Paulo Gonçalves: “Temos que trabalhar para que os governos não tirem o pé do acelerador em relação às doenças raras”

02/28/2022
Paulo Gonçalves, presidente da RD-Portugal

O Dia Mundial das Doenças Raras assinala-se no último dia do mês de fevereiro. Em entrevista ao HealthNews, o presidente da RD-Portugal, Paulo Gonçalves, falou da importância e do trabalho desta organização e dos planos para esta segunda-feira. A RD-Portugal convida todas as pessoas a juntarem-se a uma das suas iniciativas, às 18h, iluminando as suas casas com uma luz rosa, azul, roxa ou verde. Depois do dia de hoje, a RD-Portugal, as suas congéneres europeias e a EURORDIS continuarão a trabalhar para que “os governos não tirem o pé do acelerador em relação às doenças raras”.

HealthNews (HN)- Qual a importância de uma organização que agrega associações de doenças raras?

Paulo Gonçalves (PG)- A existência de uma união de associações é a oportunidade de trazer as questões que interessam às famílias afetadas por doenças raras de uma forma concertada, e de agregar vontades que sejam comuns entre as várias patologias e as várias associações, numa mensagem simples e construtiva, e é isso que a RD Portugal quer e está a fazer.

HN- Em que projetos e objetivos se focaram desde maio de 2021?

PG- Tivemos que construir uma organização de raiz que representasse as mais de 30 associações com algo que fosse comum. Tivemos que pensar na missão, na visão dos valores que queríamos que fossem agregadores. Questionámos as associações, para delinear uma estratégia e definir os grupos de trabalho. Portanto, nós tivemos de fazer aquilo que qualquer organização tem de fazer quando se constitui. Tivemos de construir uma imagem e, depois, dar-nos a conhecer a todas as entidades de saúde na área das doenças raras, desde as públicas às privadas. Precisávamos do reconhecimento de credibilidade por parte das entidades públicas da saúde, da segurança social e da comunidade científica, porque tínhamos de falar com todas elas. Isso, de alguma forma, permitiu-nos ter o estatuto de associação de defesa de utentes de saúde, fazer parte do consórcio do National Mirror Group, a entidade que representa Portugal no programa europeu conjunto para as doenças raras, e sermos membros do Conselho das Alianças Nacionais da EURORDIS, que é a organização europeia. As entidades do National Mirror Group são a RD-Portugal, a Direção-Geral da Saúde, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, a Agência de Investigação Científica e Inovação Biomédica, a Comissão Nacional de Centros de Referência e a Fundação para a Ciência e Tecnologia.

HN- Como é que tencionam assinalar o Dia Mundial das Doenças Raras e sensibilizar a população?

PG- No site raras.pt, há uma página dedicada ao Dia das Doenças Raras. Temos estado a fazer um trabalho alinhado com o consórcio do National Mirror Group e com a EURORDIS para trabalharmos as mesmas mensagens a nível europeu. Aliás, na próxima segunda-feira, vai haver uma conferência dos vários Ministérios da Saúde, em França, organizada pela Presidência do Conselho Europeu.

Vamos executar um plano que inclui, por exemplo, a realização de um seminário em conjunto com o National Mirror Group, na próxima segunda-feira, porque precisamos de preparar uma estratégia nacional integrada para as doenças raras. Tínhamos uma estratégia de 2015 a 2020. A Covid veio baralhar isto tudo. Agora que estamos a caminhar para uma nova normalidade, precisamos de ter uma nova estratégia nacional integrada, e este é o grande objetivo do seminário.

Depois, temos uma campanha mediática a decorrer. Temos um vídeo internacional longo e um vídeo internacional curto da EURORDIS, que traduzimos para português. Está legendado e dublado e a passar nos transportes públicos, em vários canais de televisão e rádios, nos cinemas e em hospitais públicos e privados. Há uma excelente recetividade para esta iniciativa. Simultaneamente, participamos em vários debates promovidos quer por empresas quer por meios de comunicação social.

Por último, mas não menos importante, a iluminação de edifícios. Pedimos aos municípios que iluminassem edifícios ou monumentos. Pode encontrar o mapa e a lista dos edifícios na nossa página. Empresas privadas também vão participar iluminando as suas instalações com as cores raras, isto é, as cores que nós indicámos: o verde, o rosa, o azul e o roxo.

