Mielofibrose: um desafio constante

8 de Junho 2025

Francesca Pierdomenico, Hematologista no IPO de Lisboa, em representação do Grupo Português de Neoplasias Mielóides Crónicas (GPNMC)

A mielofibrose é um tipo raro de cancro do sangue no qual a produção excessiva de células da medula faz com seja depositado tecido de cicatriz (fibrose) na medula. Isto ocupa o espaço para a produção normal de células do sangue e faz com estas se alojem no baço, levando ao seu crescimento. Em cerca de 10 a 20% dos casos pode evoluir para uma forma mais agressiva: a leucemia mieloide aguda (LMA).

É uma doença mais frequente na 6ª ou 7ª década de vida. Os doentes com mielofibrose adquirem mutações em genes específicos (JAK2, CALR, MPL) que levam às alterações do normal funcionamento da medula óssea.

A forma de apresentação é muito heterógena e depende da fase da doença. Na fase inicial, os doentes podem ser assintomáticos e o diagnóstico surgir por alterações em analises de rotina. Nas fases mais avançadas, os doentes habitualmente apresentam fadiga pela anemia, perda de peso, sudorese, febre inexplicada, desconforto abdominal pelo aumento de volume do baço, hematomas e hemorragias fáceis e infeções frequentes. Na fase terminal pode haver dor óssea associada a progressão para leucemia aguda.

A mielofibrose pode surgir de forma progressiva e às vezes, numa fase inicial, as queixas podem ser interpretadas como outras entidades clínicas. É importante avaliar cuidadosamente alterações laboratoriais do hemograma onde podemos detetar anemia sem outra causa, alterações do número e formas dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas. A presença de esplenomegalia ao exame objetivo também pode ser um sinal desta doença, sendo frequentemente a causa de dor abdominal e perda ponderal por enfartamento precoce.

Para um diagnóstico definitivo, é importante a realização de aspirado e biópsia da medula óssea. A integração de dados clínicos, laboratoriais e genéticos permite a confirmação diagnóstica e depois estimar o prognóstico dos doentes, de forma a selecionar uma estratégia terapêutica e acompanhamento mais adequados.

Tradicionalmente, as opções terapêuticas eram limitadas a cuidados de suporte (transfusões, tratamento sintomático). O transplante de medula óssea representa o único tratamento potencialmente curativo, mas é reservado a casos selecionados (sobretudo doentes mais jovens, com bom estado geral e com elevado risco de progressão para leucemia aguda).

Nos últimos anos, assistimos a avanços significativos na terapêutica, nomeadamente:

  • Inibidores de JAK (ex. ruxolitinib, momelotinib) que visam a melhorar sintomas e reduzirem o tamanho do baço.
  • Novos agentes em investigação com alvos terapêuticos em mecanismos moleculares específicos da doença, seja em monoterapia, seja em combinação com inibidores do JAK.

O maior conhecimento das alterações genéticas, permitiu-nos identificar tratamentos dirigidos que transformaram o prognostico da doença. No entanto, a mielofibrose continua a ser um grande desafio, desde o diagnóstico precoce até a individualização terapêutica, sobretudo nos doentes com perda de resposta aos inibidores do JAK e com progressão para leucemia aguda.

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