África: emergem novos padrões de transmissão da malária

30 de Agosto 2020

Um estudo internacional revela como as futuras alterações climáticas podem afetar a transmissão da malária em África no próximo século.

A malária é uma doença sensível ao clima; prospera onde o ambiente é suficientemente quente e húmido para fornecer, à superfície, água adequada para a reprodução dos mosquitos que a transmitem.

Há mais de duas décadas que os cientistas sugerem que as alterações climáticas podem alterar a distribuição e a duração das estações de transmissão da doença devido a novos padrões de temperatura e pluviosidade.

O peso desta doença recai principalmente sobre África. Em 2018, de um total estimado de 228 milhões de casos de paludismo em todo o mundo, 93% surgiram no continente africano.

O estudo detalhado da transmissão do paludismo é vital para a distribuição dos recursos de Saúde Pública e das medidas de controlo específicas.

No passado, a observação da pluviosidade e da temperatura foi utilizada em modelos climáticos adequados à transmissão da malária, para estimar a distribuição e a duração da transmissão anual, incluindo projeções futuras.

Mas há outros fatores que afetam os resultados pluviométricos da água para a criação de mosquitos. Por exemplo, a forma como é absorvida no solo e na vegetação, bem como as taxas de escoamento e de evaporação.

Um estudo liderado pelas Universidades de Leed e Lincoln, no Reino Unido, combina pela primeira vez o modelo de adaptação climática da
malária com um modelo hidrológico à escala continental que representa processos reais de evaporação, infiltração e caudal dos rios.

Esta abordagem focada no processo dá uma imagem mais profunda das condições favoráveis à malária em toda a África.

Quando se utilizam cenários climáticos até ao final deste século, surge um padrão diferente de alterações futuras propícias à malária, em comparação com estimativas anteriores.

Apesar de se anteverem poucas mudanças na área total de transmissão do paludismo, a localização geográfica de muitas dessas áreas muda substancialmente.

Usando um modelo hidrológico, a diminuição das condições propícias à malária devido à aridez já não são observadas na África Austral, particularmente no Botswana e em Moçambique.

Inversamente, as projeções mostram descidas mais pronunciadas na
África Ocidental. A maior diferença verifica-se no Sul do Sudão, onde o estudo estima diminuições substanciais das condições propícias à malária no futuro.

Este estudo, publicado na “Nature Communications”, destaca os rios como “pontos quentes” da transmissão da malária ao longo de todo o ano.

Embora o fluxo de água dos grandes rios não seja um “habitat” adequado para o transporte de malária, as massas de água mais pequenas, tais como as margens das lagoas e as planícies inundadas, podem converter-se em zonas de reprodução de larvas, tal como os canais de irrigação.

Os rios Níger e Senegal, no Mali e no Senegal, e os rios Juba e Shebelle na Somália, foram identificados no estudo como sendo adequados para a transmissão da malária. Isto é especialmente importante, uma vez que as populações humanas tendem a concentrar-se perto dos rios.

O autor principal do estudo, Mark Smith, da “School of Geography” de Leeds, afirmou: “Apesar do enorme esforço para erradicar o paludismo de algumas partes do mundo, as áreas onde hoje observamos a malária são apenas uma parte da área total com as condições adequadas para a sua transmissão”.

“Mas se quisermos projetar o impacto das alterações climáticas na geografia de transmissão do paludismo, precisamos de desenvolver formas mais sofisticadas de representar essas condições de adequação ao paludismo, tanto hoje como no futuro”.

“A nossa abordagem visa definir mais claramente os riscos ambientais da malária, para que as projeções do impacto das alterações climáticas possam ajudar as intervenções de Saúde Pública e apoiar as comunidades vulneráveis”.

“Mas isso é apenas um primeiro passo. Podemos fazer muito mais para incorporar modelos hidrológicos e de previsão de inundações de última geração nas estimativas da aptidão ambiental do paludismo e, potencialmente, até sistemas de alerta precoce de epidemias locais de paludismo”.

O coautor do estudo Chris Thomas, do “Centre for Water and Planetary Health”, da Universidade de Lincoln, acrescentou: “a diminuição do mapa da malária em África nos últimos 20 anos deve-se principalmente aos enormes esforços de Saúde Pública em curso para combater esta doença, e não às alterações climáticas”.

“Mas a eliminação da malária é muito mais difícil quando o clima é altamente adequado à transmissão, por isso é fundamental saber onde estas áreas estão situadas agora e onde se prevê que estejam no futuro”.

“Neste estudo, mostramos que a ligação dos processos geográficos físicos à biologia ajuda a lidar com alguma dessa complexidade. Agora, o desafio consiste em desenvolver esta abordagem à escala local”.

Mais informação:
The paper “Incorporating hydrology into climate suitability models changes projections of malaria transmission in Africa” is published in Nature Communications on 28 August 2020 (DOI:10.1038/s41467-020-18239-5).

 

R/HN/Adelaide Oliveira

 

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