Filme sobre Cesária Évora revela impacto da doença bipolar na diva dos pés descalços

19 de Outubro 2022

O impacto da doença bipolar na vida de Cesária Évora é um dos aspetos inéditos do filme que chega aos cinemas portugueses no dia 27 e que mostra como esta mulher negra e pobre deu a volta ao destino.

Realizado por Ana Sofia Fonseca, “Cesária Évora” conta com imagens de arquivo, gravações inéditas e testemunhos de quem privou com Cize, como era conhecida, dos tempos da pobreza ao reconhecimento mundial que chegou depois dos 50 anos e após uma “explosão” de sucesso que começou em França e a levou a dar a volta ao mundo.

Aquela que é conhecida como a maior embaixadora de Cabo Verde descreve-se no documentário como alguém que queria, antes de tudo, comida no prato e uma casa para acolher a família. Acabou por ser pequena a casa que construiu no seu Mindelo, à qual a toda a hora chegava alguém para partilhar uma música, uma refeição ou pedir ajuda para alguma coisa.

A cabo-verdiana, que nunca gostou de usar sapatos, já cantava há décadas, em bares, no porto ou em barcos que atracavam em São Vicente, quando, em 1991, completa 50 anos e pela mão do produtor e amigo José da Silva, conhece o sucesso, embalado pela música “Mar Azul”.

Na película, Cize afirma-se “filha do Mindelo, do fundo da alma” e é esta cidade que se encontra em várias composições, interpretadas por uma “voz única que vem da terra”.

Em 1993, Cesária atua no Olympia, em Paris, desfilando temas como “Sodade”, “Mar azul”, “Angola” e “Miss Perfumado”. Regressa a Cabo Verde com dinheiro para construir a sua tão desejada casa, mas acaba a oferecer o que ganhou com os companheiros de terra, adiando o seu sonho.

O filme de Ana Sofia Fonseca, portuguesa com casa no Mindelo, bem perto da residência de Cize, mostra episódios caricatos, como a vez em que levou uma panela com cachupa para os camarins do Hollywood Bowl, em Los Angeles.

Inéditas também, em documentário, as imagens das gravações em Havana de um dueto (“Lágrimas negras”), com Compay Segundo, nas quais se pode ver Cesária a perguntar ao cubano se ele ainda consegue dar “uma trancada”.

Janete Évora, uma das netas da cantora, partilha no filme memórias da avó, recordando como os longos anos da pobreza foi tratada como uma bêbada e prostituta.

“Ela só queria um teto e o que comer e consegue muito mais. É preciso cuidado com o que se deseja”, afirma Janete, contando como Cize esteve durante 11 anos fechada em casa, num dos episódios marcantes da sua doença bipolar.

A companhia do álcool com que vencia o medo dos palcos, o cigarro sempre presente e a teimosia tornaram-se, a par dos pés descalços, imagens de marca da cantora que nos seus espetáculos se sentava numa mesa a beber e a fumar, enquanto os músicos tocavam, numa cena que não era um cenário, mas sim a forma como se habituou a cantar, nos bares.

Os períodos depressivos voltaram a atingir Cesária, que se mostrava cada vez mais cansada com a confusão da sua casa, onde estava sempre a chegar alguém.

Nos períodos de euforia, Cize falava de vários assuntos ao mesmo tempo e gastava muito dinheiro, como quando de uma só vez gastou 10.000 euros em ouro, cada vez mais presente no seu pescoço e pulsos.

Cesária Évora sofreu dois Acidentes Vasculares Cerebrais e o segundo, em 2011, mostrou-lhe que nunca mais poderia cantar. Morreu a 17 de dezembro de 2011.

Foram as imagens poderosas de um povo em luto no funeral da sua diva que levou Ana Sofia Fonseca a decidir fazer um documentário sobre Cesária.

Produzido pela Carrossel Produções, em associação com a Até ao fim do mundo, o filme foi realizado em Portugal, França e Cabo Verde, e tem distribuição mundial pela Cinephil/WestEnd Films.

LUSA/HN

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