Em causa está um projeto de descentralização de tratamentos testado na Figueira da Foz no ano passado e que já se estendeu à Covilhã, Seia, Barcelos e Braga.
“No fim do mês vamos começar em Faro porque temos dois doentes de lá. Viseu e Santa Maria da Feira estão em fase de planeamento. O ideal seria descentralizar ainda mais”, disse à Lusa, nas vésperas do no Dia Nacional de Luta contra a Paramiloidose, que se assinala domingo, a responsável pela UCA Teresa Coelho, um dos dois centros de referência do país.
A paramiloidose é uma doença rara com cerca de 50.000 doentes conhecidos em todo o mundo. Em Portugal, segundo estima a neurologista e neurofisiologista, há 2.200 a 2.300 doentes.
Transmitida geneticamente e que tem como principais sintomas a grande perda de peso, de sensibilidade e de estímulos, esta é uma doença do foro neurológico sem cura que se manifesta entre os 25 e os 35 anos.
“Já não consigo estar muitas horas em pé, mas, no meu caso, o que a doença tem afetado mais é a parte gástrica e digestiva”, contou à Lusa José Carreira, 42 anos, diagnosticado aos 20, que perdeu a mãe para a doença quando esta tinha 43, mas vive aliviado porque as filhas, de 17 e 15 anos, não a têm.
Fazia o tratamento no Porto e desde há uns meses faz no Hospital de Barcelos, no distrito de Braga, porque é, diz “mais cómodo e mais perto de casa”.
“Mas, de três em três semaninhas, tenho de faltar ao trabalho para fazer a medicação e a vida profissional teve de ser adaptada”, acrescentou José que antigamente trabalhava com eletricidade industrial, mas, após formação, mudou, dentro da mesma empresa, para informática de forma a evitar o trabalho mais físico.
Por sua vez, uma hora e vinte minutos para cada lado e mais de 50 euros de cada vez em gasóleo, portagens e alimentação, foi quando Isabel Ferreira passou a poupar desde que faz os tratamentos na sua cidade de residência, a Figueira da Foz. Antes deslocava-se ao Porto três vezes por mês e agora só lá vai para consultas.
“Antes perdia um dia inteiro de trabalho e agora perco no máximo meio”, contou à agência Lusa.
Isabel tem 41 anos e é empregada doméstica na Figueira da Foz, no distrito de Coimbra. A paramiloidose foi responsável pela morte do pai aos 32 anos e foi já diagnosticada na filha de 26.
“Fez o teste aos 18 e deu positivo. É o que é, siga em frente. Por isso é que fico tão contente que existam avanços e melhorias, como este projeto de colocar os tratamentos mais próximos dos doentes. É mais rápido, mais cómodo, mais vantajoso, menos cansativo… E o tratamento é igual aqui ou no Porto”, descreveu.
No Hospital Distrital da Figueira da Foz, equipamento da Unidade Local de Saúde (ULS) do Baixo Mondego, é seguida por Abílio Gonçalves, diretor do serviço de Medicina Interna que acolheu os 15 doentes referenciados pela UCA, iniciando o projeto de descentralização que, neste caso, beneficia doentes da zona, mas também de Leiria ou da Marinha Grande.
“Cobrimos uma área muito grande. Agora, no verão, vamos ter um extra até: um doente, português da zona da Leiria que vive no Canadá e vem de férias para a Figueira da Foz, fará o tratamento connosco (…). Fomos o primeiro sítio a fazer o tratamento em Portugal fora dos hospitais de referência [Santo António, no Porto, e Santa Maria, em Lisboa]. Sentimos que estamos a fazer alguma coisa importante. Não temos registado efeitos secundários. As coisas estão a evoluir bem”, disse à Lusa.
Abílio Gonçalves já notou que, quer doentes quer profissionais de saúde, estão satisfeitos com este projeto. Só lamenta “estar já na capacidade máxima” e desafia outros hospitais locais a seguir o exemplo.
“Temos um dia dedicado para estes tratamentos, mas é tudo em hospital de dia, um espaço onde se faz muito mais coisas também, nomeadamente tratamentos de oncologia. Não dá para tudo nem para mais. O ideal era que outros hospitais do país olhassem para estes exemplos e tentassem também eles aderir à descentralização porque tem muitos benefícios para os doentes, mas também para a motivação e contínua formação dos profissionais”, acrescentou.
É essa a perceção e o desejo que tem Teresa Coelho. “Isto aumentou muito a qualidade de vida dos doentes. E, por outro lado, para nós [UCA], também nos permitiu libertar vagas para outros doentes que já tinham autorização para fazer Patisiran [um medicamento para tratar a doença] e nós não estávamos a conseguir”, referiu.
No Santo António, onde os tratamentos são administrados a 144 doentes, já não há mais vagas e há doentes à espera.
A paramiloidose foi detetada em 1939 pelo médico Corino de Andrade em zonas piscatórias de Vila do Conde e da Póvoa de Varzim.
Foi o médico português quem descreveu pela primeira vez esta doença.
LUSA/HN
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