Misericórdias alertam para empresas que ganham dinheiro a drenar internamentos dos hospitais

25 de Junho 2024

O presidente da União das Misericórdias denunciou hoje a existência de empresas que drenaram pessoas internadas indevidamente nos hospitais para o setor social ganhando dinheiro com isso, face à diferença de preços pagos pelas unidades hospitalares.

Manuel Lemos falava na Comissão Parlamentar de Saúde, onde hoje está a ser ouvido sobre o barómetro dos internamentos sociais, na qual aludiu à portaria de 2023 que definiu os termos da articulação entre os vários setores para escoar dos hospitais públicos os utentes que, já tendo alta médica, permaneciam internados.

“Quando se pediu aos parceiros que ajudassem a drenar camas de utentes que não precisavam de estar internados (…) encontrámos dois problemas: primeiro, a falta vagas em lares e, depois, os administradores hospitalares, para resolverem esse problema, estavam a contratar equipamentos a preços muito mais elevados do que o Estado estava disposto a pagar ao setor social”, contou.

Deu o exemplo de uma empresa que contactou o setor social – uma unidade em Salvaterra de Magos – que pagava 1.500 euros/mês/utente, “quando o Estado pagava 1.350 euros”.

“Ou seja, estavam a drenar pessoas dos hospitais e a ganhar dinheiro com isso”, acrescentou.

Manuel Lemos sublinhou a urgência de a gestão de altas nos hospitais ter em atenção as pessoas com demência, especialmente os casos de utentes mais novos que, tendo alguma demência caem e partem um braço. “Esta pessoa quando recebe alta, recebe alta por causa do braço, mas não da demência”, exemplificou.

Relatou ainda problemas que as misericórdias enfrentarem ao tentar colocar estas pessoas em instituições: “Pusemos algumas destas pessoas nos lares e tivemos muitas complicações. (…) É muito perigoso meter estas pessoas em lares. Bem sei que é uma reposta de emergência, mas não é resposta”.

“Os lares estão cheios de pessoas com demência, mas é uma demência que se criou no lar, conhecemos estes utentes”, disse.

Pediu confiança nas instituições – “quando dizemos que os custos aumentaram 13% é porque aumentaram mesmo, não pode vir de lá um acréscimo de 7% [no financiamento]” – e apelou a uma atenção redobrada às demências, considerando que “tem hoje um peso muito maior do que quando a rede de cuidados continuados foi criada”.

A propósito das camas para cuidados continuados estimadas aquando da criação da rede afirmou: “quando se fez o estudo [2006] previa-se que fossem necessárias 16.000 camas em 2015. Na altura, por um lado, usaram a média de envelhecimento da UE e Portugal já estava acima, depois, não consideraram as demências”

“Tudo isto mudou e o problema das demências não tinha a força que tem hoje. (…) Se fossem tidas em conta as necessidades destas pessoas com demências, já seriam precisas 25 mil camas. E ninguém estudou essa matéria”, avisou.

Sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que prevê mais 5.500 camas para cuidados continuados, Manuel Lemos considerou que, pelo valor definido, “é um risco financeiro [as instituições] meterem-se a fazer camas”.

“Há instituições que assinaram protocolos que não têm hipótese de fazer cumprir, ou vão fechar a meio. (…) O financiamento da rede é ridículo e não parte da atual realidade. Não é com o rendimento da rede que se vai pagar a diferença na construção”, considerou.

Insistiu ainda que os cuidados continuados são “uma resposta de saúde” e que só drenar os casos considerados internamentos sociais para a rede se está a “perverter o sistema”.