Convidamos ainda todas as pessoas a iluminarem as suas casas com as cores raras. Temos um vídeo muito simples que explica como é que isso se pode fazer. Basta ligarem um computador numa sala às escuras. Tirem fotografias ou façam vídeos dos prédios e dos edifícios que virem e mandem-nos, que depois nós vamos juntar tudo num vídeo que ficará disponível no site.

HN- E continuam com um projeto nas escolas, certo?

PG- Sim. Esse é um dos projetos que iniciámos no ano passado. Chegamos aos alunos utilizando a tecnologia, porque era impraticável uma organização sem fins lucrativos como a nossa ir a todas as escolas. Nesse projeto, que se chama Informar sem Dramatizar, damos uma sessão de esclarecimento ou formação aos professores e aos educadores e enviamos-lhes material. Isto é absolutamente gratuito. As escolas inscritas recebem os materiais e podem contactar-nos se tiverem dúvidas e executar o projeto à velocidade delas.

Trabalhámos os materiais, adequando-os às idades correspondentes, desde o jardim de infância até ao secundário. Ou seja, temos materiais para cada faixa etária. Além disso, fizemos inquéritos, que depois são respondidos pelos alunos, pelos pais, pelos professores, para termos um feedback disto e podermos melhorar e perceber se a mensagem está a chegar, um pouco à imagem daquilo que se fez há 15, 20 anos com a reciclagem. Aquilo que nós queremos é que, daqui a cinco ou dez anos, as doenças raras não estejam associadas a tantos mitos. Se começarmos nas escolas, as crianças e os jovens podem levar estas questões para casa e discuti-las em ambientes informais. Os jovens do secundário, por exemplo, se começarem a fazer trabalhos sobre doenças raras, podem até pensar em seguir certos cursos ou ter ideias para ajudar as pessoas com doenças raras.

HN- Já estabeleceram metas para o segundo ano da associação?

PG- No ano passado, antes até de existirmos, propusemos às associações, para que as doenças raras não fossem tema só no último dia de fevereiro, que todos os meses, no dia 29, nos juntássemos online. Isso vai continuar a acontecer, para continuarmos a ouvir das pessoas afetadas ou das famílias afetadas coisas que podemos incorporar naquilo que queremos fazer.

Por outro lado, em conjunto com as nossas congéneres europeias e com a EURORDIS, temos que trabalhar para que os governos não tirem o pé do acelerador em relação às doenças raras. Nos últimos anos, houve uma melhoria em termos de consciencialização e de investigação, mas há esse perigo neste pós-covid. Isto a nível europeu é um trabalho que está a ser feito pelas várias associações e pela EURORDIS. Eu gosto da expressão usada por eles: nós gostávamos que 6% de atenção fosse dada a estes 6% da população. Até porque, se houver um trabalho a nível europeu, de investigação, de partilha, de ensaios clínicos, os resultados podem ser  extraordinários.

A nível nacional, vamos continuar o caminho que temos feito para um registo nacional das doenças raras integrado no registo nacional de saúde, no registo de saúde eletrónico. Já iniciámos um trabalho com a Direção-Geral da Saúde e com a SPMI. Queremos que isso continue e que o que está na lei venha a ser uma realidade, porque o cartão da doença rara não está interligado com nada, portanto, não serve o propósito. Depois, queremos a criação do edifício digital, que é muito mais do que um website. Vai ser a casa digital das doenças raras e vai incluir inteligência artificial. Queremos colaborar com a Direção-Geral da Saúde para que o portal Orphanet Portugal tenha mais informação, melhor informação e informação atualizada.

Queremos projetos de inovação e de sensibilização para as doenças raras como o Informar sem Dramatizar, que pretendemos continuar a desenvolver nos próximos anos, e, por último, queremos iniciar este ano um caminho de transformação para a criação de uma empresa de serviços partilhados. Não é uma empresa do Estado, é uma empresa das associações de doentes que vai prestar serviços de forma partilhada às associações de doentes e às IPSS, porque todas têm este tipo de necessidades.

HN- Quer fazer um último comentário?

PG- Gostaria de agradecer a todas as pessoas que de alguma forma têm estado a construir a RD-Portugal, incluindo as pessoas que nos estão a dar voz e que nos permitem transmitir isto a mais pessoas, para que essas pessoas se juntem a nós, porque algumas delas poderão não saber que têm uma doença rara ou poderão conhecer alguém que tem uma doença rara ainda por diagnosticar. Esse é o trabalho que nós queremos acelerar. Quanto mais tarde se descobre a doença, mais tarde se começa a tratar.

Entrevista de Rita Antunes

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