No contexto atual, apenas um País do mundo dito civilizado não contempla um sistema de saúde universal.
Falamos, claro, dos Estados Unidos da América. E todos sabemos o que isso significa para todos aqueles que não podem pagar por um bem que, sendo inegociável na sua importância, é cada vez mais inatingível pelo seu custo.
Na verdade, um Estado dito de Direito deve incorporar e chamar a si algumas das áreas centrais para a vida dos cidadãos: a justiça, a segurança e a saúde. E esta base deve ser independente do pendor mais socialista ou liberal de cada governo, devendo sim estar fundada num princípio mais profundo, mais filosófico, mais moral, de preocupação genuína pelo bem-estar dos cidadãos.
No fundo, o Estado somos todos nós, é de nós que o Estado se alimenta e a nós que o Estado deve servir, proporcionando os pilares para uma vida próspera e para a prossecução de uma definição de felicidade, seja lá o que isso for.
Bem sabemos que, fruto do aumento da esperança de vida e da crescente sofisticação dos cuidados de saúde, as despesas a eles associadas têm aumentado a um ritmo assustador, colocando pressão sobre os governos, obrigando a escolhas salomónicas, sempre penosas, sempre suscetíveis de tirar o sono a quem tem de as tomar e sempre polémicas e potencialmente injustas.
E, por este motivo, a definição de parcerias entre o Estado e as instituições privadas faz todo o sentido, abrindo o leque, otimizando recursos e melhorando a sua eficiência, sendo incompreensível a diabolização com justificações económicas mas, no fundo, com motivações ideológicas a que temos assistido em Portugal ao estabelecimento dessas mesmas parcerias.
Sendo imperativo o papel do Estado na prestação de cuidados de saúde, não faz sentido assumir por inteiro esses encargos sem procurar alavancar esse esforço mediante protocolos de colaboração com entidades privadas.
Mas sendo verdade que a saúde não tem preço, é igualmente factual que ela tem um custo e esse custo, numa lógica de equidade e num espírito de solidariedade, deve ser comparticipado pelos Estados, sob pena de se abandonar à sua sorte milhares de cidadãos que não podem pagar os seus cuidados de saúde.
Nada na definição de democracia ou de Estado de Direito implica a obrigatoriedade de existir um Serviço Nacional de Saúde. Em teoria, pode um Estado assumir que compete a cada um cuidar de si, promovendo a sua saúde e adotando estilos de vida que não a comprometam.
E, na verdade, o modelo atual acaba por conter em si mesmo inúmeros desequilíbrios, na medida em que muitas pessoas cometem excessos que as fragilizam e causam doença. Os erros alimentares, o consumo de álcool ou de tabaco são bons exemplos de maus hábitos que geram algumas das doenças associadas a maior morbilidade e mortalidade. O custo do tratamento dessas pessoas acaba por ser suportado por todos, mesmo por aqueles que se preocupam com a sua saúde e procuram seguir um estilo de vida adequado, o que, manifestamente, não é justo.
E aqui teríamos um excelente argumento para a imposição de medidas mais restritivas ou punitivas e dar-se-ia um passo no estrangulamento das democracias, com um controlo acrescido sobre os cidadãos e um espartilhamento das suas liberdades individuais.
Mas importa ser capaz de ir mais longe, de ver mais longe. A existência de um Serviço Nacional de Saúde garante acesso financeiro, uma cobertura abrangente e, sobretudo, tem como trave mestra o acesso de todos, independentemente dos seus rendimentos, a cuidados de saúde de qualidade. E é nesta noção de igualdade, de isonomia, que radica todo o pensamento que deve estruturar um Estado moderno e que torna a existência de um Serviço Nacional de Saúde uma peça chave a preservar, a estimar e a constantemente aperfeiçoar.
Sabemos que ele terá sempre limitações, sabemos que nem sempre será justo, mas os benefícios ultrapassam sem dúvida os inevitáveis erros e falhas.
Todos podemos adoecer. Todos podemos perder as nossas fontes de rendimento. Pensar que a nossa vida, a dos nossos entes queridos, pode ficar em risco por não podermos, num determinado momento, pagar a prestação de cuidados de saúde é algo que, por si só, nos deveria motivar para ocupar as primeiras linhas na defesa de um sistema de saúde universal.
Na vida nada é garantido. Mas sem saúde pouco mais importa. E são lugares comuns como estes que legitimam, que dão voz e que nos devem exortar a defender, sempre, o SNS.
Podemos e devemos criticá-lo. Mas podemos e devemos estar do seu lado porque sabemos que dele dependem muitas vidas.
Um dia, talvez a nossa…
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