Para ajudar a melhorar a drenagem destes casos para o sitio correto, sugeriu que, quando a pessoa fosse transferida do hospital, a reforma o acompanhasse: “Isto para não acontecer o que aconteceu em Ribeira de Frades, em que o utente foi para a misericórdia, conseguiu que o táxi o levasse à família – afinal tinha família – e na manhã seguinte devolveram-no porque dele só queriam a reforma”.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Projeto IDE: Inclusão e Capacitação na Gestão da Diabetes Tipo 1 nas Escolas

A Dra. Ilka Rosa, Médica da Unidade de Saúde Pública do Baixo Vouga, apresentou o “Projeto IDE – Projeto de Inclusão da Diabetes tipo 1 na Escola” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde. Esta iniciativa visa melhorar a integração e o acompanhamento de crianças e jovens com diabetes tipo 1 no ambiente escolar, através de formação e articulação entre profissionais de saúde, comunidade educativa e famílias

Percursos Assistenciais Integrados: Uma Revolução na Saúde do Litoral Alentejano

A Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano implementou um inovador projeto de percursos assistenciais integrados, visando melhorar o acompanhamento de doentes crónicos. Com recurso a tecnologia digital e equipas dedicadas, o projeto já demonstrou resultados significativos na redução de episódios de urgência e na melhoria da qualidade de vida dos utentes

Projeto Luzia: Revolucionando o Acesso à Oftalmologia nos Cuidados de Saúde Primários

O Dr. Sérgio Azevedo, Diretor do Serviço de Oftalmologia da ULS do Alto Minho, apresentou o projeto “Luzia” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde. Esta iniciativa inovadora visa melhorar o acesso aos cuidados oftalmológicos, levando consultas especializadas aos centros de saúde e reduzindo significativamente as deslocações dos pacientes aos hospitais.

Inovação na Saúde: Centro de Controlo de Infeções na Região Norte Reduz Taxa de MRSA em 35%

O Eng. Lucas Ribeiro, Consultor/Gestor de Projetos na Administração Regional de Saúde do Norte, apresentou na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde os resultados do projeto “Centro de Controlo de Infeção Associado a Cuidados de Saúde na Região Norte”. A iniciativa, que durou 24 meses, conseguiu reduzir significativamente a taxa de MRSA e melhorar a vigilância epidemiológica na região

Gestão Sustentável de Resíduos Hospitalares: A Revolução Verde no Bloco Operatório

A enfermeira Daniela Simão, do Hospital de Pulido Valente, da ULS de Santa Maria, em Lisboa, desenvolveu um projeto inovador de gestão de resíduos hospitalares no bloco operatório, visando reduzir o impacto ambiental e económico. A iniciativa, que já demonstra resultados significativos, foi apresentada na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde, promovida pela Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar

Ana Escoval: “Boas práticas e inovação lideram transformação do SNS”

Em entrevista exclusiva ao Healthnews, Ana Escoval, da Direção da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, destaca o papel do 10º Congresso Internacional dos Hospitais e do Prémio de Boas Práticas em Saúde na transformação do SNS. O evento promove a partilha de práticas inovadoras, abordando desafios como a gestão de talento, cooperação público-privada e sustentabilidade no setor da saúde.

Reformas na Saúde Pública: Desafios e Oportunidades Pós-Pandemia

O Professor André Peralta, Subdiretor Geral da Saúde, discursou na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde sobre as reformas necessárias na saúde pública portuguesa e europeia após a pandemia de COVID-19. Destacou a importância de aproveitar o momento pós-crise para implementar mudanças graduais, a necessidade de alinhamento com as reformas europeias e os desafios enfrentados pela Direção-Geral da Saúde.

Via Verde para Necessidades de Saúde Especiais: Inovação na Saúde Escolar

Um dos projetos apresentado hoje a concurso na 17ª Edição do Prémio Boas Práticas em Saúde, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar, foi o projeto Via Verde – Necessidades de Saúde Especiais (VVNSE), desenvolvido por Sérgio Sousa, Gestor Local do Programa de Saúde Escolar da ULS de Matosinhos e que surge como uma resposta inovadora aos desafios enfrentados na gestão e acompanhamento de alunos com necessidades de saúde especiais (NSE) no contexto escolar

Projeto Utente 360”: Revolução Digital na Saúde da Madeira

O Dr. Tiago Silva, Responsável da Unidade de Sistemas de Informação e Ciência de Dados do SESARAM, apresentou o inovador Projeto Utente 360” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas , uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH). Uma ideia revolucionária que visa integrar e otimizar a gestão de informações de saúde na Região Autónoma da Madeira, promovendo uma assistência médica mais eficiente e personalizada

MAIS LIDAS

Share This