Andreia Gomes: “O cordão umbilical tem vindo a revolucionar várias áreas da Medicina”

03/08/2023
O cordão umbilical provou ser uma fonte válida e rica em células estaminais, cuja colheita é fácil, indolor, não invasiva e totalmente segura para a mãe e o bebé. (...) Em entrevista ao Healthnews Andreia Gomes, Diretora Técnica e de Investigação & Desenvolvimento & Inovação da BebéVida, faz um levantamento das vantagens clínicas, desafios e problemáticas que delineiam este setor de atuação, que tem proliferado por toda a comunidade científica internacional e nacional.

O cordão umbilical provou ser uma fonte válida e rica em células estaminais, cuja colheita é fácil, indolor, não invasiva e totalmente segura para a mãe e o bebé. Destacando os dois grandes grupos de células estaminais: o sangue do cordão umbilical, rico em células estaminais hematopoéticas, e o tecido do cordão umbilical, rico em células estaminais mesenquimais. Estas células estaminais provenientes do cordão umbilical acabam por ter algumas vantagens face a outras fontes de células estaminais como, por exemplo, a disponibilidade imediata, a não exigência de uma compatibilidade rigorosa (no caso das células hematopoéticas) e a pouca exposição a fatores ambientais uma vez que só existem durante o período de gestação. em entrevista ao Healthnews Andreia Gomes, Diretora Técnica e de Investigação & Desenvolvimento & Inovação da BebéVida, faz um levantamento das vantagens clínicas, desafios e problemáticas que delineiam este setor de atuação, que tem proliferado por toda a comunidade científica internacional e nacional.

Na sua opinião, porque é que é benéfico guardar o sangue e tecido do cordão umbilical, de modo a preservar as células estaminais?Andreia Gomes (AG) – As células estaminais apresentam uma enorme versatilidade e, entre outras características, apresentam capacidade de se autorrenovar indefinidamente e de se diferenciarem (especializarem) em vários tipos celulares. Estas características fazem com que estas células sejam utilizadas no tratamento de várias patologias, atuando a nível da regeneração e recuperação de tecidos e, portanto, no tratamento de doenças decorrentes de disfunção celular. Atualmente, várias patologias usam como terapia o transplante de células estaminais como, por exemplo, imunodeficiências, doenças hemato-oncológicas, doenças autoimunes e doenças do âmbito da Medicina Regenerativa. O cordão umbilical provou ser uma fonte válida e rica em células estaminais, cuja colheita é fácil, indolor, não invasiva e totalmente segura para a mãe e o bebé. Destacando os dois grandes grupos de células estaminais: o sangue do cordão umbilical, rico em células estaminais hematopoéticas, e o tecido do cordão umbilical, rico em células estaminais mesenquimais. Estas células estaminais provenientes do cordão umbilical acabam por ter algumas vantagens face a outras fontes de células estaminais como, por exemplo, a disponibilidade imediata, a não exigência de uma compatibilidade rigorosa (no caso das células hematopoéticas) e a pouca exposição a fatores ambientais uma vez que só existem durante o período de gestação. Estes fatores associados ao facto de que estas células representam potenciais agentes terapêuticos com aplicação clínica, ao guardar o cordão umbilical em detrimento de o descartar, consegue-se ter a possibilidade de tratamento, uma vez que as aplicações atuais das células estaminais do sangue e do tecido do cordão umbilical e os esforços científico e médico apresentam um grande crescimento. Assim, a decisão de criopreservar estas células é cada vez mais pertinente e importante.

