Enfermeira Teresa Fraga Diretora Técnica da Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos Pediátricos Kastelo,

Morte em Pediatria

06/10/2023

A morte é uma consequência da vida. Esta deve ser encarada como algo que temos que enfrentar e viver com esta finitude um dia. Morrer aos 80 anos não é a mesma situação que morrer aos 2 anos. A morte de uma criança é antinatural, visto não haver nome para os pais que perdem um filho.

A criança é considerada saudável e todos pressupomos que o seu futuro seja alegre e seja muito feliz. A vida por vezes contraria esta previsão e a criança é atingida por uma doença que incapacita e promove o seu fim. Todos consideramos esta situação injusta e grave. Porquê de tudo isto, quando esta, está no início de uma caminhada e poderia ter um futuro cheio de sonhos.

A morte não assusta a criança, esta por vezes verbaliza a morte como adormecer, mas demonstra preocupação como irão ficar os familiares com as saudades da sua ausência. Um dia perguntaram a uma criança de 11 anos se tinha medo de morrer, esta respondeu “não tenho medo de morrer, mas não sei como a minha mãe vai suportar a dor da minha perda. Sei que ela vai sentir muitas saudades minhas e vai ficar muito triste. Isto preocupa-me muito mais que morrer”. Uma criança quando parte, inicia a sua viagem de forma tranquila porque esta não tem terreno.

O adulto inicia a sua viagem por vezes de forma atribulada porque tem dificuldade em deixar tudo o que construiu durante uma vida. Nada é nosso, tudo fica. Nunca pensamos que um dia tudo termina, sabemos tudo isso, mas não queremos falar nem pensar nessa situação. Preferimos viver como se nada fosse acontecer um dia. Como profissional de saúde tenho que enfrentar a morte diariamente e esta acompanha-me como um fantasma que me envolve e desafia. O meu mundo é a pediatria e fico muitas vezes zangada com a morte pelos roubos que ela traz aos pais que não tiveram a hipótese de viver o seu estatuto de pai ou mãe. Ficou assim um sonho interrompido para nunca mais vai ser vivido.

O que devo fazer perante esta situação? Nada posso oferecer porque me sinto impotente para tal situação. O que eu sinto é tristeza, revolta pela atitude da morte ao levar um ser humano que não teve hipótese de viver a vida e ser feliz. Muitas destas crianças antes de partir sofrem muito como consequência dos procedimentos terapêuticos infringidos pelos profissionais que não sabem parar. Estes consideram uma derrota deixar partir quem não tem hipótese de sobrevivência. Eu também sou um deles, porque todos nós fomos formatados para curar e não para paliar.

A qualidade de vida engloba não ter dor e sermos felizes. Paliar é tão importante como curar. O início desta caminhada deve ser feito com tranquilidade, sensibilidade e acima de tudo sem dor. A morte na faixa pediátrica é o maior roubo para os pais que nunca imaginaram viver esta situação um dia. O que deve ser valorizado é a vida, esta pode ser longa ou curta, mas que esta seja de qualidade.

Os filhos são a ancora dos pais. Aos profissionais deixo esta mensagem: façam tudo o que estiver ao vosso alcance para que amanhã não sejam invadidos pelo “se eu fizesse isto talvez proporcionasse qualidade de vida à criança”, ou se “não importa, este vai provocar nos profissional dor e desanimo ou seja vão ficar doentes”. A morte provoca traumas e cicatrizes nos profissionais de saúde. Há imagens que ficam para sempre na nossa memoria, os pais que após a norte da sua única filha abraçam as enfermeiras para agradecer tudo o que fizeram pela filha mesmo não conseguindo salvá-la. Não sei se teria esta atitude de gratidão neste momento de dor dilacerante. São lições de vida que ficam na nossa memoria para sempre.

