A luta dos doentes começou quando em 2017 foi publicada uma portaria do Ministério da Saúde que impõe que os medicamentos inovadores para a doença de Crohn e para a colite ulcerosa, que afeta 25 mil portugueses, sejam prescritos “apenas por médicos especialistas em gastrenterologia dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”.
Todos os anos surgem cerca de 150 novos diagnósticos, sendo 25% deles em idade pediátrica, e os restantes, sobretudo, em jovens entre os 20 e os 30 anos. “São doenças que surgem numa altura muito produtiva da vida profissional” e cuja história natural da doença pode ser mudada com tratamento e diagnóstico precoce, defendeu à agência Lusa a vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia (SPG), Marília Cravo.
“Muitas vezes estes jovens começam com queixas de diarreia, por vezes com sangue, mas o que é facto é que protelam muitas vezes a ida ao médico e depois ao especialista e o diagnóstico muitas vezes acaba por ser feito passado seis meses, um ano, dois anos das queixas se terem iniciado. E o inconveniente disto é que durante esse tempo vão correndo alterações a nível intestinal, que depois já não são reversíveis”, alertou.
Marília Cravo realçou a “grande evolução” que houve a nível da medicação a partir da década de 2000, com o aparecimento de fármacos biológicos, porque até aí os únicos medicamentos que havia eram corticoides e alguns imunossupressores, sendo que a doença acabava por “evoluir para grande desnutrição, grande magreza. O doente com fístulas e com uma qualidade de vida muito miserável”.
Atualmente, já existem medicamentos biossimilares, com preços “muito mais acessíveis”, cerca de 50/60 euros a ampola, que podem mudar o percurso da doença, sobretudo, se foram administrados precocemente e se o doente tiver acompanhamento.
“É óbvio que continua a haver casos gravíssimos, mas de qualquer maneira, o sucesso terapêutico é muito diferente do que era há umas décadas”, disse Marília Cravo, lamentando, contudo, que os medicamentos só possam ser prescritos no SNS.
“Numa fase em que o SNS está a sofrer uma grande crise, com dificuldades de acesso, é óbvio que o principal problema muitas vezes prende-se quase como chegar ao médico e conseguir fazer os exames que permitem um diagnóstico em tempo útil”, uma vez que os tempos de espera para consulta e para a realização de exames como a colonoscopia “estão incomportáveis”.
A gastrenterologista defendeu que se fosse possível a prescrição destes medicamentos nos hospitais privados credenciados para tal, os doentes com subsistemas ou seguros de saúde poderiam fazer esses exames também no privado “e não iriam sobrecarregar ainda mais os hospitais públicos, onde estão os doentes que não têm outros subsistemas e que necessitam mesmo de os fazer ali a tempo e horas”.
A presidente da Associação Doença de Crohn/Colite Portugal, Vera Gomes, disse, por seu turno, que devido a esta situação muitos doentes tiveram que deixar o especialista que o acompanhava no privado e sentem-se discriminados pelo Estado.
“Fizemos um estudo sobre as expectativas não satisfeitas dos doentes com doença inflamatória do intestino e percebemos que perto de 50% destes doentes tem um subsistema de saúde, o que significa que a percentagem de doentes que faz este medicamento foi forçada a sair do médico que conhece o seu caso, que o acompanha e que o doente conhece e confia”, referiu.
Uma das questões que a associação defende é o acesso a um medicamento inovador utilizado em várias doenças autoimunes e que na portaria de 2017, para “grande surpresa” dos doentes, deixou de ser comparticipado fora do SNS para estas doenças.
“Eu faço um desses medicamentos, cada dose custa 3.000 euros (…) é impossível com os salários médios em Portugal, uma pessoa conseguir cumprir o tratamento, se tiver que pagar totalmente cada dose que faz do medicamento. E aquilo que nós não conseguimos perceber é porque é que, de repente, só para as doenças inflamatórias do intestino este medicamento deixou de ser comparticipado se for prescrito por um médico especialista num hospital privado”, criticou, defendendo a revogação da portaria.
Vera Gomes salientou que se o doente necessita desta medicação é porque está “num estado extremamente grave de atividade da doença” que não se compadece com os tempos de espera para referenciação para o SNS.
LUSA/HN
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