“Os jovens têm resistência em recorrer ao apoio psicológico. Apesar de a pandemia ter diluído um pouco o estigma em relação à saúde mental, ainda continuam a relacionar isso com o ser fraco e precisar de ajuda”, disse à Lusa Margarida Gaspar de Matos, uma das investigadoras envolvidas neste trabalho.
A especialista diz que os dados deste primeiro estudo com estudantes à entrada do ensino superior, recolhidos entre março e maio de 2021, mostram que a tutela tem de tomar medidas, “sobretudo porque não há psicólogos nos cuidados de saúde primários”.
“Se [estes alunos] tiverem de ir ao privado, a consulta custa 90 euros (…) e não é toda a gente, que está com uma mesada da família, que consegue pagar”, disse a responsável, que é psicologa clínica.
Embora referindo que a situação “não é uma calamidade”, diz que implica que a tutela do ensino superior tome “grandes medidas no sentido do apoio a estes jovens”.
Em declarações à Lusa, a especialista lembrou a necessidade de haver psicólogos nas universidades, sublinhando que “as universidades não se vão substituir aos serviços de saúde, mas é preciso fazer um primeiro acompanhamento e uma referenciação dos casos que sejam mesmo graves”.
Segundo o estudo, que está enquadrado no Projeto HOUSE-Colégio F3, da Universidade de Lisboa (UL), e abrangeu 1.143 alunos universitários do 1º ano, que estudam em Lisboa mas vêm de todo o país, mais de metade (65,9%) dizem sentir-se tristes ou deprimidos, irritados (73,2%) e nervosos (67,7%) pelo menos uma vez por mês.
No entanto, há uma parte destes caloiros que entraram na faculdade no ano da pandemia que quase todos os dias se sentem tristes ou deprimidos (12,9%), irritados (11,8%) e nervosos (20,4%).
Quando questionados sobre a frequência com que recorrem a determinados profissionais de saúde, a maioria (79,3%) disse que nunca ou raramente vai ao psicólogo, um pouco mais de metade refere que vai regularmente ao dentista (50,7%). Ao nutricionista dizem recorrer 88,9%, a um profissional de planeamento familiar 86,3%, ao fisioterapeuta 77,6% e ao ortopedista 81,3%.
“É verdade que este estudo envolveu alunos de faculdades da Universidade de Lisboa – que agora já estarão no 2º ano -, mas não temos razão alguma para pensar que os outros caloiros são diferentes destes”, frisou a investigadora.
Margarida Gaspar de Matos lembrou ainda que outros trabalhos já indicavam que a situação em termos de saúde mental nos jovens em anos de transição de ciclos de ensino era cada vez pior à medida que avançavam nos estudos e que este trabalho mostra que a situação, “não sendo uma calamidade, precisa de uma resposta”.
A investigadora dá o exemplo da rede nacional RESAPES – de psicólogos que trabalham nos serviços apoio psicológico no Ensino Superior -, que sugeriram já medidas que “ficavam muito baratas”, como o trabalho em rede.
“Por exemplo, teria de ser a tutela do ensino superior a por todos estes psicólogos a trabalhar em rede, para conseguirem tele apoiar-se e referir casos uns para os outros, perceber, com a teleconsulta, em que sitio público determinado jovem pode ser apoiado e encaminhá-lo”.
A pandemia “trouxe-nos um conjunto de recursos e temos de pensar como podemos otimizar o apoio a estes miúdos”.
O estudo, que será apresentado esta quinta-feira, na reitoria da UL, mostra ainda que um pouco mais de metade (59,3%) destes “caloiros da pandemia” dormem menos de oito horas por dia durante a semana e, ao fim de semana, a situação inverte-se e 54,6% dizem dormir mais de oito horas.
Margarida Gaspar de Matos chama ainda a atenção para o facto de os dados recolhidos parecerem indicar que os consumos de substâncias e álcool estar a diminuir, mas recorda: “Os dados foram recolhidos durante o confinamento, com bares fechados e eles em casa das famílias, o que dava pouco para consumir droga e álcool”.
A maioria dos jovens menciona já ter bebido álcool uma vez ou mais na vida (86,6%) e nos últimos 30 dias cerca de metade consumiu álcool uma vez ou mais (48,8%).
A especialista alerta igualmente que os próprios universitários consideram que “deve haver um ‘boom’ de consumos daqui para a frente”.
“Aliás, há estudos, por exemplo do SICAD, que indicam que o consumo de medicação psicotrópica está a aumentar. É preciso ver também que, não podendo (…) regular as emoções, muitos recorreram a tranquilizantes e antidepressivos”, apontou.
“Não é uma catástrofe, mas quando o ‘stress’ se torna crónico as forças deixam-nos. E isto está mesmo a precisar de uma ação”, sublinhou.
LUSA/HN
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