Todos os artigos em: SNS - Sim é possivel

Mudar mentalidades e valorizar os recursos humanos

04/09/2024
Enfermeiro Luís Filipe Barreira 
Bastonário da Ordem dos Enfermeiros

Há décadas que o SNS discute formas de melhorar o acesso e a prestação de cuidados de saúde. Já perdemos muito tempo com diagnósticos e debates intermináveis.

O país dos debates, dos discursos, dos artigos de opinião, todos brilhantes e oportunos, das grandes intenções nunca concretizadas e das medidas estruturais sem qualquer efeito prático, tem de acabar. Antes que seja tarde.

Precisamos ser muito claros e consequentes: o modelo assistencial centrado nos hospitais está ultrapassado.

Os relatórios e estudos nacionais e internacionais há muito que apontam para a necessidade de um reforço efetivo dos cuidados de proximidade na comunidade.

Acresce que os sistemas de saúde que se centram no diagnóstico e tratamento da doença e ignoram a prevenção e a promoção da saúde estão, igualmente, obsoletos.

Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo. Um em cada três portugueses terá mais de 65 anos em 2050, e, um em cada oito, mais de 80. Precisamos preparar-nos para este inverno demográfico.

O envelhecimento da população e o aumento de doenças crónicas e, consequentemente, um maior grau de dependência das pessoas exige que se invista com prioridade nos cuidados de proximidade, onde os enfermeiros devem assumir plenamente a gestão da doença crónica.

É preciso dotar de meios os cuidados de saúde primários, os cuidados continuados e as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas.

É preciso que os cuidados no domicílio sejam uma realidade generalizada, como já acontece noutros países. Por exemplo, na Suécia, os enfermeiros chegam a deslocar-se a um domicílio oito vezes por dia.

É preciso garantir que nas ERPI os cuidados de saúde sejam prestados por enfermeiros e que estes existem em número suficiente. Cuidar dos idosos é um dos nossos grandes desafios. Hoje são os nossos pais e avós, amanhã seremos nós.

E neste mundo novo, onde se exige uma mudança de mentalidades, não podemos ficar para trás.

A prescrição por Enfermeiros continua a ser um tema tabu em Portugal. O número de países onde é permitida a prescrição farmacológica por Enfermeiros tem vindo a aumentar. Não podemos ignorar esta realidade, sobretudo, quando é mais uma forma de garantir um acesso em tempo útil a cuidados de saúde. A prescrição por enfermeiros será uma realidade inevitável no futuro. Não avançar por este caminho apenas nos fará perder tempo.

Por outro lado, o país tem assistido nos últimos anos a uma crise na acessibilidade aos cuidados de saúde materna, que não é compatível com a manutenção dos entraves ao exercício das competências dos enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde materna e obstétrica.

A Ordem dos Enfermeiros defende, há algum tempo, a criação de centros de parto normal, uma solução fácil de implementar, com ganhos em saúde e otimização de recursos e que permitiria resolver uma parte substancial dos fortes constrangimentos que se verificam neste setor.

Recentemente, uma orientação da DGS formalizou o internamento hospitalar de grávidas de baixo risco em trabalho de parto por enfermeiros especialistas de saúde materna e obstétrica. O caminho tem de ser este.

Porém, é importante não esquecer que mais competências implicam maior responsabilidade e uma maior responsabilidade, implica, por sua vez, uma maior valorização.

Não podemos ter medo de associar a qualidade e segurança da prestação de cuidados de saúde à valorização dos profissionais.

Aliás, vejo com frequência, grandes ideias e projetos, que apelam à liderança e dinamismo dos enfermeiros, mas partem do pressuposto de que estão devidamente motivados. E jamais haverá motivação sem valorização.

Qualquer reforma, plano ou medida estrutural na saúde, que não comece por três questões essenciais: salário, carreira e condições de trabalho dos enfermeiros estará condenado ao fracasso.

1 Comment

  1. Manuela

    Parabéns pela comunicação assertiva.
    NecessRio criar equipas multidisciplinares só para Cuidados Domiciliarios com Enfermeiro médico auxiliar ( serviço social, nutrição , quando necessário e em regime partilhado ? ). É necessário ainda desburocratizar sistema de referência ao para ECCi ( que poderia trabalhar em agrupamento de ECCi , colaborando entre si e partilhando especialistas . ). Dessa forma o Enfermeiro de Família, estaria muito mais tempo para cuidados assistenciais na Unidade .
    Tal como o resto da População, também os Enfermeiros estão envelhecidos .

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Joaquim Ferreira/Inovação Farmacêutica: Desafios e Oportunidades no Acesso a Novos Medicamentos

A inovação farmacêutica enfrenta desafios significativos no que diz respeito ao acesso e custo de novos medicamentos. Num cenário onde doenças como Alzheimer e outras condições neurodegenerativas representam uma crescente preocupação para os sistemas de saúde, o Professor Joaquim Ferreira, Vice-Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, abordou questões cruciais sobre o futuro da inovação terapêutica, os seus custos e o impacto na sociedade durante o 10º Congresso Internacional dos Hospitais, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hopitalar (APDH).

Sofia Ramalho eleita nova bastonária da Ordem dos Psicólogos

A atual vice-presidente da direção nacional da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), Sofia Ramalho, foi hoje eleita nova bastonária, substituindo Francisco Miranda Rodrigues, que estava no cargo desde 2016, de acordo com os resultados provisórios.

Reformas na Saúde Pública: Desafios e Oportunidades Pós-Pandemia

O Professor André Peralta, Subdiretor Geral da Saúde, discursou na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde sobre as reformas necessárias na saúde pública portuguesa e europeia após a pandemia de COVID-19. Destacou a importância de aproveitar o momento pós-crise para implementar mudanças graduais, a necessidade de alinhamento com as reformas europeias e os desafios enfrentados pela Direção-Geral da Saúde.

Ana Escoval: “Boas práticas e inovação lideram transformação do SNS”

Em entrevista exclusiva ao Healthnews, Ana Escoval, da Direção da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, destaca o papel do 10º Congresso Internacional dos Hospitais e do Prémio de Boas Práticas em Saúde na transformação do SNS. O evento promove a partilha de práticas inovadoras, abordando desafios como a gestão de talento, cooperação público-privada e sustentabilidade no setor da saúde.

Daniel Ferro: Retenção de Médicos no SNS: Desafios e Estratégias

Daniel Ferro, Administrador Hospitalar na USF S. José, apresentou no 10º Congresso Internacional dos Hospitais um estudo pioneiro sobre a retenção de profissionais médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A investigação revela as principais causas de saída e propõe estratégias para melhorar a retenção de talentos.

Desafios e Tendências na Inovação Farmacêutica: A Perspetiva de Helder Mota Filipe

O Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Helder Mota Filipe, abordou os principais desafios e tendências na inovação farmacêutica durante o 10º Congresso Internacional dos Hospitais. A sua intervenção focou-se na complexidade de garantir o acesso a medicamentos inovadores, considerando as limitações orçamentais e as mudanças demográficas e epidemiológicas em Portugal

Carlos Lima Alves: Medicamentos Inovadores: O Desafio do Valor Sustentável

Carlos Lima Alves, Médico e Vice-Presidente do Infarmed, abordou a complexa questão dos medicamentos inovadores no 10º Congresso Internacional dos Hospitais, promovido pela Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH). A sua intervenção centrou-se na necessidade de equilibrar o valor dos medicamentos com os custos associados, destacando a importância de uma avaliação rigorosa e fundamentada para garantir que os recursos financeiros sejam utilizados de forma eficaz e sustentável.