O tratamento de alguns tipos de doenças oncológicas é fortemente associado a esta terapêutica. Pode exemplificar algumas patologias onde a utilização de células estaminais já tenha tido aplicações com resultados relevantes?
AG – Atualmente, o transplante células estaminais hematopoiéticas do sangue do cordão umbilical já é usado como terapia em vários grupos de patologias doenças hemato-oncológicas como, por exemplo, leucemias, mas também em linfomas, imunodeficiências, anemia e tumores sólidos. Para além disso, tanto as células estaminais do sangue e do tecido do cordão umbilical também têm sido aplicadas em âmbito de ensaio clínico para uma vasta gama de doenças como doenças metabólicas (diabetes tipo 2), doenças autoimunes (esclerose múltipla, entre outras), doenças cardiovasculares, AVC, perturbações neurologias como autismo, com resultados benéficos destacando também o seu potencial terapêutico e de regeneração.

Existe algum caso de sucesso que gostasse de destacar?
AG – Existem vários casos de sucesso desde o primeiro transplante de sangue do cordão umbilical (em 1988) que curou um menino portador de anemia de fanconi. O sucesso do procedimento constituiu um marco no mundo e contribuiu para o crescente interesse em torno do cordão umbilical. Desde aí já mais de 60.000 transplantes foram realizados em todo o mundo. É importante reforçar que esta terapia pode representar a cura de mais de 80 doenças potencialmente fatais, em que o êxito terapêutico é à volta dos 80%, isto claro, dependente da doença. Claro que toda a atenção, investigação e estudos estão, também, a serem direcionados no aumento de êxito desta terapia.

Como decorre o processo associado à preservação das células estaminais do sangue e do tecido do cordão umbilical? As células estarão disponíveis durante quanto tempo?
AG – Em 1989, um ano após o primeiro transplante de sangue do cordão, foram postuladas as primeiras indicações sobre como realizar a colheita, o processamento e criopreservação destas células. Este é um processo importante uma vez que o acesso ao sangue e ao tecido do cordão umbilical só acontece uma vez (aquando do parto), sendo uma dádiva única. Desta forma, é importante que todos estes procedimentos sejam realizados sem danificar a qualidade e integridade da amostra. Desde então, o tempo de criopreservação têm vindo a ser estudado e avaliado à medida que vamos avançando no tempo. Até então, vários estudos têm sido realizados estudos para perceber se a qualidade da amostra de sangue e tecido do cordão umbilical diminui com o tempo e até agora ainda não se definiu a sua “validade”.

De que forma é que a utilização das células estaminais pode revolucionar a Medicina Regenerativa e o modo como encaramos o envelhecimento?
AG – O reconhecimento do cordão umbilical como fonte alternativa de células estaminais, associado às suas múltiplas vantagens tornaram o cordão umbilical uma das opções preferenciais no isolamento e posterior utilização de células estaminais.  As células estaminais que constituem o sangue e tecido do cordão umbilical partilham entre si a capacidades e caraterísticas regenerativas e um carater anti-inflamatório ampliando o campo de aplicações terapêuticas de forma a estender-se a diversos contextos patológicos, tendo a medicina regenerativa assumido uma posição privilegiada. Desta forma, o cordão umbilical tem vindo a revolucionar várias áreas da medicina, uma vez que apresenta um potencial tratamento e uma potencial cura para várias doenças atualmente ainda incuráveis. Inicialmente, as células estaminais do cordão umbilical foram usadas para o tratamento de doenças hematológicas, o leque de patologias para as quais é considerado terapia efetiva tem vindo, ao longo dos anos, a ser ampliado de forma muito significativa, englobando também patologias não hematológicas. Assim, se tem demonstrando que o cordão umbilical (produto biológico que é descartado após o parto) é uma fonte rica em células estaminais cuja a sua utilização têm vindo a representar a cura para várias patologias como vários tipos de anemias, leucemias, linfomas, doenças autoimunes, tumores sólidos entre outros. À medida que as pessoas envelhecem, as taxas de cancro e de outras patologias aumentam e a probabilidade cumulativa de fazer um transplante de células estaminais aumenta. Por exemplo, dados estatísticos apontam que, nos Estados Unidos, cerca de uma em cada 200 pessoas, fará um transplante de células estaminais (não apenas necessita de um, mas terá um) aos 70 anos. Portanto, o sangue do cordão umbilical que os pais criopreservam do seu bebé também pode ser útil para um membro imediato da família daqui a alguns anos. Por exemplo, alguns pais guardam as células estaminais do cordão umbilical em bancos familiares porque têm muitos parentes com uma doença autoimune como a esclerose múltipla.  Existem famílias que usam as células estaminais do cordão umbilical dos seus bebés para tentar tratar distúrbios neurológicos diagnosticados nos primeiros anos de vida. Estes incluem autismo, paralisia cerebral, apraxia, ataxia, hidrocefalia, acidente vascular uterino, lesão cerebral traumática e condições semelhantes. Ninguém quer imaginar que o seu filho possa nascer com uma lesão cerebral, mas a realidade é que a paralisia cerebral ocorre em dois em cada 1.000 nascimentos a termo, e entre os prematuros é 10 vezes mais comum.

