Se o fentanil já causa efeitos devastadores no país – é uma das principais causas de morte entre adultos -, quando combinado com o tranquilizante veterinário xilazina – especialmente utilizado em cavalos -, os efeitos tornam-se assustadores, causando feridas que se assemelham a queimaduras químicas e buracos no corpo de quem as utiliza, multiplicando-se os casos de amputações.
Além disso, abranda a respiração, a frequência cardíaca e a pressão arterial – às vezes para níveis fatais -, deixando quem as consome num estado inanimado, de enorme vulnerabilidade.
Conhecida como ‘Tranq Dope’, ou ainda “droga zombie”, esta combinação foi classificada em abril passado como uma “ameaça emergente” pela administração de Joe Biden, uma classificação que exige a elaboração de um plano de intervenção.
A xilazina não é aprovada para uso humano pela agência federal norte-americana para a saúde (FDA, na sigla em inglês), mas está mais do que consolidada no mercado de drogas ilegais norte-americano, tendo sido encontrada, por exemplo, em mais de 90% das amostras de narcóticos testadas em laboratório em Filadélfia, maior cidade do estado da Pensilvânia e que alberga um dos maiores mercados de drogas a céu aberto do país: Kensington.
Como a xilazina é um sedativo e não um opióide, resiste aos tratamentos padrão de reversão de overdose.
As autoridades ainda tentam entender quanto e como é que esse sedativo está a ser desviado de usos veterinários para os laboratórios de drogas.
Para tentar travar a sua comercialização ilegal na Pensilvânia, o governador Josh Shapiro classificou temporariamente a xilazina como uma substância controlada.
Para quem está no terreno e lida diariamente com esta realidade, como é o caso de Dawn Killen, voluntária da organização não-governamental Angels in Motion (Anjos em Movimento, na tradução para português), é evidente que a solução para o problema não será simples, nem rápida.
“Isso (xilazina) está em quase toda a oferta (de drogas) aqui, em Filadélfia (…). As pessoas que usam não têm escolha sobre o que estão a receber. E pelo que entendi, a recuperação é muito mais longa e dolorosa do que a de Fentanil”, disse, em entrevista à Lusa, em Kensington.
“Este é o pior cenário que já vi, principalmente na tentativa de reverter uma overdose. É muito mais difícil com a adição de ‘tranq’. E as feridas que estamos a ver são horríveis, as pessoas estão a ter vários membros amputados. Além disso, as infeções vão para o coração e acabam por matar. Por isso, agora há muitas outras maneiras de morrer por causa do fentanil e do ‘tranq’, não lutamos apenas contra overdoses”, observou a voluntária.
Dawn Killen sente-se como a “tentar esvaziar o oceano com uma colher de chá”, tamanha é a dimensão do problema face aos meios de que dispõe.
Três vezes por semana, juntamente com uma equipa coesa de voluntárias, Dawn Killen ajuda os toxicodependentes através da distribuição de alimentos, de roupa, de informação, de tratamento de feridas e até de reversões de overdoses.
“Não sei como se recupera de algo tão devastador. Não sei como se reconstrói de algo assim. Eu tento não pensar muito sobre isso, porque realmente começa a parecer algo muito avassalador. Então, apenas tento olhar para isto na ótica de quem posso ajudar”, contou.
Muitas das pessoas com quem se cruza nas ruas de Kensington, desaparecem: “eu quero acreditar que talvez eles tenham entrado em tratamento ou saído das ruas, mas é igualmente provável que eles tenham partido”, observou, usando um eufemismo para se referir à morte.
Em 2022, mais de 109.000 pessoas morreram de overdose nos EUA – um novo recorde – e, desse total, cerca de 75.000 devido a opioides sintéticos, principalmente fentanil ou derivados.
Segundo dados dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças norte-americano, o número estimado de overdoses fatais com xilazina aumentou de 260 em 2018 para 3.480 em 2021.
O fentanil, um opioide sintético entre 50 e 100 vezes mais potente que a morfina e que é misturado com outras drogas para potenciar o seu efeito, é responsável por uma enorme crise de saúde pública no país, que envolve ainda países como a China e o México, a quem Washington acusa, respetivamente, de fabricar e inserir em território norte-americano.
Tendo em conta que as drogas sintéticas representam um risco grave e crescente para a segurança e saúde, não só dos norte-americanos, mas das comunidades ao redor do mundo, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, anunciou na sexta-feira uma coligação global para enfrentar as ameaças das drogas sintéticas.
Agendada para 07 de julho, trata-se de uma reunião virtual que reunirá dezenas de países e organizações internacionais, num esforço conjunto para impedir a fabricação e o tráfico dessas drogas, identificar tendências emergentes de estupefacientes e responder de maneira eficaz aos seus impactos na saúde pública.
LUSA/HN
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