 

 

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Projeto IDE: Inclusão e Capacitação na Gestão da Diabetes Tipo 1 nas Escolas

A Dra. Ilka Rosa, Médica da Unidade de Saúde Pública do Baixo Vouga, apresentou o “Projeto IDE – Projeto de Inclusão da Diabetes tipo 1 na Escola” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde. Esta iniciativa visa melhorar a integração e o acompanhamento de crianças e jovens com diabetes tipo 1 no ambiente escolar, através de formação e articulação entre profissionais de saúde, comunidade educativa e famílias

Percursos Assistenciais Integrados: Uma Revolução na Saúde do Litoral Alentejano

A Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano implementou um inovador projeto de percursos assistenciais integrados, visando melhorar o acompanhamento de doentes crónicos. Com recurso a tecnologia digital e equipas dedicadas, o projeto já demonstrou resultados significativos na redução de episódios de urgência e na melhoria da qualidade de vida dos utentes

Projeto Luzia: Revolucionando o Acesso à Oftalmologia nos Cuidados de Saúde Primários

O Dr. Sérgio Azevedo, Diretor do Serviço de Oftalmologia da ULS do Alto Minho, apresentou o projeto “Luzia” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde. Esta iniciativa inovadora visa melhorar o acesso aos cuidados oftalmológicos, levando consultas especializadas aos centros de saúde e reduzindo significativamente as deslocações dos pacientes aos hospitais.

Inovação na Saúde: Centro de Controlo de Infeções na Região Norte Reduz Taxa de MRSA em 35%

O Eng. Lucas Ribeiro, Consultor/Gestor de Projetos na Administração Regional de Saúde do Norte, apresentou na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde os resultados do projeto “Centro de Controlo de Infeção Associado a Cuidados de Saúde na Região Norte”. A iniciativa, que durou 24 meses, conseguiu reduzir significativamente a taxa de MRSA e melhorar a vigilância epidemiológica na região

Gestão Sustentável de Resíduos Hospitalares: A Revolução Verde no Bloco Operatório

A enfermeira Daniela Simão, do Hospital de Pulido Valente, da ULS de Santa Maria, em Lisboa, desenvolveu um projeto inovador de gestão de resíduos hospitalares no bloco operatório, visando reduzir o impacto ambiental e económico. A iniciativa, que já demonstra resultados significativos, foi apresentada na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde, promovida pela Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar

Ana Escoval: “Boas práticas e inovação lideram transformação do SNS”

Em entrevista exclusiva ao Healthnews, Ana Escoval, da Direção da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, destaca o papel do 10º Congresso Internacional dos Hospitais e do Prémio de Boas Práticas em Saúde na transformação do SNS. O evento promove a partilha de práticas inovadoras, abordando desafios como a gestão de talento, cooperação público-privada e sustentabilidade no setor da saúde.

Reformas na Saúde Pública: Desafios e Oportunidades Pós-Pandemia

O Professor André Peralta, Subdiretor Geral da Saúde, discursou na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde sobre as reformas necessárias na saúde pública portuguesa e europeia após a pandemia de COVID-19. Destacou a importância de aproveitar o momento pós-crise para implementar mudanças graduais, a necessidade de alinhamento com as reformas europeias e os desafios enfrentados pela Direção-Geral da Saúde.

Via Verde para Necessidades de Saúde Especiais: Inovação na Saúde Escolar

Um dos projetos apresentado hoje a concurso na 17ª Edição do Prémio Boas Práticas em Saúde, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar, foi o projeto Via Verde – Necessidades de Saúde Especiais (VVNSE), desenvolvido por Sérgio Sousa, Gestor Local do Programa de Saúde Escolar da ULS de Matosinhos e que surge como uma resposta inovadora aos desafios enfrentados na gestão e acompanhamento de alunos com necessidades de saúde especiais (NSE) no contexto escolar

Projeto Utente 360”: Revolução Digital na Saúde da Madeira

O Dr. Tiago Silva, Responsável da Unidade de Sistemas de Informação e Ciência de Dados do SESARAM, apresentou o inovador Projeto Utente 360” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas , uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH). Uma ideia revolucionária que visa integrar e otimizar a gestão de informações de saúde na Região Autónoma da Madeira, promovendo uma assistência médica mais eficiente e personalizada

MAIS LIDAS

Share This