Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal: Progressos e Desafios

18 de Outubro 2024

Estudo revela melhorias na satisfação dos coordenadores das USF, mas persistem problemas críticos. A generalização das USF modelo B e a implementação das ULS trazem novos desafios ao sistema de saúde.

A mais recente edição do estudo “O Momento Atual dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal” revela uma mudança positiva na perceção dos coordenadores das Unidades de Saúde Familiar (USF) sobre a evolução da reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP). Pela primeira vez em sete anos, registou-se uma melhoria na satisfação geral, com uma redução significativa no número de coordenadores “muito insatisfeitos” com a reforma dos CSP, passando de 31,3% em 2023 para 17,6% em 2024.
Este estudo, realizado anualmente desde 2009, tem como objetivo caracterizar o estado da reforma dos CSP iniciada em 2005, através da avaliação feita pelos coordenadores das USF. A edição atual, referente ao biénio 2023/2024, contou com a maior taxa de resposta de sempre, com 75,5% dos coordenadores participando, o que representa 495 respondentes das 656 USF existentes na altura do estudo.
Apesar da melhoria observada, é importante notar que a maioria (59,4%) dos coordenadores ainda se mantém insatisfeita ou muito insatisfeita com a reforma, indicando que ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar níveis de satisfação positivos. Esta insatisfação estende-se a várias instituições avaliadas, com o Ministério da Saúde e a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) mantendo níveis elevados de insatisfação, 70,2% e 62,1%, respetivamente.
Um dos aspectos mais significativos da reforma foi a recente generalização das USF modelo B. Até ao momento do estudo, em outubro de 2024, iniciaram atividade 317 novas USF modelo B, existindo um total de 665 USF B. Esta transição, embora considerada positiva no resultado final, não foi isenta de críticas quanto ao processo de implementação. Muitos coordenadores apontaram para a falta de preparação adequada das equipas, já que muitas USF não tiveram o processo de amadurecimento necessário antes de passarem ao modelo B.
A implementação das Unidades Locais de Saúde (ULS) foi outro ponto focal do estudo. A 1 de janeiro de 2024, 55 Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) e 5 Administrações Regionais de Saúde (ARS) deram lugar a 39 ULS. Esta mudança estrutural, que colocou hospitais e cuidados de saúde primários sob uma mesma administração, foi criticada por muitos coordenadores devido à falta de planeamento, recursos e formação adequados para a sua implementação.
As avaliações das ULS apresentaram um cenário misto, com algumas recebendo avaliações positivas, enquanto outras enfrentaram críticas severas. Em média, praticamente metade dos inquiridos (49,9%) expressou insatisfação com a ULS a que pertence a sua USF, contrastando com os 22,8% que se encontram satisfeitos ou muito satisfeitos.
Um dos problemas mais críticos identificados pelos coordenadores foi a dificuldade em conciliar a atividade na USF com a vida pessoal e familiar. Este problema, juntamente com a falta de políticas claras de priorização dos CSP e as insuficiências dos sistemas de informação, formam o trio dos desafios mais urgentes a serem abordados.
A questão da autonomia das USF também emergiu como um ponto de preocupação. Mais de metade das USF (54,5%) considera que a ULS em que se integram não respeita a sua autonomia, um resultado preocupante que pode comprometer a qualidade dos cuidados prestados aos cidadãos. A grande maioria dos coordenadores (89,1%) defende que a autonomia dos órgãos de gestão dos CSP deveria ser superior à atual.
No que diz respeito aos recursos humanos, embora tenha havido uma ligeira melhoria desde 2020/21, continua a faltar, em média, um profissional de cada grupo profissional nas USF em relação ao que estava acordado. Esta carência é mais pronunciada no grupo dos médicos, seguido pelos secretários clínicos e enfermeiros.
A segurança e o bem-estar dos profissionais continuam a ser áreas que necessitam de intervenção urgente. O estudo revela que 79,3% das USF reportaram pelo menos um episódio de violência, com a violência psicológica sendo a forma mais frequente (63,9%), seguida pelo assédio (49,9%). Estes números alarmantes sugerem que o atual Plano de Prevenção da Violência no Setor da Saúde pode estar desadequado ou carecer de meios para sua implementação efetiva.
Na área da contratualização, os resultados refletem uma ligeira melhoria no papel da contratualização como estímulo para trabalhar com maior qualidade. No entanto, persistem preocupações sobre a transparência do processo e o cumprimento dos prazos estabelecidos. Um aspecto positivo é o alto nível de concordância (83,7%) entre os coordenadores sobre a necessidade de que os valores de referência considerem o contexto específico de cada unidade.
O estudo também abordou a questão da transformação digital na saúde. Embora a maioria dos coordenadores (71,6%) continue a preferir mais consultas presenciais do que consultas à distância, nota-se um ligeiro aumento na preferência por um modelo híbrido equilibrado (21,7%) em comparação com o ano anterior.
Por fim, o estudo avaliou a opinião dos coordenadores sobre várias propostas de evolução política. Entre as medidas com maior aprovação estão a criação de centros para atestados de condução no SNS (93,7% de concordância), a criação da carreira de técnico superior de secretariado clínico (91,8%) e a revisão do conceito de pagamento por desempenho (89,3%).

PR/HN/MMM

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