Apesar de continuar a ser a “principal fonte de informação de saúde em Portugal”, “muitas vezes o que acontece é que nem o próprio profissional de saúde está sensibilizado para estes aspetos”, alertou a investigadora Ana Rita Pedro, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), colocando também o foco, ainda no setor da saúde, no “papel fundamental” das farmácias comunitárias, que “em muitos sítios são a única fonte de informação que o cidadão tem”.
Relativamente aos farmacêuticos, também eles têm um “papel fundamental no acesso à informação aos cuidadores informais e ao encaminhamento, até, para a Associação Nacional de Cuidadores Informais, para um contacto mais especializado, para outras fontes de informação”, sugeriu Ana Rita Pedro.
No fundo, “precisamos de capacitar os nossos profissionais de saúde nesta área e sensibilizá-los para a pertinência do tema, por forma a dotá-los de competências para eles próprios serem capazes de passar esta informação às pessoas que dela precisam”, concluiu.
Por outro lado, há falta de profissionais de saúde para acompanhar os cuidadores, “e isto coloca em causa várias questões, nomeadamente a avaliação da sobrecarga do cuidador, todas as medidas como o aconselhamento e a informação em saúde”, advertiu a presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais. “Não há uma estratégia que, a nível nacional, defina os critérios e o planeamento de quantos profissionais é que vão estar a acompanhar cuidadores. (…) De facto, nós defendemos que haja um financiamento para a contratação de mais profissionais para acompanhar os cuidadores no terreno”, disse Liliana Gonçalves.
“Problema gritante”, “importa delinear estratégias”
Do que se sabe, e, de acordo com as oradoras, é pouco, os cuidadores informais em Portugal são mais de um milhão.
Para aprofundar esta temática, a Escola Nacional de Saúde Pública está a recolher informação junto da população. Dia 19 de abril, na ENSP, serão apresentados resultados que permitirão conhecer melhor os cuidadores informais. Além dos números, quer-se que estes partilhem problemas e soluções, “para a partir daí discutir e aprofundar algumas estratégias”, explicou Ana Escoval, coordenadora da Plataforma Saúde que Conta da ENSP.
Neste webinar organizado pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar (APDH) em colaboração com a FDC Consulting, moderado por Marina Caldas, Ana Escoval recordou que poucos cuidadores beneficiam do estatuto. “Outra coisa importante, poderem beneficiar do descanso do cuidador.”
“Quando se cuida, é preciso cuidarmos também de nós”, e “um cuidador, maioritariamente, fica sem tempo para si, fica sem qualidade na sua vida e tem pouco a quem recorrer”, lamentou.
É um “problema gritante”, para o qual “importa delinear estratégias”.
“Estamos a tardar muito a chegar aos cuidadores”
Liliana Gonçalves lamentou que estejamos “a tardar muito” a nível de apoios, “porque também o estatuto, no seu acesso, acaba por limitar muitos daqueles que poderiam ter o seu estatuto reconhecido”. Até à data, de acordo com os últimos dados do Instituto da Segurança Social, cerca de 25 mil pessoas solicitaram o estatuto, mas apenas 1343 conseguiram o seu reconhecimento; nove mi pediram o subsídio de apoio ao cuidador, que chegou a 3672.
Precisa sobretudo de avançar: a medida do descanso ao cuidador, com “regulamentação para uma diferenciação positiva no acesso”, atualmente a beneficiar somente 121 pessoas; apoio financeiro a todos os cuidadores informais (“não podemos ter critérios que venham criar desigualdade e que deixem de fora cuidadores”); o apoio psicológico no terreno, que exige mais profissionais da saúde e do social; o aumento do valor do subsídio, hoje “muito insuficiente para responder àquilo que é a sobrecarga das famílias no cuidar e para as despesas que existem”.
A Associação Nacional de Cuidadores Informais defende igualmente o alargamento do estatuto a outro tipo de cuidadores, que o subsídio deixe de estar sujeito a condição de recursos, mais mudanças no sistema laboral e proteção na reforma, recordando os cuidadores que ficaram sem carreira contributiva e estão mais expostos a situação de pobreza.
Para Liliana Gonçalves, o estatuto “tem que ser simplificado e haver uma campanha a nível nacional, seja através da rádio, seja através da televisão, suportada com pessoas de proximidade”. Um estatuto que “ainda não veio trazer o reconhecimento da pessoa”.
“Apesar de toda a atenção mediática que foi dada com (…) a aprovação do estatuto do cuidador informal, sentimos que agora é mais difícil conseguir dialogar com os partidos políticos para as necessidades que existem de financiamento, para que, de facto, nós consigamos ter as medidas implementadas”, disse a oradora, que quer um estudo nacional que permita conhecer as “reais necessidades dos cuidadores”. “Precisamos de planeamento”, enfatizou.