Quais são os maiores desafios associados à área da criopreservação das células estaminais? O investimento é considerado um condicionante?
AG – Como em qualquer área, o investimento acaba por ser uma condicionante, uma vez que todos os resultados podem ser mais céleres e, portanto, o uso como terapia para mais patologias também. No entanto, há de facto um olhar e atenção das comunidades médica e científica muito direcionado para o cordão umbilical. Isto faz com que inúmeros estudos (desde estudos em células até ensaios clínicos) sejam conduzidos de forma a perceber quais os efeitos e como as células estaminais provenientes do sangue e tecido do cordão umbilical atuam e exercem os seus efeitos terapêuticos.

Existe resistência na utilização das células estaminais em Portugal, comparativamente ao contexto internacional? Se sim, por que motivo?AG – Não creio que exista uma resistência marcada na utilização das células estaminais em Portugal. Em Portugal, desde 2002 até 2019, mais de 80 transplantes de células estaminais do cordão umbilical foram realizados. Isto aliado à criação, em 2009, do Banco Público de Células do Cordão Umbilical e à confiança de inúmeras famílias em Bancos Familiares, como a BebéVida, faz perceber que o interesse neste tipo de produto biológico como terapia é real em Portugal. Há de facto uma confiança por parte dos profissionais de saúde neste tipo de terapia, mas o uso a este recurso não é tao preponderante em Portugal quando comparado com a Europa por exemplo. No entanto, cada vez mais se percebe que este caminho está a ser feito em Portugal, mas talvez a um ritmo mais lento.

Quais considera serem os próximos passos a dar na investigação desta área científica? Esta alternativa é abordada de forma adequada nas vertentes formativas?
AG – Embora as células estaminais do cordão umbilical sejam, atualmente, reconhecidas como uma possível terapia em várias doenças, a aplicação destas células ainda não está totalmente conhecida. Isto faz com que mais de 600 laboratórios de criopreservação de células estaminais espalhados mundialmente combinem médicos e investigadores a desenvolverem mais de 800 ensaios clínicos para comprovar a eficácia e/ou a segurança de novas terapêuticas em humanos e alcançar, assim, avanços nesta área. Atualmente, o tecido do cordão umbilical apresenta também um foco de atenção, uma vez que vários estudos experimentais, ensaios pré-clínicos e ensaios clínicos têm vindo a demonstrar o potencial terapêutico destas células em diversas áreas, como na reconstrução de tecidos lesionados, como músculos e cartilagem, e em doenças como Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla e doenças cardiovasculares. Os passos atualmente a serem dados nesta área focam-se na avaliação da segurança para as pessoas neste tipo de terapia, na compreensão do “como estas células exercem os seus efeitos” e na compreensão dos efeitos terapêuticos das células estaminais de sangue e tecido do cordão umbilical em doenças que transbordam a área das doenças hemato-oncológicas e cujo tratamento eficaz ainda não é conhecido, entre elas, doenças cardiovasculares, doenças do sistema nervoso central, diabetes, entre outras.

HN/PR

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