O anúncio da instauração do inquérito foi feito pelo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, em 09 de agosto, oito dias após o adolescente ter dado entrada no Hospital da ilha do Fogo, onde acabou por morrer, depois de ter sido transportado de bote da vizinha ilha Brava.
Coordenada pela médica Iolanda Landim, do Hospital Agostinho Neto, na Praia, a comissão de inquérito concluiu que, após análise de documentos e audição dos intervenientes, todos os procedimentos recomendados e necessários no quadro clínico apresentado pelo doente desde a entrada no Centro de Saúde da Brava até ao óbito no Fogo foram cumpridos, de acordo com as condições existentes.
“O que nos leva a concluir que, em relação aos serviços médicos hospitalares prestados, não houve nenhuma negligência médica na assistência prestada ao adolescente/doente”, lê-se no documento, reafirmando que o jovem morreu de leucemia aguda.
“De uma forma geral, todas as informações que constam nas fichas do processo clínico foram preenchidas e estavam legíveis, o que facilitou a análise do processo”, deu conta a comissão, constituída ainda pela médica Hélida Djamila Fernandes, da Praia, e por Cilene Silva, gestora do Fundo de Segurança Marítima.
A mesma fonte verificou que o adolescente esteve pelo menos 48 horas em casa a ser tratado pelo pai, que é enfermeiro, e que toda a assistência médico-hospitalar prestada desde a entrada no Centro de Saúde da Brava até ao óbito no Hospital do Fogo foi em tempo aceitável, e com as condições necessárias para a prestação dos cuidados que o quadro clínico exigia.
Para os inquiridores, o atraso de cerca duas horas na realização das análises no centro de Saúde da Brava foi ditada pelo quadro clínico não emergencial e não influenciou o desfecho desfavorável para óbito.
“A técnica do laboratório ausentou-se da cidade, sem consentimento do Delegado de Saúde”, reprovou a comissão, para quem este facto merece uma “avaliação interna”, pese embora a proposta de evacuação médica foi imediata perante o quadro analítico.
Nesse sentido, entende que se não houvesse transtornos causados pelo transporte, o doente chegaria mais cedo ao hospital no Fogo, porém sem certeza de que sobreviveria dado a evolução clínica, que foi muito aguda, rápida e agressiva.
“Uma situação clínica rara, mas que acontece de acordo com a literatura. Os tratamentos que receberia, como por exemplo, a transfusão de glóbulos disponível no HSFA (Hospital São Francisco de Assis), no Fogo, serviria como tratamento de apoio, e não como garantia de sobrevida”, completou, considerando, porém, que a ausência da ambulância no cais do porto dos Cavaleiros “foi grave”.
O inquérito, que tinha de ser apresentado até ontem, deixa ainda algumas recomendações, como o preenchimento das fichas clínicas (diário clínico) de forma mais detalhada e implementação de um sistema de monitorização regular, e criação de condições locais para transfusão nas ilhas sem hospital de retaguarda.
Também considerou que se deve “evitar sempre” que o técnico de saúde acompanhante seja familiar do doente, embora legalmente possa fazê-lo, mas eticamente não é recomendado, “pois compromete a assistência nas situações emergenciais”.
A comissão recomendou ainda a elaboração de um protocolo de evacuação com a “máxima prioridade”, com a intervenção de todos os atores e a elaboração dos procedimentos e fluxograma de decisão, assim como, um formulário de registo durante os transportes a ser implementado com caráter legal e urgente.
“Sob pena de situações idênticas se viram a repetir. Os procedimentos de evacuação devem ter enquadramento legal e estar normatizado onde fica espelhado de forma nominal a responsabilidade de cada interveniente e a conduta para cada etapa. Cada instituição deverá preparar e manter equipas operacionais de transporte inter-hospitalar de doentes críticos”, aconselhou.
Também recomendou a melhoria da comunicação entre os elementos da equipa e entre as estruturas, através de ações de formação, elaboração e implementação de protocolo de assistência de emergência pré-hospitalar, a nível nacional, e aquisição de uma ambulância para o hospital do Fogo.
Antes do chefe do Governo, o Presidente da República, José Maria Neves, defendeu a realização de um “inquérito rigoroso” ao caso e uma auditoria ao Sistema Nacional de Saúde, face às queixas, sobretudo nas redes sociais, à alegada falta de condições em que o rapaz foi transportado, num bote, para São Filipe.
Cabo Verde não dispõe de qualquer meio aéreo do Estado para garantir evacuações médicas, que normalmente são realizadas através das ligações aéreas e marítimas regulares, sendo que no caso da Brava, a ilha não dispõe de aeródromo.
Os investigadores consideraram ainda que a realização de evacuações médicas através do transporte marítimo de passageiro e carga interilhas, proporcionado pela Cabo Verde Interilhas (CVI), ao abrigo do contrato de concessão, nas condições atuais, é “precário e inseguro”, com elevados custos para o erário público e para a perceção da qualidade do serviço público prestado.
Num comunicado emitido em 04 de agosto, a direção do Hospital Regional Francisco de Assis, em São Filipe, referiu que o adolescente, que ali se encontrava de férias, deu entrada no Centro de Saúde da Brava em 31 de julho e que estava há cinco dias “automedicado” por dor de garganta e febre.
Análises posteriores, feitas no hospital da Praia, concluíram que o adolescente deu entrada no hospital com “um quadro de leucemia aguda, confirmando assim a hipótese de diagnóstico inicial de leucemia como causa de morte”.
LUSA/HN
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