“Na verdade os cuidadores informais não são uma prioridade”
Criou-se o estatuto, “mas a verdade é que foi um bocadinho para nos atirar areia para os olhos”, “porque nós vemos quão apertado é o estatuto e que deixa praticamente toda a gente de fora”, denunciou Maria do Rosário Zincke, que também apoia a redefinição dos conceitos de cuidador e de pessoa cuidada.
“Na verdade, os cuidadores informais não são uma prioridade” e “enquanto não houver vontade política, nem que seja com um empurrão vindo dos institutos europeus, nada mudará consideravelmente”, referiu.
Na perspetiva da Plataforma Saúde em Diálogo, “o estatuto do cuidador informal, por todas as razões que já foram aqui apontadas, deve ser revisto por forma a dar resposta aos cerca de mais de milhão de cuidadores informais que existem no nosso país”. Para a presidente, “o que nós temos agora é algumas medidas legislativas com uma implementação extremamente tímida e que está longe de satisfazer quer os cuidadores quer as pessoas cuidadas”.
Por exemplo, medidas como o subsídio ao cuidador informal principal “não se configuram como um verdadeiro reconhecimento do papel económico e social que o cuidador informal desempenha na nossa sociedade”. A sua intervenção “tem vindo a libertar o Estado de responsabilidades que são em primeira linha suas” e, no setor da saúde, assume um “papel fundamental” no acompanhamento do percurso de cuidados.
Além disso, este estatuto “surge sem ter havido uma prévia reflexão profunda sobre a articulação deste regime com outros regimes que com ele se cruzam”; no entanto, “impunha-se ter pensado nesta articulação, até porque os cuidadores informais, muitos deles, têm uma baixa literacia jurídica”. O cuidador “tem de perceber exatamente quais é que são limites da sua atuação. Isto até para não correr riscos”.
Contudo, deu-se um passo em frente com a aprovação da proposta de alteração do Código do Trabalho. “Mas também aí o legislador foi um pouco tímido. Não teve coragem de ir tão longe quanto aquilo que nós desejaríamos.”
Na implementação das medidas, as associações de cuidadores e as associações de doentes “podem e devem” desempenhar um “papel muito importante”.
Neste caminho, a articulação entre a saúde e a segurança social é “um desafio estrutural muito grande”.
“Chegar ao cuidador informal tem sido efetivamente um desafio do ponto de vista da investigação”
Ana Rita Pedro disse que chegar a este grupo tem sido um desafio do ponto de vista da investigação, e a sua própria experiência comprova-o. “Talvez este ano, e com o desafio de o Saúde que Conta avaliar a literacia em saúde e a qualidade de vida do cuidador informal, tenha sido o ano mais desafiante do ponto de vista da recolha de dados”, contou.
“Será que o cuidador informal em muitas circunstâncias sabe que o é? Sabe que o é de acordo com a legislação em vigor?”
Não basta ter acesso à informação, “é preciso compreendê-la”. “Muitas vezes não conseguimos compreender a informação que nos é disponibilizada.” Os cuidadores informais “estão muitas vezes perante esta situação”. Exemplo disso é o facto de muitos participantes do estudo que Ana Rita Pedro está a desenvolver desconhecerem o descanso do cuidador. Há “um completo desconhecimento sobre este direito, ou sobre os apoios de subsídios que deveria ter, ou (…) não consegue lá chegar por força das burocracias, ou sente-se desapoiado do ponto de vista institucional para fazer valer os seus direitos”, relatou a investigadora sobre um grupo que “cuida 24 sobre 24 horas, 365 dias por ano” – por isso também de difícil intervenção.
“Nós temos algumas experiências, algumas tentativas de capacitação, de formação, de apoio, de ajuda. Mas em que tempo? Em que janela de oportunidade? Quando é que nós conseguimos dotar estas pessoas de algumas ferramentas? (…) Estas pessoas não conseguem, muitas vezes, largar o seu processo de cuidar para que nós consigamos cuidar de quem cuida”, salientou a oradora.
É preciso questionar também, continuou a investigadora, se os cuidadores informais têm as competências de informação necessárias para fazer a gestão diária dos doentes e de que forma é possível ajudá-los. E é preciso mais investigação.
O desafio, contudo, é de todos nós, “potenciais cuidadores informais ou potenciais pessoas cuidadas”. “É preciso que a sociedade como um todo se mobilize em torno desta causa.”
HN/RA
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