, melhoria dos cuidados e sensibilização percorrido nos últimos 35 anos, mas também para nos consciencializarmos do caminho a percorrer no combate à patologia potencialmente associada a este agente infecioso.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

APDP apresenta projeto “Comer Melhor, Viver Melhor” no Parlamento Europeu

Uma alimentação que privilegie um maior consumo de produtos vegetais, quando planeada equilibradamente, pode contribuir para melhorar os resultados em saúde nas pessoas com diabetes tipo 2, evidencia o projeto “Comer Melhor, Viver Melhor”, apresentado pela APDP no Parlamento Europeu no passado dia 18 de abril.

SIM recebeu 65 candidaturas às Bolsas Formativas

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) anunciou hoje que recebeu 65 candidaturas às Bolsas Formativas para apoio à frequência de cursos habilitadores à Competência em Gestão dos Serviços de Saúde.

Abertas inscrições para as jornadas ERS

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) vai realizar no próximo dia 23 de maio a terceira edição das Jornadas ERS – Direitos e Deveres dos Utentes dos Serviços de Saúde. As inscrições já se encontram abertas.

CUF assegura cuidados de saúde a atletas do Rio Maior Sports Centre

A CUF e a DESMOR celebraram um protocolo de cooperação que assegura a articulação do acesso dos atletas em treino no Rio Maior Sports Centre a cuidados de saúde nos hospitais e clínicas CUF. O acordo foi formalizado a 30 de abril no Centro de Estágios de Rio Maior.

Finalistas do concurso “Três Minutos de Tese” da UAlg já são conhecidos

A apresentação pública das candidaturas selecionadas na primeira fase do concurso “Três Minutos de Tese (3MT-UAlg)” vai realizar-se no dia 11 de maio, às 14h30, no anfiteatro 1.5 do Complexo Pedagógico do Campus da Penha. Foram selecionados 25 candidatos, dos 53 que se apresentaram a concurso.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights